sábado, 15 de dezembro de 2012

OS DESAFIOS PARA A LITURGIA A PARTIR DA MISSÃO

ORIENTAÇÃO PASTORAL



Para ser sentida e vivenciada como formadora de missionários de Jesus Cristo, a liturgia precisa ser aquilo que é: a liturgia.

Com freqüência, aproveitam-se as celebrações para fazer campanha missionária. A liturgia, no entanto, não deveria ser ocasião de campanha missionária. Ela, em si, é fonte de missão. Mas aí é que reside o desafio. Para ser fonte de missão, a liturgia antes de tudo precisa ser lugar de experiência de Deus, que como Pai, por Cristo, no Espírito Santo acolhe e reúne seus filhos e filhas como comunidade de irmãos e irmãs e não apenas como justaposição de crentes. Deve permitir uma leitura cordial e vivificante da Palavra de Deus, mais do que doutrinária e moralista. Deve ser a renovação da aliança que acolhe o projeto vivificador e libertador de Cristo, mais que uma simples devoção ou auto piedoso.

A liturgia só será plenamente missionária se for plenamente liturgia, ou seja, se for experiência densa e transformadora de Cristo ressuscitado, a exemplo das primeiras comunidades que a cada dia viam o número de fiéis crescer porque "dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo povo" (At 2, 46-47).

O tempo depois do Concílio foi marcado pelo esforço da Igreja de responder a este desafio. Por isso, procurou inserir-se profeticamente na transformação social, política e cultural do continente, mergulhado solidariamente na defesa dos pobres. Medellín colocou a liturgia no centro dessa missão da história do povo, ligando a liturgia e vida, celebração e compromisso histórico, afirmando que "a celebração litúrgica coroa e comporta um compromisso com a realidade humana" (Medellín 9,4). 
Puebla assumiu o maior entrosamento que começou a existir entre formas litúrgicas tradicionais e a piedade popular (Cf. Puebla 465). Santo Domingo quis assumir uma liturgia em total fidelidade ao Concílio Vaticano II, bem como recuperar a adoção de formas, sinais e opções próprias das culturas da América e Caribe (Cf. Santo Domingo, 53).

Apesar de orientações tão claras e firmes, sem desconsiderar os grandes avanços, a liturgia ainda tem diante de si muitos sérios desafios:

a) Desafio proveniente da cultura das grandes cidades. O ritmo de vida de nossas cidades induz as pessoas ao stress, à pressa, ao secularismo, ao anonimato, à dispersão familiar, ao lazer pelo lazer nos fins de semana. Essa situação com certeza vai exigir muita criatividade em termos de espaço celebrativo, locais, horário e duração das celebrações, linguagem,  acolhida, critérios de pertença à comunidade, bem como o processo de inicialização e formação litúrgica. Ainda, nas grandes cidades, em suas periferias, além do individualismo, do anonimato, da privatização da vida espiritual, vamos encontrar sérios problemas sociais (fome, violência, desemprego...).
A prática da partilha de alimentos, os mutirões para a construção de casas, a preparação de festas da comunidade, a visita aos doentes em equipe, o serviço organizado aos pobres são forças que levam à quebra do individualismo. A liturgia só será eficaz, se engajar a comunidade neste processo, como fundamento e conseqüência da celebração. A fonte renovada da liturgia, sob a ação do Espírito Santo, vem dos pobres, das suas lutas, das suas experiências de Deus, dos seus compromissos com a solidariedade e dos seus sofrimentos.

b)  Desafio de uma perigosa tendência que centraliza a liturgia na pessoa do ministro ordenado, ou sacerdote e pede cautela para expressões tais como"comunidade celebrante" ou "assembléia celebrante". Por trás deste desafio está uma visão muito estreita do ministério ordenado, um medo infundado de perder o poder e uma concepção errada do verdadeiro sentido da assembléia como sujeito da ação litúrgica. É o desafio mais conflitivo no momento. A saída será um grande mutirão de informação e formação em todos os níveis sobre o significado de Igreja Povo de Deus, sobre o sentido de participação do povo sacerdotal e da teologia dos ministérios litúrgicos.

c) Desafios que vêm da visão angelical, desligada do mundo e da história, onde a participação nas celebrações litúrgicas é o momento de abstrair-se das lutas do dia-a-dia, transportando-se para uma realidade estérea e alucinante, totalmente contrária a natureza da liturgia. A celebração deverá recuperar a ligação da vida com a liturgia.

d) Desafios que vêm da visão que privilegia apenas a ótica da política ou do compromisso social. Sem dúvida, a liturgia é práxis, mas é também festa, gratuidade. Limitar a celebração a um protesto, a uma campanha de conscientização significa adulterá-la. Por isso a ação litúrgica cuidará de unir  verticalidade com horizontalidade na celebração, dando prioridade a dimensão orante, de modo que a assembléia se una a Deus e a Cristo e se sinta ungida assumir o compromisso profético de transformação das estruturas injustas.

e) Desafios que vêm da pouca forção teológica e a quase completa falta de iniciação aos ritos e ao sentido da celebração. gerando uma mentalidade rubricista, preocupada em assegurar a validade das ações rituais. Para conseguir a participação consciente e frutuosa dos participantes a liturgia terá que fundamentar teologicamente em que consiste a natureza da celebração cristã e, ao mesmo tempo, encontrar um jeito simples de celebrar com o povo, valorizando suas aspirações e investindo numa acolhida calorosa e no emprego de uma linguagem acessível. Os ritos fechados em si mesmos nada dizem. Devem estar relacionados em íntima conexão com o mistério celebrado. Aqui falta a verdadeira teologia do que seja uma celebração do mistério pascal de Cristo e sua relação profunda com o hoje da história das pessoas e das comunidades.

f) Desafios provenientes do descuido com a formação litúrgico-musical do clero, dos religiosos e demais agentes de pastoral. Em conseqüência, encontramos-nos diante de situações pastorais preocupantes, como por exemplo, o inadequado exercício do ministério litúrgico do canto nas "missas show" transmitidas por alguns canais de televisão, além da divulgação de produções musicais de baixa qualidade e quase sempre não condizentes com a natureza da liturgia.

g) Desafios que vem do uso indiscriminado dos meios de comunicação social pela liturgia. A espetacularização e mercantilização tendem a fazer das celebrações objeto de mercado e concorrência. O problema é muito sério. Os ritos não são feitos para serem assistidos, mas participados. Diferente da TV que produz espetáculos para serem assistidos, a ação ritual não se deixa assistir. É um evento que os atores fazem para si mesmos. O uso indiscriminado dos Meios de Comunicação (MCS) pela liturgia com certeza faz concessões ao sistema midiático provocando conflitos com a natureza das celebrações litúrgicas caracterizadas por um retorno ao devocionalismo, à transformação do presbitério em palco e da assembléia em plateia e do padre (celebrante) em animador de "show" ou de programa de auditório. Na relação mídia-liturgia, geralmente a mídia acaba sendo a que dita as regras do jogo, nem sempre consoantes com as regras da liturgia.

Fonte: D. Manoel João Francisco - Bispo de Chapecó       

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