terça-feira, 27 de agosto de 2019

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO - Entenda o que é e porque ela é nociva e condenada pela Igreja Católica




Muitos perguntam, o que é afinal, esta teologia da libertação?

Vou responder esta pergunta com a resposta que deu a ela a autoridade da Igreja Católica; o Cardeal Joseph Ratzinguer, escolhido pelo Papa João Paulo II, em 1981, para ser o Prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé; aquela que está encarregada de cuidar da “sã doutrina” (1Tm1,10; 4,6; Tt1,9; 2,1;2,7; 2Tm4,3), que com tanta ênfase São Paulo recomendava a Timóteo e a Tito. Hoje o então Cardeal Ratzinger é o Papa Bento XVI.

A teologia da libertação surgiu, mais especificamente, na América Latina, na década de 60, e ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base. A partir dos anos 80 pudemos sentir mais de perto a sua ação. Foi então que o Cardeal Ratzinguer, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos explico a teologia da libertação” (Revista PR,n. 276, set-out, 1984, pp354-365), onde deixou claro todo o seu perigo. Analisando este artigo, D.Estevão Bettencourt, afirma: “O autor  mostra  que a teologia da libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese, opções morais, etc.

Entre as afirmações, o então Cardeal Prefeito diz:

“A gravidade da teologia da libertação não é avaliada  de modo suficiente;  não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. (os grifos são meus)

“A teologia da libertação é uma nova versão do Cristianismo, segundo o racionalismo do teólogo protestante Rudolf Bultmann, e do marxismo, usando “a seu modo”, uma linguagem teológica e até dogmática, pertencente ao patrimônio da igreja, revestindo-se até de uma certa mística, para  disfarçar os seus erros”.

O então Cardeal foi muito claro ao afirmar o perigo:

“Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida”.

E o Cardeal vai explicando esta teologia “nova”:

“Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão do Cristianismo na sua totalidade. Por isso mesmo muda todas as formas da vida eclesial; a constituição eclesiástica, a Liturgia, a catequese, as opções morais…”

“A teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas, assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política”.

A libertação, para a teologia da libertação, é conquistada pela via política, e não pela Redenção de Jesus, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo1,29). Jesus veio para “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21), e disse  a Pilatos que “o seu Reino não é deste mundo”. O pecado, para a teologia da libertação, se resume quase que só no “pecado social”, mas este, não será “arrancado” com a conversão e com os Sacramentos da Igreja, mas com a “libertação” do povo, pela luta política. Daí o fato de haver um laxismo moral e espiritual em muitos adeptos dessa teologia. Muitos não valorizam a celebração da Missa, a não ser como uma “celebração de mobilização política” do povo oprimido. Não se valoriza suficientemente a oração, a Confissão, a Eucaristia, o santo Rosário, a adoração ao Santíssimo Sacramento, e a todas as práticas de espiritualidade tradicionais, que são, então, consideradas superadas e até alienantes.

Conheço várias jovens sacerdotes que se formaram em seminários fortemente influenciados pela teologia da libertação, e que hoje deixaram o sacerdócio, ficaram esvaziados espiritualmente… Noto que nem se realizaram no campo social e nem no campo religioso.

O então Cardeal Ratzinger mostrou que é difícil enfrentar esse perigo, pois, como afirma:

“Os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que leem e escutam, partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas…”

O então Cardeal mostrou a inversão que se faz no papel da comunidade, povo e história, para a vida da Igreja:

“A comunidade ‘interpreta’, com a sua ‘experiência’ os acontecimentos e encontra assim a sua práxis”.

” ‘Povo’ torna-se assim um conceito oposto ao de ‘hierarquia’ e antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão. Afinal, é ‘povo’, quem participa da ‘luta de classes’; a ‘ igreja popular’, acontece em oposição à  Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de ‘história’, torna-se instância hermenêutica decisiva,…a história é a autêntica revelação e, portanto, a verdadeira instância hermenêutica da  interpretação bíblica…Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação”.

Em seguida, o então Cardeal mostra a deturpação também naquilo que é essencial: o Reino de Deus.

“Esse conceito encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido porém no contexto da hermenêutica marxista. Segundo Jon Sobrino, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido de forma partidária e voltado para a práxis”.

Aqui se entende porque os adeptos da TL militam nos partidos políticos que visam a “libertação do povo”.

O Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, explicou o que é a verdadeira libertação:

“Acerca da libertação que a evangelização anuncia e se esforça por atuar, é necessário dizer antes o seguinte: ela não pode ser limitada à simples e restrita dimensão econômica, política, social e cultural; mas deve ter em vista o homem todo, integralmente, com todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o absoluto, mesmo o absoluto de Deus… Mais ainda: a Igreja tem a firme convicção de que toda a libertação temporal, toda a libertação política, mesmo que ela porventura se esforçasse por encontrar numa ou noutra página do Antigo ou do Novo Testamento a própria justificação,… encerra em si mesma o gérmen da sua própria negação e desvia-se do ideal que se propõe, por isso mesmo que as suas motivações profundas não são as da justiça na caridade, e porque o impulso que a arrasta não tem dimensão verdadeiramente espiritual e a sua última finalidade não é a salvação e a beatitude em Deus.”

“A libertação que a evangelização proclama e prepara é aquela mesma que o próprio Jesus Cristo anunciou e proporcionou aos homens pelo seu sacrifício.” (n.33)

Os adeptos da teologia da libertação têm a enganosa mania de pensar que quem não aceita esta teologia não trabalha pelos pobres e oprimidos e não se preocupa com eles; se acham os únicos defensores dos excluídos; é um grande erro. A Igreja em seus 2000 anos de vida sempre socorreu os desvalidos e ainda o faz, mas nunca precisou lançar mão de ideologias estranhas para isso; sempre agiu pelo puro amor a Jesus Cristo que sofre no doente, no preso, no faminto, etc. A Igreja não precisa que novos teólogos a ensinem a fazer caridade; ela a faz desde os Apóstolos, ela é “perita em humanidade”, como disse Paulo VI.

Hoje 25% das instituições que tratam dos aidéticos são da Igreja; em toda a História da Igreja os santos e santas viveram a verdadeira caridade; só para citar alguns: Santa Isabel da Hungria, S. Vicente de Paulo, S. Francisco de Assis, S. Camilo de Lelis, S. João Bosco, Madre Teresa de Calcutá, Ira. Dulce, e milhares de outros que nunca precisaram reinterpretar o Evangelho e politizar a fé com métodos marxistas de luta de classes, invasão de propriedades alheias fora,  da lei, etc., para promover os pobres. São os verdadeiros bons samaritanos do Evangelho.

O Papa João Paulo II ao menos por duas vezes, falando aos bispos do Brasil, condenou as invasões de terras:

1 – Ao segundo grupo de Bispos do Brasil, do Regional Sul l da CNBB, em visita “ad limina Apostolorum” de 13 a 28 de Março de 1996, o Papa disse:

“… mas recordo, igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que “nem a justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto” (RN, 55). A Igreja não pode estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades agrícolas.”

2 – Em discurso em 26/nov/2002 aos bispos do Brasil, ele voltou a dizer:

“Para alcançar a justiça social se requer muito mais do que a simples aplicação de esquemas ideológicos originados pela luta de classes como, por exemplo, através da invasão de terras – já reprovada na minha viagem pastoral em 1991 – e de edifícios públicos e privados, ou por não citar outros, a adoção de medidas técnicas extremas, que podem ter consequências bem mais graves do que a injustiça do que pretendiam resolver”.

Não podemos nos fazer de surdos a essas palavras. Concluo com  as sábias palavras de D. Estevão:

“O cristão não pode ser de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes”.

Resumo: O Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa emérito Bento XVI, quando Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu uma exposição sobre a Teologia da Libertação em sua forma extremada, em 18 de março de 1984. Partindo das respectivas premissas e realçando os conceitos característicos do sistema, o autor mostra que a Teologia da Libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação sócio-econômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, Catequese, opções morais, etc. É de crer que “a gravidade da Teologia da Libertação não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente”; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente “o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. É importante que o público esteja consciente de que a Teologia da Libertação não é a extensão das promessas do Cristianismo aos problemas morais suscitados pelas condições sócio-econômicas da América Latina, mas é uma nova versão do racionalismo de Rudolf Bultmann e do marxismo, que utiliza a linguagem dogmática e ascética do patrimônio antigo da fé e se reveste de aspectos de mística cristã. O Cardeal Joseph Ratzinger fez uma explanação do que é a Teologia da Libertação.

Tal documento é de notável importância, pois se deriva de um sábio teólogo encarregado, em Roma, precisamente da Congregação que acompanha a fé e os desvios da fé em nossos dias (D. Estêvão Bettencourt, osb Pergunte e Responderemos – Ano XXV – No 276 – 1984).

EU VOS EXPLICO A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Cardeal Joseph Ratzinger

Para esclarecer a minha tarefa e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações preliminares:

1. A teologia da libertação é um fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellín a Puebla.

¹O presente número já estava impresso quando foi publicado o documento da Santa Sé sobre a Teologia da Libertação. Será objeto de estudos no próximo número. Neste nosso texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.

2. Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar, isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?

3. A teologia da libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:

a) Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua totalidade. Por isto mesmo, muda todas as formas da vida eclesial: a constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;

b) A teologia da libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino-americano. Não se pode pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também norte-americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas Filipinas, em Taiwan, na África – embora nesta última esteja em primeiro plano a busca de uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da libertação;

c) A teologia da libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se apresentar com a pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem perder a sua importância.

Leia também: O que é a Teologia da Libertação?

Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 1)

Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 2)

Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 3)

I. O Conceito de Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese

Essas observações preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta, porém, a questão principal: o que é propriamente a teologia da libertação? Em uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política. “Nada resta fora do empenho político. Tudo existe com uma colocação política” (Gutierrez). Uma teologia que não seja “prática (o que significa dizer “essencialmente política”) é considerada “idealista” e condenada como irreal ou como veículo de conservação dos opressores no poder, Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em clave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas mas que, unidos a tanta religiosidade, não poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade da teologia da libertação faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente, A sua colocação, já de partida, situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de discussão. Por isto tentarei abordar a orientação fundamental da teologia da libertação em duas etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que permitem conhecer algo da estrutura da teologia da libertação. Como se chegou a esta orientação completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na teologia da libertação? Vejo principalmente três: fatores que a tornaram possível.

1. Após o Concílio, produziu-se uma situação teológica nova:

a) Surgiu a opinião de que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por conseguinte, se deviam procurar, o partir da Escritura e dos sinais dos tempos, orientações teológicas e espirituais totalmente novas;

b) A ideia de abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se freqüentemente em uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um novo evangelho, sem querer, reconhecer os seus limites e problemas próprios. A psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais contestáveis do pensamento cristão;

c) A critica da tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente o de Bultmann e da sua escola, tornou-se uma, instância teológica inamovível que barrou a estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando assim também novas construções.

2. A situação teológica assim transformada coincidiu com uma situação da historia espiritual também ela modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial, fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concilio, produziu-se no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta. Nesta situação, as diferentes formas do neo-marxismo transformaram-se em um impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as acentuações religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de Adorno, Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.

3. O desafio moral da pobreza e da opressão não se podia mais ignorar, no momento em que a Europa e a América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este desafio exigia evidentemente nova respostas, que não se podiam encontrar na tradição existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada convidava expressamente a buscar o resposta em um cristianismo que se deixasse regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das filosofias marxistas,

II. A Estrutura Gnoseológica Fundamental do Teologia do Libertação

Esta resposta se apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da libertação, teologia da evolução, teologia política, etc. Não pode, pois, ser apresentada globalmente, Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem continuamente nas diferentes variações e exprimem comuns intenções de fundo. Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma observação a cerca dos elementos estruturais do teologia da libertação. Paro tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada após o Concilio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola como um enunciado da “ciência” sobre Jesus, ciência que devia obviamente ser considerado como válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto, apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben, fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento, permanecendo. porém, encerrado no mundo do judaísmo. O resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como instância suprema. Deste modo, por um lado, a tradição pairava como algo de irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido, na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo tempo desautorizava-se o magistério da Igreja, na medida em que o consideravam preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados somente como definições frustadas de uma posição cientificamente superada.

Além disso, Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda palavra-chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica, conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão a ideia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através de uma mera interpretação histórica, mas toda interpretação histórica inclui certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo o terminologia clássica, se trata de uma “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele tempo”] e o “hoje”. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então (“naquele tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais algum interesse. Neste sentido Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas permaneceu a separação entre a figura de Jesus da tradição clássica e a ideia de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma nova hermenêutica.

A este ponto, surge o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico dos anos sessenta. A análise marxista da história e da sociedade foi considerada, nesse ínterim, a única dotada de caráter “científico”, isto significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso, que toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de partida para a confusão entre a imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado com a ideia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo como hermenêutica legítima para a compreensão da Bíblia. Ora, segundo essa compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; por isso, contradizer essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe dominante para conservar o próprio poder. Gutierrez afirma: “A luta de classes é um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente impossível”. A partir daí, torna-se impossível até a intervenção do magistério eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do Cristianismo demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na dialético da história, aliar-se-ia à parte negativo.

Essa decisão, aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível, determina por si o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quatro às instâncias interpretativas, seja quatro aos conteúdos interpretados. No que diz respeito as instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade, experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na Sua totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei) e a hierarquia (magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje tornou-se a “comunidade” tal instância. A vivência e as experiências da comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De novo pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto, a interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta ideia, podemos encontrá-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se transformou a acentuação conciliar da ideia de “povo de Deus” em mito marxista. As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se assim um conceito aposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão.

Afinal, é “povo” quem participa da “luta de classes”; a “igreja popular” acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se instância hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da salvação, e, portanto de maneira antimetafísica, permite a fusão do horizonte bíblico com a ideia marxista da história que procede dialeticamente como autêntica portadora de salvação. A história é a autêntica revelação e, portanto a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialético é apoiado, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última, no Magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim contradiz a “história”. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o seu papel absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a função de Deus.

III. Conceitos fundamentais da Teologia da Libertação

Com isto, chegamos aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo. Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematizá-los. Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com relação a fé, por exemplo, J. Sobrinho afirma: a experiência que Jesus tem de Deus é radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em fidelidade”. Por isso, Sobrinho substitui fundamentalmente a fé pela “fidelidade à história” (fidelidad a la historia, 143-144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o mistério da vida do homem … é realmente o último … (144). Aqui produz-se aquela fusão entre Deus e história que dá a Sobrinho a possibilidade de conservar para Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado; pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à análise dessa teologia, Ignacio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto, afirma: Sobrinho “diz de novo … que Jesus é Deus, acrescentando, porém, imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que se revela historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo…”

A esperança é interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo futuro; com isso elo é subordinado novamente ao predomínio da história das classes. “Amor” consiste na “opção pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os teólogos da libertação sublinham com força, diante do “falso universalismo”, a parcialidade e o cárater partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã, que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a interpretação da escolha partidária no sentido da luta de classes é um salto “eis allo genos” (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrárias se apresentam como idênticas.

O conceito fundamental da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito encontra-se também no centro das teologia da libertação, lido porém no contexto da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrinho, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma ideia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural, de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento desses dualismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se realize nesta história e em sua realidade político-econômica.

Mas justamente dessa forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o verdadeiro dualismo.

Neste contexto gostaria de mencionar também a interpretação, impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrinho dá da morte e da ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre a história é exercitado ao se repetir o gesto de Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de Deus e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneiro quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se desenvolveu e se desenvolve ainda.

Gostaria de citar apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez, é compreendida, no contexto da história e da luta de classes, como processo de libertação que avança; por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a verdade não deve ser compreendida em sentido metafísico; trata-se de “idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis. A ação é a verdade. Por conseguinte, também as ideias que se usam para ação, em última instância são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se, assim, a única e verdadeira ortodoxia. Desta forma, justifica-se um enorme afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação tradicional, que aparece como não científica. Com relação à tradição, atribui-se importância ao máximo rigor científico na linha de Bultmann. Mas os conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história, experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto de tal hermenêutica comunitária.

Quando se tenta fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender as opções fundamentais da teologia da libertação não pode negar que o conjunto contém uma lógica quase incontestável. Com as premissas da critica bíblica e da hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo imediato a tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento da transformação concreta do mundo, o que pareceria uni-lo a todas as forças progressistas da nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos, especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo. Subtrair-se a ela deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade, como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela.

À guisa de comentário, parece oportuno salientar os seguintes pontos:

1. A Teologia da Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades da fé, a constituição da Igreja, a Liturgia, a Catequética e as opções morais.

2. Todos os valores e toda a realidade são considerados do ponto de vista político. Uma teologia que não seja essencialmente política, é encarada como fator de conservação dos apressares no poder.

3. A dificuldade de se perceber esse caráter subversivo da Teologia da Libertação está, em grande parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações religiosas que não podem ser perigosas.

4. A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente.

5. O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação. Existe a Doutrina Social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes.


Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 1)

Introdução

A pavorosa miséria de irmãos nossos na América Latina, suscitou o nascimento (1960-1970) e o desenvolvimento da Teologia da Libertação, entre nós, uma espécie de “teologia política”, recebida com muito entusiasmo, paixão e até fanatismo por pessoas de boa vontade que julgam ter descoberto a verdadeira face do cristianismo, com o caminho da verdadeira redenção da humanidade.

Se a causa é justa, necessária e urgente, a estrada escolhida por muitos liberacionistas é perigosa e errada e até pode ser fatal para a fé cristã e a humanidade: é o teor do recente documento da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé sobre a Teologia da Libertação ( 06/08/1984 ) .

Na verdade, a paixão é frequentemente má conselheira. Não Bastante a reta intenção e a boa vontade empregadas na difusão e implantação da Teologia da Libertação radical e de verdades que contem e propugna, peca gravemente por um unilateralismo radical, tomando apenas uma dimensão do problema humano – o social e político – como a teologia do homem e da religião, o que não só se opõe à realidade e à verdade e, consequentemente à justiça, mas prejudica a solução do mesmo objetivo desejado, de conseguir a plena libertação dos pobres e da pobreza e pagando o alto preço de uma distorção fatal da fé cristã. Para esclarecer quanto dissemos, basta compulsar a história, mestra da vida. Ela registra numerosas religiões, denominações e seitas que fixando-se numa dimensão ou aspecto verdadeiro mas não único, da realidade ou, então, fixando-se numa aparente verdade, forjada. na ambiguidade, obtiveram, graças a um proselitismo bem organizado, porém, em campo de deficiente formação teológica, a adesão e o apoio de muitos, inclusive de bons católicos que, honestamente, depois, confessam não mais pertencer à Igreja Católica, porque renegaram a sua doutrina e autoridade, como pode suceder com alguns que sofreram a lavagem cerebral liberacionista.

Mas tomemos os fatos da história. Mesmo antes do cristianismo, o judaísmo professava verdades, como o puro monoteísmo (um só Deus), o livro sagrado (a Bíblia do Antigo Testamento), a esperança do Messias e da salvação. Mas apegou-se de tal forma ao Antigo Testamento e ao pacto de Deus com o povo de Israel, que não reconheceu Cristo como o Messias e o Novo Testamento, a ser pregado a todos os povos, como Aperfeiçoamento do Antigo Testamento. Nós católicos aceitamos o Antigo Testamento e a escolha do povo de Israel, como fatos verdadeiros, mas não únicos, porque foram uma preparação para a completa e mais perfeita revelação do Filho de Deus, feito homem.

É verdade, repetimos, que o Antigo Testamento é um livro sagrado, mas não é verdade que seja o único livro sagrado. É verdade que Israel foi o povo de Deus mas, depois de Cristo, Salvador da humanidade, não é mais o único povo de Deus.

É preciso portanto, não converter em verdade absoluta, aquilo que só o é parcialmente, porque nenhuma realidade puramente humana realiza o absoluto, que é Deus.

Exemplifiquemos. Se digo: “Antônio é um bom estudante” afirmo algo que pode ser verdadeiro. Quando, porém, avanço e digo: “Só Antônio é um bom estudante” faço uma restrição e excluo outros, o que pode ser falso.

No caso: a opção pelos pobres e mesmo a opção preferencial pelos pobres é uma afirmação verdadeira. Só a opção pelos pobres já é uma restrição ou exclusão.

Prossigamos na história. Os ortodoxos conservam doutrinas genuinamente cristãs mas as cristalizam de tal forma nos seus ritos e tradições que reduzem a Igreja às dimensões nacionais (restrição da catolicidade) e, consequentemente, assumem também uma coloração política.

As ideias da “fé” em Lutero, de “predestinação” para Calvino, tomadas em sentido diverso daquele da Bíblia, graças ao livre exame (releitura da Bíblia e restrição de conceito), fizeram nascer as denominações protestantes dos luteranos e calvinistas, com seus diversos matizes, introduzidos pelos seus sucessores.

O mesmo se diga das seitas. Tomam uma base bíblica, como “o batismo dos adultos” para os batistas, o “sábado” para os adventistas do sétimo dia, “o juízo final” para os testemunhas de Jeová e sobre essa base única constróem depois, até com uma regular lógica, os seus sistemas e crenças.

Mas todos eles não se julgam católicos. Ao contrário, se dizem anti-papistas, anti-católicos.

Não sucede o mesmo, porém, com os Teólogos da Libertação, mesmo daqueles que empregam os mesmos métodos de subversão das verdades reveladas. Primam em ser católicos, dos mais genuínos, e querem continuar a ser considerados católicos, filhos da verdadeira Igreja de Cristo.

Faz-se mister distinguir. Como os cogumelos, uns são bons e outros venenosos.

Quando defendem a libertação integral, colocando a raiz de todo o mal no pecado e exigem a conversão do coração para a edificação da sociedade justa, empregando o legítimo pluralismo teológico e baseando e na opção pelos pobres, mantém-se totalmente no campo católico. Pena quando, por razão de moda, empregam ambíguas, que seria melhor evitar.

São perigosos os que, mesmo propugnando uma justa libertação sócio-política da miséria e uma mais honrada pobreza, jogam toda a culpa do mal em algumas estruturas sociais e políticas e descarregam suas iras sobre o negregando pecado social dos outros. Recorrem a estratagemas e práticas ambíguas para justificar biblicamente sua tese que, na prática, para ser mais eficaz, descamba na análise marxista, que envenena toda a pretensa libertação.

Para tanto, a Teologia da Libertação faz mais sociologia e política do que teologia. A semelhança dos marxistas, erigem a economia como a norma suprema da humanidade e, assim, sacrificam na área da economia a teologia, que se despoja as sua veste espiritual para vestir o macacão proletário. Deve lutar, então, contra o capitalismo e deixando as armas da fé, assume aquelas do marxismo, que lhe quer tomar o lugar para erigir, em última análise, o capitalismo de Estado, ou melhor, da classe dominante, camuflada nas famosas e ilusórias “democracias populares ” .

Nosso grande jurista Sobral Pinto, que estudou, com seriedade, por mais de 50 anos, o marxismo, sentiu-se obrigado, em consciência, de levantar seu brado de fiel católico, impelido pelo canon 212 § 3 do Código de Direito Canônico (que vale, com maior razão para mim), para advertir que a Teologia da Libertação, que vigora entre nós, pretende desastrosamente enxertar o materialismo marxista na teologia espiritualista.

Pareceu-me, entretanto, útil para ajudar a discernir melhor a Teologia da Libertação redigir, em forma simples, concisa e popular, as verdades, os erros e os perigos da Teologia da Libertação, como a análise marxista, de que faia o já citado documento da Santa Sé.

Advertimos que não se pode deixar de reconhecer o vivo e sincero desejo de muitos liberacionistas de resolver o problema da miséria na América Latina, de uma forma atual e eficiente, quanto dizem, de acordo com o Concílio e a Conferência de Puebla. Mas não bastam a boa vontade e a reta intenção, principalmente quando aliadas à ingenuidade, para enfrentar e resolver todos os aspectos de uma realidade complexa.

Por isso mesmo o Concílio Vaticano II requer a interpretação dos “sinais dos tempos”, à luz do Evangelho. Porque o Evangelho é a revelação de Deus trazida à terra por Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem e transmitida à sua Igreja.Os problemas do homem, a sua dignidade, o seu destino, estão nas mãos de Deus, que criou o homem livre, para, da liberdade, fazer bom o meritório uso.

Veremos como para a Teologia da Libertação, em geral, não bastam a revelação de Deus e a experiência milenar da Igreja. Em virtude de um “aggiornamento” (atualização) mal compreendido, porque exagerado e exclusivo, quer inovar, trilhar novos caminhos, encontrar novas fontes de verdade, pois, em última análise, a experiência da Igreja, segundo os Teólogos da Libertação, teria fracassado na América Latina, por não ter resolvido o problema da miséria. É necessário, portanto, barganhar o Evangelho, ou melhor, seus métodos ou espírito, a luz do Palavra de Deus pelas ciências humanas.

Parece até que exageramos e pintamos um monstro para o combater mais facilmente. Oxalá estivéssemos sonhando e para melhor despertar à realidade, nesta exposição sumário, que não abrange nem aprofunda todos os aspectos da questão, vamos tratar dos seguintes pontos:

I – VERDADES:

1. Situação de miséria da América Latina e, concretamente, no Brasil.

2. A necessidade de uma teologia atualizada e correspondente à índole e cultura do povo.

3. Frutos da Teologia da Libertação.

4. Ambiguidades na Teologia da Libertação.

5. A instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre “Alguns aspectos da Teologia da Libertação”.

II – ERROS:

1. Pluralismo liberacionista e releitura da “opção pelos pobres” do Evangelho e de Puebla.

2. A polinização partidária das comunidades eclesiais de base.

3. A interpretação marxista da história e da religião.

4. A libertação no paraíso socialista.

III – PERIGOS:

1. Lavagem cerebral.

2. Abusos de linha pastoral muito difundida no Brasil.

3. Igreja Popular.

l  – VERDADES

1. Situação de miséria na América Latina e, concretamente no Brasil

É um espetáculo desolador e inquietante a miséria e à fome num continente superdotado de possibilidades e recursos naturais, como é a América Latina. Em se tratando, então, do Brasil, país privilegiado, com terras férteis e abundantes, a miséria e a fome não deviam existir.

Faltam homens dirigentes que, bem formados, saibam desfrutar dos recursos naturais em favor do bem comum, enquanto outros governantes ou elementos à eles associados se locupletam à forra, espezinhando direitos e aspirações legítimas dos subalternos e subordinados.

Há, portanto, sem nenhuma divida, estruturas injustas que devem ser reparadas, tanto no campo nacional como no internacional de relações com nações mais desenvolvidas economicamente e ricas e que fazem sentir o peso do capitalismo desenfreado na sociedade latino-americana.teologia

Vê-se logo que é mais uma questão de educação, que para nós é evangelização (no qual se deve empenhar seriamente a Igreja ), do que de guerrilhas ou revolução.

Para a evangelização são eloquentes os ensinamentos e orientações da Doutrina Social da Igreja, que tem por finalidade a implantação da justiça social, da liberdade e dignidade da pessoa humana, por meios evangélicos. Insistentemente os Papas clamam em favor dos oprimidos e reclamam uma ordem mais justa e estabeleceram e aprovaram não só inúmeras obras de beneficência, mais um dicastério dedicado à “Justiça e Paz”.

Francamente não agrada aos liberacionistas essa doutrina, que apodam de reformismo. Fixam seus objetivos de luta e reivindicações contra o detestável “pecado social” que oprime os mais pobres e deserdados. Não insistem na atuação decisiva do pecado pessoal, que existe tanto nos dirigentes que abusam do seu poder mas também nos subalternos, quando com saúde e trabalhando, não produzem mais e melhor e não sabem ou não procuram economizar.

Evidentemente condições climatéricas (muito calor) podem não estimular o trabalho e esses fatores se verificam em todas as nações, embora o elemento local esteja mais habilitado a vencer esses rigores da região.

É impressionante, porém, examinar a história dos imigrantes em nossos países e religiões. Chegaram quase todos em situação de miséria e se deram generosa e heroicamente ao trabalho, fazendo também não pequenas economias… e hoje é quase impossível encontrar um descendente de imigrantes na miséria… Nem tudo, portanto, depende unicamente das estruturas públicas.

Há situações extraordinárias de seca, inundações ou de outras calamidades (guerrilha) que podem favorecer a miséria ou a fome. Doloroso é o desemprego, hoje tão grave problema para todos os povos, principalmente quando se abandonam os campos pela cidade.

Mas também existem, é mister dizê-lo, em alguns a indolência, o abandono das terras, o alcoolismo, gastos imprevidentes e exagerados, como de moradores de favelas que dispendem fartamente no Carnaval.

É fácil atribuir a culpa de todo o mal às  estruturas injustas e pecaminosas. Também lá, como na vida individual, a raiz de todos os males é o pecado.

O pecado introduziu o mal no mundo e o mantém. Atacar essa raiz, com a formação e a prática da vida cristã e favorecer a virtude, é o objetivo de uma teologia da Libertação ideal ( possível e legítima), inspirada nos Evangelhos e digna de aplausos. Assim mesmo, tal Teologia seria apenas uma parte da Doutrina Social da Igreja e não, como é concebida em nosso meio, como a Teologia que abarca e interpreta toda a religião.

O discurso de João Paulo II, em Puebla, traçou as coordenadas da Teologia da Libertação autêntica: verdade sobre a igreja, verdade sobre Jesus Cristo e verdade sobre o homem. Nessa perspectiva a opção preferencial pelos pobres recebe seu verdadeiro significado, que é evangélico e se mostra plenamente justificado. Implantar a “civilização do amor”, tão reclamada por Paulo VI e João Paulo II, é a única Teologia de Libertação louvável.Infelizmente não é esse, porém, o tipo de Teologia de Libertação comumente difundido na América Latina e no Brasil.

Rejeita, em ultima análise, a Doutrina Social da Igreja porque a julga teórética ideologicamente (teologicamente contra o capitalismo, mas na prática, reforça o sistema dominante) e praticamente não eficiente e por isso, mesmo quando alguém não a considera erronea, é insuficiente e deve ser enriquecida pela Teologia da Libertação, com métodos mais modernos, eficazes e científicos, que são os da análise marxista.

É justa, repetimos, necessária e louvável a defesa dos pobres, não só sociologicamente como religiosamente, mas o modo de agir da Teologia da Libertação não é evangélico, porque o amor ao próximo é a suprema norma social do Evangelho, que se aceita por convicção e não por imposição. O processo evangélico será muito mais lento, mas é mais humano e definitivo; como o operado no mundo pagão e bárbaro.

2. A necessidade de uma teologia atualizada e correspondente à índole e cultura do povo

O Concílio Vaticano II foi desejado por João XXIII e confirmado por Paulo VI, mantendo a fidelidade ao sacro patrimônio da verdade revelada, para enfrentar as novas condições e formas de vida, introduzidas no mundo hodierno.

Era o famoso “aggiornamento” (atualização), querido por João XXIII e a “inculturação”, auspiciada por Paulo VI, afim de apresentar aos povos de uma forma acentuadamente pastoral a doutrina da Igreja.

Fazia-se também um apelo à iniciativa dos teólogos para encontrar expressões mais adequadas para a vivência cristã nos nossos dias.

Respondeu séria e corajosamente a esse desafio o Conselho Episcopal Latino-Americano na Conferência Geral do Episcopado em Puebla, no México, tendo baseado seus estudos numa ampla rede de consultas e estudos de toda a Igreja na América LatinaÉ curioso como os Teólogos da Libertação procuraram boicotar Puebla. Diziam que Puebla não era “el puebio”. Mas realmente, em Puebla, falava “el pueblo de Dios”.

Organizaram, durante a Assembleia, uma Conferência paralela (anti-Puebla), da qual participaram alguns membros também do Episcopado e, curiosamente, agora, fundamentando-se em apenas algumas expressões da Conferência de Puebla, em releitura pré-fabricada, se julgam os verdadeiros protagonistas e executores de Puebla.

Para gáudio dos libertacionistas, puderam depois cantar vitória da aplicação concreta de suas ideias em Nicarágua, com os sandinistas e ministros sacerdotes e a Igreja Popular.

“Aggiornamento” da Igreja não significa uma mudança radical, mas o viver o dia atual da Igreja, fundada por Jesus Cristo e que deve atravessar os séculos, imutável na doutrina revelada, assistida pelo Espírito Santo, mas com os pés na terra, tanto quando caminha na praia, como nas montanhas ou no asfalto. É a mesma Igreja, peregrina neste mundo, que se faz viva e salvífica, adaptando-se, sem deixar de ser o que é, às circunstâncias do tempo. e do lugar.

Atualização, portanto, deve ser também inculturação, isto é, com capacidade de transmitir a – mensagem salvadora de Cristo aos diversos povos, encontrando as expressões mais adequadas para ser compreendida melhor pelos homens, que vivem em situações e ambientes os mais diversos.

Atualização e inculturação da Igreja foram interpretadas por alguns teólogos, como uma libertação da teologia tradicional para adotar, sem restrições, fórmulas novas de maior abertura cristã para o mundo e seu empenho sobre as realidades terrestres com uso das ciências humanas (psicologia, pedagogia, interpretação marxista da história etc. Assim promoveram uma revolução destruindo o passado, considerado superado, e fabricando formas modernas, alheias à teologia, e, portanto, reclamam uma nova interpretação do Evangelho de Cristo,

Nós católicos, porém, cremos na divindade de Cristo, na sua verdadeira e definitiva revelação pública, e não podemos, por conseguinte, aceitar nem as interpretações do Alcorão nem as de Marx, embora se apresentem como as mais eficazes e atualizadas,

Mesmo quando não se rejeita o passado e se julga aperfeiçoar o patrimônio cultural e artístico, é de mal gosto, fazê-lo, desfigurando suas mais belas expressões, como se para melhorar uma pintura clássica se usassem rabiscos e borrões de arte moderna.

Se esta aplicação de atualização e inculturação é errônea e desastrada para uma arte, com maior razão o será para a Igreja, que não é invenção nem obra de homens, mas de Deus, criador e Redentor,

3. Frutos de Teologia da Libertação

Não sei como se possa, honestamente, negar a existência da árvore da Teologia da Libertação, na sua espécie mais agreste, rude, azeda e radical, quando seus frutos aparecem já abundantes aos nossos olhos, ao menos no Brasil.

Acenamos aqui apenas a alguns desses produtos, pois haveria muitos outros em relação à liturgia, à vida religiosa, etc.

A decadência da teologia, depreciada em sociologia e política, o vazio da espiritualidade e a militância social e política, os anseios dos futuros sacerdotes manifestados agressivamente tanto nas universidades como até nos convites para a ordenação, a indisponibilidade para o apostolado cultural e das elites, a verdadeira lavagem cerebral de seminaristas (não todos felizmente, pois seus bispos sabem preservá-los) em certos Seminários ou comunidades do Brasil, saltam à vista de quem quer ver. O que se pode esperar desses futuros e pobres sacerdotes, munidos apenas com essa “teologia da enxada”, que não tem nem sequer a exposição sistemática e orgânica da nossa fé? Pregações sólidas e doutrinárias? Já escasseiam tais práticas em igreja onde a constante é a reivindicação amarga e irritante da ordem e justiça social em moldes socialistas, como se nosso povo não tivesse o direito de saciar sua “fome e sede de Deus” com a Palavra de Deus no culto sagrado, que não se deve confundir e conculcar com comícios despropositados e impertinentes. E depois, esses que negam o pão do Evangelho aos fiéis, não reconhecendo sua falta de responsabilidade, vão acusar outros organismos ou países como responsáveis e promotores da invasão e crescimento assustador das seitas e de outras formas de religião.

Cardeal Agnelo Rossi 19-03-1985
Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 2)
Teología-da-libertação Frutos da Teologia da Libertação,  são os jornais, revistas e editoras católicas, que só martelam monotonamente a mesma tecla reivindicativa, com satisfação de políticos esquerdizantes e silenciam até a palavra do Papa, quando esclarece os desvios e erros da Teologia da Libertação.

Está igualmente em marcha o processo de burla, descrédito, marginalização de elementos respeitáveis do clero, fiéis à Igreja e ao Santo Padre, julgando-os conservadores, retrógrados e superados.

Cresce o sentimento anti-romano, anti-papal, anti-Igreja institucional, de rebeldia à autoridade constituída, quando segue outra linha pastoral.

É óbvio, portanto, que tais frutos denunciam a existência da Teologia da Libertação radical no Brasil.

Um fruto genuíno da Teologia da Libertação é a publicação da História da Igreja na América Latina pela CEHILA (Comissão de História Eclesiástica para a América Latina), dirigida por Henrique Dussel. Não é história mas hipótese de história, pré-fabricada no materialismo histórico, nos moldes “acríticos e acientíficos” da luta de classe. Faz pena ver como essa história destrói a própria história, como o demonstrou exuberantemente Américo Jacobina Lecombe em “A Obra Histórica do Pe. Hoornaert”, no que se refere ao Brasil.

Também muitos liberacionistas, em nome da teologia., destróem a teologia. Em última análise, para muitos, Teologia da Libertação é a libertação da teologia. Podem responder-me que realmente é a libertação da teologia tradicional. Eles, na verdade, têm um conceito próprio da teologia, que seria a reflexão crítica da práxis (modo de proceder), porque, no dizer de Marx, “O fundamento da crítica religiosa é este: o homem faz a religião, não é a religião que faz o homem” e a Teologia da Libertação oferece às comunidades eclesiais de base este poder criador de religião e de Igreja.

4. Ambiguidades da Teologia da Libertação

Pescar em águas turvas é tática da Teologia da Libertação, graças às ambiguidades empregadas tanto na “opção pelos pobres” como nas “comunidades eclesiais de base”. A genuína “opção pelos pobres” e as verdadeiras “comunidades eclesiais de base” estão no coração da Igreja, mas de forma muito diversa daquela empregada pela Teologia da Libertação.

Por isso, quando se rejeita essa releitura facciosa, os liberacionistas nos apodam de inimigos dos pobres, da democracia e do povo oprimido, quando não nos apontam como fautores e aliados dos capitalistas e dos Estados Unidos.

A ambigüidade é útil para os prestidigitadores e exploradores, não, porém, para os doutrinadores, que, como ensina o Evangelho, devem evitar a confusão, afirmando, negando ou distinguindo.

O ataque feito à Escolástica de Santo Tomás de Aquino, começa porque o Santo Doutor da Igreja exigia, antes de tratar qualquer questão, a definição dos termos, sua delimitação e clareza e em que sentido eram tomados.Nunca a clareza e exatidão das expressões fizeram mal aos bons e são exigidas para a promoção da justiça.

Usar de ambiguidades e subterfúgios e, por vezes, até de mentiras, não oferece nenhuma garantia de credibilidade. O homem honesto não as aceita.

5. A instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé

Quem conhece a paciência, discreção e modo de proceder da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (inglória tarefa de alguns, que por isso mesmo se identificam, tem sido difundir dela uma caricatura) dirá que não agiu em vão, mal informada ou desatentamente com sua intervenção sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação.

Como é usual na Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o documento foi precedido por um estudo sério, sereno, prolongado, com assessoria de peritos de diversas partes do mundo. Se uma crítica se pode fazer ao documento é que tal esclarecimento dado, há anos atrás, teria nos aliviado de não poucas calamidades.

Não é possível, portanto, conceber razoavelmente tal documento sem provas abundantes da existência de uma Teologia da Libertação radical, existente na América Latina, incluindo naturalmente o Brasil, não obstante declarações em contrário de alguns prelados locais, que se confessam testemunhas oculares autênticas, sempre atentos sobre os acontecimentos religiosos.

O autorizado documento da Sagrada Congregação, para a Doutrina da Fé, é muito claro e explicito e é uma séria advertência para toda a Igreja na América Latina. Foi acompanhado de um resumo para ser divulgado, para que também a imprensa leiga tivesse dele uma ideia geral. Com o pretexto de que o documento era muito longo, não teve divulgação na imprensa católica e se omitiu de dar maior publicidade ao resumo, justamente porque a tal Teologia da Libertação, recriminada não existiria simplesmente no Brasil. Bastaria dizer ao povo que aguardava o pronunciamento da Santa Sé, que depois de todo o reboliço, o documento apoiava a “opção pelos pobres” e, portanto, não atingia a Teologia difundida, entre nós, porque não precisamos dessa análise marxista (moinho de vento sonhado pelo Cardeal Ratzinger e o Papa iria corrigir a “gaffe” feita pelo antigo Santo Ofício. Em todo o caso, o Papa seria liberacionista (aprendendo, como aluno, dos nossos mestres liberacionistas) e o Cardeal Ratzinger um conservador intransigente, desde que veio para Roma. Seria, portanto, melhor não tomar conhecimento desse documento e esperar o outro prometido, verdadeiramente positivo, sem a malfadada crítica de “alguns aspectos da Teologia da Libertação”.

Hoje esta explicação (escapatória de quem ignora a possibilidade de uma publicação da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sem explícita aprovação ao Santo Padre) não tem mais sentido algum, após os pronunciamentos explícitos do Santo Padre, tanto em Roma (alocução aos cardeais no fim de 1984 e aos bispos do Peru) como em suas recentes viagens a países da América Latina… que, porém, são censurados não pelo Governo mas por liberacionistas da Igreja.

Apesar de negado o valor do documento, já produziu alguns frutos como a declaração dos bispos do Peru e a atenção que lhe deve dar a próxima Plenária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Mas já é algo a recomendação do Presidente da CNBB de deixar aos leigos o campo político e cuidar o clero da formação religiosa integral dos mesmos leigos.

Será útil recordar algumas orientações finais do documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no Capítulo XI.

Faz um apelo à fidelidade na tarefa primordial da Igreja, à evangelização e consequente promoção humana, a ser realizada em comunhão com os Bispos e a Igreja. Convida os teólogos a colaborarem lealmente com espírito de diálogo com o Magistério da Igreja e recebam sua palavra com respeito.

A promoção humana e a autêntica libertação devem ser compreendidas a partir de uma evangelização integral, em uma Igreja dos pobres, num sentido universal e não de uma classe ou casta.

A verdade sobre o homem, a luta pelos direitos humanos deve ser realizada com meios adequados à dignidade humana, rejeitando toda e qualquer espécie de violência e tendo em conta que a injustiça tem sua raiz no coração dos homens. Então se deve recorrer às capacidades éticas da pessoa para a sua conversão. É ilusão mortal aceitar que o “homem novo” nasça com a mudança de estrutura, pior ainda quando feita pela violência revolucionária, pois são conhecidas as escravidões gerais dos regimes totalitários.

Deve-se libertar do mito da luta de classes como salvadora.

O resumo da instrução distingue entre a legítima aspiração dos povos pobres a condições de vida econômica, social e política, que estejam conformes à dignidade humana (sinal dos tempos característicos de nossa época) que envolve uma grave responsabilidade de todos para esta conquista da justiça social. As expressões dadas a essa aspiração, são legítimas àquelas que rejeitam a pecaminosa indiferença diante dos dramáticos problemas da pobreza, miséria e injustiça de que são vítimas Nossos irmãos e que reprovam quantos contribuem para a manutenção da miséria dos povos. Tal foi, em última análise, a posição de Puebla.

Outras expressões são ambíguas, enquanto outras representam um grave perigo para a fé, à vida teologal e a moral dos cristãos.

A Teologia da Libertação abrange todas estas formas diversas e é apresentada em livros, folhetos, artigos e pregações e, por isso, a Sagrada Congregação para a Defesa da Fé não cita nenhum nome de liberacionista para que os outros não citados tenham o pretexto de afirmar que o documento não lhes diz respeito.

Após a exposição bíblica do tema da libertação e da genuína Teologia da Libertação, o documento afronta a questão dos que apresentam uma forma de Teologia da Libertação gravemente desviada, com erros prejudiciais à fé. É sobre esta específica Teologia da Libertação que o documento da Santa Sé adverte alguns aspectos, sobretudo o emprego da “análise marxista” mesmo com as diversas tendências atuais do marxismo, como totalmente contrária aos princípios evangélicos.

II – ERROS

1. Pluralismo liberacionista e releitura da “opção pelos pobres” do Evangelho e de Puebla

O pluralismo teológico e a releitura bíblica e dos pronunciamentos do Magistério são exigências liberacionistas.

O pluralismo serve de passaporte para entrar no campo teológico (é sinal verde que estimula a pesquisa teológica) e a releitura o redimensiona, na medida dos olhos e dos desejos do “teólogo”. O pluralismo teológico teria sido ensinado pelo Concílio e a releitura ou reintegração parece mais uma reedição do livre exame protestante.Mas a alfândega pluralista. liberacionista não só é contraditória, mas dura e totalitária com o parceiro adversário, impedindo-lhe, em nome do mesmo pluralismo, de divulgar seus escritos, fechando-lhe até as portas das editoras católicas afim de que a Teologia da Libertação possa tranquilamente e exclusivamente dominar o campo reservado às discussões teológicas. Algo semelhante ocorre com os comunistas, os mestres da análise marxista: antes de assumir o poder exaltam e exasperam a oposição ao Governo, mas, quando no poder, fazem silenciar as oposições ao Governo, até com processos dignos da máfia.

Com o campo livre, será fácil ao liberacionista impingir sua leitura da Sagrada Escritura e dos documentos do Magistério e impor a sua “linha pastoral”, que deve ser seguida.teologia

O Concílio trata do pluralismo político que a filosofia social e a sociologia indicam como multíplice e livre expressão de formas sociais, às quais o Estado reconhece uma autonomia em ordem a uma contribuição para o bem comum. Os direitos e deveres das pessoas, família e grupos devem ser reconhecidos, respeitados e promovidos.

Numa sociedade pluralista se deve garantir a liberdade da Igreja na comunidade política, distinguindo-se sempre as ações dos fiéis, indivíduos ou grupos, como cidadãos, guiados pela consciência cristã as suas ações em nome da Igreja.

Em última análise, nem o Estado nem a Igreja podem ser supremos, pois só Deus o é, mas os seus membros são criaturas e podem contribuir para melhorar a situação da comunidade, respeitando sempre os direitos inalienáveis e supremos de Deus.

Um exemplo banal pode facilitar a compreensão desse pluralismo. Diz o provérbio popular: “Todos os caminhos conduzem à Roma”. Outrora, chegava-se à Roma a pé, a cavalo, em carruagem e até de barco. Mas normalmente não se vinha de muito longe. Com o progresso de comunicações, hoje, pode-se chegar de distantes regiões, de carro, de trem ou de avião. Seria inconcebível e injusto limitar a liberdade de locomoção, da escolha de estradas e meios disponíveis para se chegar a Roma. Mas a finalidade deve ser respeitada por todos: chegar a Roma e não a Washington ou Moscou. Quem, devendo acompanhar alguém a Roma e o conduz a outra parte, errou o caminho, ou por incompetência ou por maldade.

O pluralismo das escolas teológicas pode tomar diversos caminhos mas deve conduzir à reafirmação da fé católica,

O ponto de partida liberacionista, afirma-se solenemente, é a “opção preferencial pelos pobres”. Desde seu nascedouro é a opção pelos pobres tradicional na Igreja e, para a América Latina, foi reafirmada por Puebla, que lhe dá prioridade na ação pastoral na América Latina, juntamente com o problema da juventude. Essa opção preferencial pelos pobres é absolutamente normal, de sentido evangélico e eclesial, reclama um maior empenho conjunto do Episcopado latino-americano para uma educação e orientação dos fiéis para com os irmãos não só menos favorecidos economicamente, como os mais necessitados espiritualmente.

“Pobre em espírito” ou “pobre no coração” proclamado bem-aventurado pelo Senhor é aquela pessoa desapegada dos bens materiais, tanto seja sociologicamente pobre como rica dos bens materiais, ainda que, normalmente será mais fácil ao pobre conformar-se com seu pouco que ao rico desapegar-se do seu muito. Como o Senhor é Salvador de todos os homens – pobres e ricos – quer velos unidos no seu amor e entre si, como irmãos, filhos do mesmo Pai celestial. Por isso amou pobres e ricos.

Então, nunca a “opção preferencial pelos pobres” pode tornar-se “opção exclusiva pelos pobres”. A primeira é afirmação verdadeira, a segunda é exclusão injusta e falsa.

Os liberacionistas tomam, porém, os pobres no sentido classista, como os oprimidos que, segundo Marx, formariam o proletariado. Tomam um avião sequestrado.

Segundo a tese marxista (e assim entramos, já na análise marxista) a história se reduz à luta de classes: dos opressores contra os oprimidos. E chegou a hora dos oprimidos proclamar a sua libertação donde o grito de combate: “Proletárias de tudo o mundo, uni-vos!”.

É, sem dúvida, fascinante aos olhos de jovens inexperientes, impetuosos, desejosos de realizar a justiça social, entrar nessa luta, ao lado dos oprimidos. Respeitemos e apreciemos o seu entusiasmo pelo ideal da justiça social, mas peçamos que empreguem sua inteligência e espírito crítico para não embarcar numa empresa ilusória e falsa. Sirva-lhes de aviso, o sinal que estão deixando o caminho de Cristo, que é de amor, compreensão fraterna, caminho mais longo, mas baseado na persuasão, no diálogo, no respeito à dignidade humana.

Não foi com violência, não foi distilando aversão, luta ou ódio entre as classes, não foi com revolução, que Cristo, seus Apóstolos e a sua Igreja, lograram a abolição da escravidão, mostrando como o escravo é nosso irmão em Cristo.

Embarcando num avião sequestrado pela análise marxista, há o perigo comprovado pela história repetidamente, apesar de todas as promessas de libertação, de aterrissar numa ditadura do proletariado que é realmente ditadura sobre o proletariado, ou como está em voga agora, numa “democracia popular”, paraíso terrestre, onde os liberacionistas preferem não viver.

Em todo o caso, a base bíblica da “opção pelos pobres”, encarecida por Puebla, na releitura liberacionista, de cunho marxista, é areia movediça sobre a qual não se pode construir sólida e tranquilamente, o edifício de uma Sociedade justa e feliz.

2. A polinização partidária das comunidades eclesiais de base

As comunidades eclesiais de base que atuam nos diversos ambientes e lugares, com espírito de evangelização e, portanto, em união com os seus legítimos pastores, são uma bênção extraordinária para a Igreja em regiões, como a nossa do Brasil, ou em especiais circunstâncias para atender religiosa e espiritualmente o povo de Deus.

Mesmo, antes do Concílio Vaticano II fui um dos pioneiros, em âmbito diocesano, na Diocese de Barra do Piraí, a introduzir essas comunidades, ainda muito rudimentares mas ricas de religiosidade e de catequese popular, deixando organizadas cerca de 570 desses núcleos, com grande eficiência pastoral.

O erro começa quando se faz política partidária nessas comunidades eclesiais de base. A formação política dos leigos é necessária, segundo a fórmula “política do bem comum, fora e acima das competições partidárias” e, nesse sentido foram impressas Cartilhas Políticas. Mas. algumas delas pretendem formar uma classe social em luta contra as instituições civis e até eclesiásticas. Suscita a base, a rebelar-se contra a cúpula, apoiando partidos que endossam a luta de classes. Passam assim as comunidades eclesiais de base a ser uma mina prolífera de ação partidária, representando “o povo” no engajamento sócio-político.

São tão exaltadas algumas comunidades eclesiais de base que se julgam novas fontes de revelação e de inspiração, como as mais genuínas para mostrar concretamente a encarnação da Igreja na realidade do povo sofrido e angustiado. Dentro do clima de luta, não admira que lhes falem homens sem fé e até contra ela, em nome da Igreja, como lobos em pele de ovelhas. É de admirar, porém, o açanhamento de clérigos nessa tarefa.

Em torno deste tema toma pé a “Igreja Popular”, criada pelo “povo” ou comunidades eclesiais de base, contaminadas pela luta de classes, em oposição à Igreja da cúpula dominante, a tradicional Igreja.

Consequência lógica é o ataque e o combate à autoridade, como opressora ou aliada à opressão, opondo-se assim contra a Cúria Romana e ao mesmo Papa. Amanhã a oposição será contra o Bispo e o Pároco. Segundo os liberacionistas, as comunidades eclesiais de basesão a fonte da democracia, pois tudo ali se procede democraticamente. Assim o pensam e o dizem, mas na realidade, nela atuam os líderes e os meios de desinformação.

3. A interpretação marxista da história e da religião

Procuremos explicar brevemente o que significa a análise marxista, exatamente condenada pelo documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, indicando como atua na história e na religião.

Os liberacionistas nos dizem que tomam elementos da análise marxista como um método, sem endossar a ideologia marxista. Não podemos acreditar na sinceridade de seus propósitos, quando não dispõem de capacidade intelectual para avaliar as consequências dessa análise, trinada acriticamente como ” científica ” .

A análise marxista reduz toda a história à luta de classe. Os liberacionistas, baseados no valor “científico” da análise marxista, sustentam que ela tem os elementos úteis e eficazes para eliminar a injustiça social e que o uso desses elementos é uma conquista do progresso e, repetimos, não implica necessariamente na aceitação da ideologia marxista, que eles mesmos condenam, porque visceralmente ateia.

Outros negam simplesmente o uso da analise marxista, pois dela não temos necessidade, os católicos, que podem usar o método jocista de Cardjin: “ver, julgar, agir”, esquecendo-se que esses três momentos na Ação Católica se faziam à luz do Evangelho.

Segundo a análise marxista, a dialética da história da humanidade, essencialmente luta de classes, conduz à vitória do socialismo: a ordem ideal da sociedade e da economia. A Teologia da Libertação crê efetivamente numa perfeita sociedade, para o futuro, mas é muito vaga sobre essa futura sociedade socialista, pois não pode ignorar o fato evidente que o marxismo, por toda a parte onde lutou e conseguiu o poder, não conduziu à libertação do homem, mas sim à supressão de sua liberdade.

O Papa, na sua encíclica sobre o trabalho humano, afirma que um capitalismo primitivo que maneja o homem como instrumento do capital, é contrário à dignidade humana, mas também o coletivismo marxista, que tem a totalidade da economia, controla o poder político, militar, cultural e propagandístico. A liberdade dos homens de trabalho está melhor garantida em uma ordem econômica com milhões de patrões e sindicatos livres do que num sistema em que o Estado é o único patrão e os sindicatos são instrumentos do Estado.

Interessa-nos mais mostrar os efeitos da análise marxista na religião.

A Teologia da Libertação dando à economia um caráter decisivo na sociedade, trilhando a análise marxista, ameaça limitar unilateralmente, com a dimensão econômica, a história e a atividade da Igreja, como uma opção política, errada no passado e no presente, que estaria sempre ao lado dos opressores mas deve redimir-se e assumir, quando necessário, a mesma revolução na luta pela libertação da opressão, pois aí se encama o “amor universal”.

Teria sido revolucionária a Igreja, já no seu fundador, Jesus Cristo, considerado perigoso e subversivo por Pôncio Pilatos, mas, desde o período constantiniano, unindo-se ao poder e aos poderosos, tornou-se cúmplice da exploração.

Só com a reforma das estruturas e o engajamento sócio-político, a Igreja se tornará libertadora. As violências não são ideais, mas se for preciso “matar por amor”, devemos recorrer à força quando nos falta outro caminho. Exatamente aqui está um grande erro: o caminho da violência, da luta, do ódio não é, nem pode ser, o caminho de Cristo: único caminho, verdade e vida.

Para justificar suas posições, a Teologia da Libertação precisa reformar o cristianismo. As consequências normais da Teologia da
Libertação no cristianismo são principalmente as seguintes:

1. Parte-se da suposição, admitida sem nenhum espírito crítico de conformidade ou não com a realidade, como verdade científica que toda à história da humanidade deve ser interpretada como luta de classe, dos opressores contra os oprimidos. E que os oprimidos, despertados e sacudidos por esta injustiça social, se devem libertar.

É evidentemente um exagero: a economia fortemente influi na história, mas não a decide. O cristianismo não pregou a luta de classes, mas Cristo encareceu a fraternidade e o amor entre os homens. A maior transformação social, operada na humanidade, se deve exatamente ao cristianismo. Cristo, em outras palavras, não foi um revolucionário libertador dos pobres e escravos, mas o Salvador de todos os homens, de qualquer situação social ou econômica. Não armou os escravos contra os senhores, mas ensinou que o escravo é nosso irmão, não só com a dignidade humana mas até mesmo como filho adotivo de Deus.

Um exemplo desastroso dessa análise marxista da história da Igreja nos é dado pela CEHILA, na História da Igreja na América Latina, como já nos referimos. Há evidente má vontade em distorcer os latos e as personalidades e ignorância supina de nossas tradições religiosas. Assim a Igreja no Brasil teria sido a opressora dos pobres, enquanto, em homenagem ao ecumenismo, os invasores protestantes holandeses e franceses teriam sido os heróis da libertação da nossa Pátria.

Recordemos ainda que a pessoa de Cristo liberacionista lhe tira a auréola de Filho de Deus feito homem
e o considera um  simples homem, como o “tal Jesus”, fabricado nos moldes secularizantes da Teologia da Libertação. Quando denunciei este programa radiofônico, endereçado às comunidades eclesiais de base, fui taxado de exagerado e até de visionário.

2. Claramente essa concepção da história e da realidade presente se projeta não só em Cristo mas também na própria Igreja, dividindo-a em Igreja dos pobres (Igreja Popular, tipicamente classista) e Igreja dos ricos (a Igreja institucional que se compromete com os ricos para exercer um paternalismo com os pobres).

Leva à divisão na Igreja, exigindo uma nova linha pastoral que combate não só os ricos, inimigos da classe proletária, mas se opõe às próprias exigências da autoridade eclesiástica que não concorda com a tese liberacionista.


Verdades, erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 3)
teología-da-libertaçãoVale, assim, a palavra do Papa, quando fala de “opção preferencial dos pobres”, não vale, porém, e deve ser boicotada quando não valoriza o “pecado social” das estruturas, quando denuncia erros e abusos da Teologia da Libertação radical…

3. A Igreja dos pobres é tipicamente classista: é a Igreja Popular, baseada nas comunidades de base, que representam o povo oprimido, que por ser eficiente instrumento de libertação, deve ser a voz da justiça e da verdade, interpretando desta forma nova e “científica” a Cristologia e a Eclesiologia tradicional da Igreja Católica. Será, portanto, a práxis revolucionária o modo de agir, neste movimento de libertação, a fonte da verdade e do bem.4. Assim, deixando de lado a Doutrina Social da Igreja, se deve fazer a leitura política da Sagrada Escritura, sobretudo do Êxodo e do Magnficat, a secularização do Reino de Deus, as interpretações do Magistério e da Tradição.

É por isso que o documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé afirma que tal falsa interpretação da Teologia da Libertação, abarca todo o conjunto da doutrina cristã. Por exemplo: a Missa é oportunidade, em uma reunião social, de tratar e discutir os problemas da libertação e não admira que a procissão de Corpus Christi não seja para os liberacionistas o louvor a Cristo presente na Eucaristia, mas excelente ocasião de um comício político e liberacionista.

4. A Libertação no Paraíso Socialista

Os teólogos da Libertação pouco falam da sociedade futura, mas repõem suas esperanças em um socialismo democrático, que se quiséssemos saber qual é o seu figurino, nos responderiam: Nicarágua. É verdade que não diriam Rússia e seus satélites, embora tenham embarcado na libertação de análise marxista, esperando, talvez, descer do bonde ainda em movimento, antes de chegar ao ponto final. Assim pensava um prelado vietnamita, ilustre mas ingênuo, mas que foi tragado pelos trágicos acontecimentos de seu país e hoje deve lamentar-se da escravidão e do inferno, em que se encontram ele e os seus libertados,

Mas na Nicarágua, a situação é diferente, dirão alguns que para lá viajam frequentemente, suponho às custas da “opção pelos pobres”. Outros chegaram a endossar, com alegria, as divisas militares sandinistas (eles que demonstram horror pelos militares!). Nicarágua é proposta como uma nova e feliz mensagem de libertação para toda a América Latina. Entre o Papa e os sandinistas, preferem naturalmente estes últimos e demonstram sua solidariedade aos sacerdotes envolvidos no Governo Sandinista, mesmo quando em flagrante desobediência às leis canônicas.

Que elementos da hierarquia católica tenham apoiado o sandinismo, em tempos difíceis de ilusória esperança liberacionista de um regime injusto, se entende. Mas que ainda hoje, caída a máscara do sandinismo, e em face de sua oposição à Roma, ao Papa, com uma Igreja Popular, haja prelados a fazer a opção sandinista, assumem uma gravíssima responsabilidade contra o povo fiel, que devem guiar para o bom caminho!

Diante do histórico e patente mito da libertação marxista e do paraíso proletário (não precisaria,então, ser cercado como é ainda que em um campo de concentração!), vê-se que esses clássicos lutadores pela libertação dos pobres, não são amigos da liberdade dos indivíduos. Os seus direitos pessoais, a começar da liberdade religiosa, não têm vigência nos países dominados pelo marxismo, ponto final da análise marxista.

É uma séria advertência aos liberacionistas de não destruírem com seus métodos, tomados ao marxismo, aquele conjunto de verdadeiras e justas aspirações que animaram suas intenções e sua luta.

Na verdade, defender a ortodoxia, é defender os pobres, com a força cristã do amor.
III – PERIGOS

1. Lavagem cerebral

Imagino a tristeza de uma mãe que formou carinhosamente seu filho, na sólida doutrina cristã e nas virtudes, ouvi-lo depois de um período no Seminário, agressivo e rebelado contra tudo e contra todos que lhe haviam ensinado um cristianismo, julgado agora, depois de sua deformação pessoal, como superado e viciado. E tal lavagem cerebral foi realizada não num campo de concentração nazista ou comunista, mas numa instituição, mantida pela caridade cristã, até com sacrifícios dos fiéis. Formou-se um alguém, podendo ter como modelos Camilo Torres ou Che Guevara. A pretexto da libertação da classe oprimida, silenciará sua língua a mensagem evangélica do amor cristão, do coração aberto a todos os homens, enquanto crescem nele a aversão, o espírito de luta, exatamente o contrário de quanto se deve esperar de um ministro do Senhor, como traço de união entre pobres e ricos.

O pobre jovem contraiu a doença da revolta contra as estruturas e os demais, que não julgam como ele, pois estão do outro lado, naturalmente junto aos opressores. A doença, ainda quando não é mortal, debilita seu apostolado, podendo até mesmo levá-lo ao abandono do ministério sacerdotal, como já ocorreu com outros.

Quando a doença se propaga podemos chegar à epidemia. Então até o ambiente fica empestado e, para o bem da saúde pública é melhor eliminar o mal, os focos de infecção, como faz o cirurgião.

Francamente preferia estar enganado, bastando admitir apenas uma póda em alguns institutos ou comunidades seminarísticas do Brasil, para que a árvore da formação sacerdotal, possa produzir abundantes frutos, onde quer que se prepare um futuro sacerdote.

2. Abuso da linha pastoral muito difundida no Brasil

Encontrei no jornal

“Arquidiocesano” de Mariana, de 21/10/84, uma síntese clara de quatro pontos em que Dom Edvaldo Gonçalves do Amaral, Bispo de Parnaíba, no Piauí, apresentou ao Encontro das comunidades eclesiais de base de sua diocese e que, por precisão e simplicidade de linguagem merece ser transcrito na íntegra: “Há uma certa linha de pastoral na Igreja, infelizmente hoje muito difundida no Brasil, que exibe características inaceitáveis sob o ponto de vista da autêntica doutrina cristã e da reta práxis pastoral.
São elas:

1. Um exagerado horizontalismo – esquecendo a dimensão sobrenatural do homem e omitindo sistemática e propositadamente toda e qualquer referência ao destino eterno e ao sentido escatológico da vida humana.

2. Um pronunciado classicismo, fomentando a luta de classes, a viva oposição entre ricos e pobres, uma exacerbada justificação do pobre (que, segundo eles, seria bom só pelo fato de ser pobre) com a consequente exclusão e condenação do rico (que seria mau só pelo fato de ser rico), chegando a uma verdadeira guerra aos ricos: daí imaginam uma dicotomia irreconciliável dentro da própria Igreja, dividindo-se entre Igreja hierárquica e Igreja Popular, Igreja dos opressores versus Igreja dos oprimidos.

3. Um reducionismo na interpretação da Palavra de Deus – selecionando só o que convém à sua ideologia e aceitando no ensinamento do Papa João Paulo II tão somente o que corrobora seus pontos de vista, quando não chegam ao extremo de acusar o Papa de colaborador do imperialismo americano e ativista político contra o socialismo soviético.

4. Um envolvimento cada vez mais ativo em política partidária, com uma indisfarçável aspiração política e ao exercício do poder, camuflado, às vezes, em defesa dos direitos da Igreja ou proteção aos pobres e marginalizados. Como consequência disso, uma crítica irrazoável e sistemática a todos os atos do governo civil” .

3. Igreja Popular

Já se escreveu muito sobre este tema.

Parece, porém, impossível que se instale, no Brasil, a Igreja Popular, não só pelo respeito e fidelidade de nosso povo ao Santo Padre, como, por causa dos minguados frutos da malfadada Igreja Brasileira, fundada há mais de 50 anos pelo bispo de Maura, Dom Carlos Duarte Costa, que se rebelou contra o Papa.

Por isso mesmo, os liberacionistas primam em afirmar que não pretendem estabelecer uma nova Igreja, mas sim uma teologia nova, viva, real, aplicada ao povo oprimido, mas sempre dentro da Igreja Católica. Será uma tática para não afugentar o povo?

Entretanto, vão minando os fundamentos da Igreja Católica e colocando outras pedras para substituir aquelas propostas pela Igreja, fiel a Pedro e a Cristo, seu fundador.

Órfão da Igreja Católica para defender a fé, é a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé: não ouvi-la, desprezá-la, negar-lhe o valor e autoridade, dissociá-la do Papa, é temeridade, agressividade, luta, que pode merecer aplausos de certa imprensa escandalistica, mas pode terminar mal.

Não queremos prosseguir em nossas considerações.

A um bom filho basta a advertência de uma mãe amorosa, que só lhe deseja o bem e a felicidade. Outras vozes lhe aconselham libertar-se da escravidão; como ocorreu com o filho pródigo.

O orgulho, a popularidade, o aplauso, solidariedade e ala, rido dos outros, para não enumerar outros fatores, são vozes tentadoras e péssimas conselheiras, enquanto a humildade dos servos de Deus, dirá com confiança, como Maria: “Faça-se em mim segundo a vossa vontade”, revelada por Deus e transmitida pela Igreja.

Conclusão

Se a Teologia da Libertação focaliza e jorra maior luz para compreender e resolver uma grave e real questão social e moral, como a da injustiça social, e orienta sua linha pastoral para uma educação de sólida formação religiosa, como base de novas práticas do amor cristão e da. fraternidade humana, só nos podemos alegrar com este despertar para uma mais efetiva vivência cristã.

Mas, se a Teologia da Libertação quer obter a justiça social pela luta de classes, mesmo quando empolgada por Lima fala “opção preferencial pelos pobres”, o espírito cristão lhe adverte que a ideológica análise marxista, considerada “a científica”, é caminho ilusório e errado. É o ensinamento e a advertência sábia e prudente do Magistério da Igreja, mãe e mestra autorizada e assistida por Deus, que tem uma experiência de 20 séculos.

É prudente e cristão, ouvir docilmente sua voz e os seus conselhos, repetidos solenemente pelo documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Portanto, se alguém se encontra nesse rumo errado, é melhor retroceder e, com humildade, retornar à casa paterna, como o fez o filho pródigo, certo de obter a reconciliação e o perdão da misericórdia divina

Se, porém, quiser prosseguir na estrada liberacionista para a libertação dos pobres, no tempo e na eternidade, é certo que não haverá policia da Igreja para conduzi-lo ao cárcere ou manicômio. Livremente usando e abusando da liberdade que Deus lhe deu, se conseguir ver triunfante, por manobras de astúcia ou até mesmo pela violência, a libertação suspirada do proletariado, desembarcará numa sociedade completamente diversa daquele paraíso terrestre que sonhou e apregoou e verificará, então, que foi “pior a emenda que o soneto”. É o mínimo que lhe posso dizer, com a verdadeira história dos povos nas mãos e na mente.

Lastima também que o liberacionista não quis ouvir, durante sua vida de sacerdote ou ao menos de fiei, o Pai amoroso que veste os lírios do campo e sustenta os pássaros dos céus e, para guiar os homens para a verdadeira salvação, fundou a Igreja, ordenando que ouvisse-mos sua voz …

Menosprezada a advertência da Igreja, preferiu ouvir outras vozes e ensinamentos, como os nossos primeiros pais no paraíso, para se tornarem iguais a Deus. Foram tentados por causa do orgulho ou da ânsia de popularidade? Não o saberei dizer. Limito-me a registrar o fato, com espírito de fé e de docilidade à cátedra de Pedro, e a manifestar minha tristeza, vendo como homens de talento, pela Teologia da Libertação, deram grandes passos, mas fora da estrada.


Fonte: Cleofas.com.br
Escrito por Prof. Felipe Aquino  



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