MÁRTIRES
DA IGREJA PRIMITIVA
Escrito por Eusébio de Cesareia - que viveu entre 265 e 339 - também chamado de Eusebius Panphili - Pai da Igreja - bispo de Cesareia - seus escritos relatam o cristianismo primitivo, está ligado a uma crença de uma suposta carta escrita pelo Rei de Edessa a Jesus. Ele teria encontrado as cartas e copiado para a História da Igreja.
Escrito por Eusébio de Cesareia - que viveu entre 265 e 339 - também chamado de Eusebius Panphili - Pai da Igreja - bispo de Cesareia - seus escritos relatam o cristianismo primitivo, está ligado a uma crença de uma suposta carta escrita pelo Rei de Edessa a Jesus. Ele teria encontrado as cartas e copiado para a História da Igreja.
Depois de haver
escrito em sete livros inteiros a sucessão dos apóstolos, cremos que é um de
nossos mais necessários deveres transmitir, neste oitavo livro, para
conhecimento também dos que virão depois de nós, os acontecimentos de nosso
próprio tempo1, pois merecem uma exposição escrita bem pensada. E nosso relato
terá seu começo a partir deste ponto.
I.
Da situação anterior à perseguição de nossos dias
1. É uma tarefa
gigantesca explicar como merecido quais e quão grandes foram, antes da
perseguição de nosso tempo, a glória e a liberdade de que gozou entre todos os
homens, gregos e bárbaros, a doutrina da piedade para com o Deus de todas as
coisas, anunciada ao mundo por meio de Cristo.
2. Ainda assim,
prova disto poderia ser a acolhida dos soberanos para com os nossos, a quem
inclusive entregavam o governo das províncias, dispensando-os da angústia de
ter que sacrificar, pela muita amizade que reservavam a nossa doutrina.
3. Que necessidade
há de falar dos que estavam nos palácios imperiais e dos supremos magistrados?
Estes consentiam que
Seus familiares,
esposas, filhos e criados - agissem abertamente, com toda liberdade, com sua
palavra e sua conduta, no referente à doutrina divina, quase lhes permitindo
inclusive gloriar-se da liberdade de sua fé. Consideravam-nos especialmente
dignos de aceitação, mais ainda do que seus companheiros de serviço.
4. Assim era o
famoso Doroteo, o melhor disposto e mais fiel de todos para com eles e por isto
o mais distinguido com honras, mais até do que os que ocupavam cargos e
governos. E com ele o célebre Gorgonio e quantos foram considerados dignos da
mesma honra que eles, por razão da palavra de Deus.
5. Era visível
também de que favor todos os procuradores e governadores julgavam dignos os
dirigentes de cada igreja! E quem poderia descrever aquelas concentrações de
milhares de homens e aquelas multidões das reuniões em cada cidade, igual às
célebres concorrências aos oratórios? Por estas causas precisamente, já não
contentes de modo algum com os antigos edifícios, levantaram desde as fundações
igrejas de grande amplidão por todas as cidades.
6. Com o tempo isto
avançava e cobrava cada dia maior vulto e grandeza, sem que inveja alguma o
impedisse e sem que um mau demônio fosse capaz de fazê-lo malograr nem criar
obstáculos com conjuros de homens, tanto a mão celestial de Deus protegia e
custodiava seu próprio povo, porque em realidade o merecia.
7. Mas desde que
nossa conduta mudou, passando de uma maior liberdade ao orgulho e à negligência,
e uns começaram a invejar e injuriar aos outros, faltando pouco para que
fizéssemos a guerra.
Mutuamente com as
armas mesmo, e os chefes dilaceravam os chefes com as lanças das palavras, os
povos se sublevavam contra os povos e uma hipocrisia e dissimulação sem nome
alcançavam o mais alto grau de malícia, então o juízo de Deus, com parcimônia,
como gosta de fazer, quando ainda se reuniam as assembleias, suave e
moderadamente suscitava sua visita, começando a perseguição pelos irmãos que
militavam no exército.
8. E nós, como se
estivéssemos insensíveis, não nos preocupamos sobre como tornar-nos benévola e
propícia à divindade, mas como alguns ateus, que pensam que nossos assuntos
escapam a todo cuidado e inspeção, íamos acumulando maldades sobre maldades, e
os que pareciam ser nossos pastores rechaçavam a norma da religião,
inflamando-se em mútuas rivalidades, e não faziam mais do que aumentar as
rixas, as ameaças, a rivalidade e a inimizade e ódio recíprocos, reclamando
encarniçadamente para si o objeto de sua ambição como se fosse o poder
absoluto. Então sim, então foi quando, segundo diz Jeremias: obscureceu o
Senhor em sua cólera a filha de Sion e precipitou do céu para baixo a glória de
Israel, sem recordar-se do estrado de seus pés no dia de sua ira; antes, o
Senhor submergiu nas profundezas todas as belezas de Israel e destruiu todas
suas valas;
9. E segundo o
profetizado nos Salmos, destruiu o testamento de seu servo e com a ruína das
igrejas profanou seu santuário, destruiu todas suas valas e plantou a covardia
em suas fortalezas. E todos os caminhantes saqueavam ao passar as multidões do
povo, e como se isto fosse pouco, converteu-se em ofensa para seus vizinhos.
Porque exaltou a destra de seus inimigos e desviou o fio de sua espada e não o
sustentou na guerra, mas até despojou-o de sua pureza, derrubou ao solo seu
trono, encurtou os dias de seu tempo, e por último cobriu-o de ignomínia.
II.
Da destruição das igrejas
1. Tudo isto se
cumpriu, efetivamente, em nossos dias, quando com nossos próprios olhos vimos
os oratórios inteiramente arrasados, desde o telhado até os fundamentos, e as
divinas e sagradas Escrituras entregues ao fogo nas praças públicas, e os
pastores das igrejas ocultando-se aqui e ali vergonhosamente, ou presos
indecorosamente e escarnecidos pelos inimigos quando, segundo outro oráculo
profético, lançou o desprezo sobre os príncipes e os faz andar errantes por
onde não há caminho.
2. Mas não é tarefa
nossa descrever as tristes calamidades que estes por fim passaram, pois
tampouco é nosso deixar memória de suas mútuas dissensões e de suas loucuras de
antes da perseguição, pelo que decidimos também não contar sobre eles mais do
que aquilo que nos permita justificar o juízo de Deus.
3. Por conseguinte,
não nos deixamos levar a fazer memória dos que foram tentados pela perseguição
ou dos que naufragaram por completo no assunto de sua salvação e por sua
própria vontade se precipitaram nos abismos das ondas, mas à história geral
vamos acrescentar unicamente aquilo que possa ser de proveito primeiramente a
nós mesmos e logo também a nossa posteridade. Vamos, pois; comecemos já desde
este ponto a descrever em resumo os combates sagrados dos mártires da doutrina divina.
4. Era este o ano
dezenove do império de Diocleciano e o mês de Distro entre os romanos se diria
o de março, quando estando próxima a festa da Paixão do Salvador, por todas as
partes estenderam-se editos imperiais mandando arrasar até o solo as igrejas e
fazer desaparecer pelo fogo as Escrituras, e proclamando privados de honras àqueles
que delas desfrutavam e de liberdade aos particulares se permanecessem fiéis em
sua profissão de cristianismo.
5. Assim foi o
primeiro edito contra nós, mas não muito depois vieram a nós outros editos nos
quais se ordenava: primeiro, lançar nas prisões todos os presidentes das
igrejas em todo lugar, e depois, forçá-los por todos os meios a sacrificar.
III.
Do modo de conduzir-se dos que combateram na perseguição
1. Então, pois,
precisamente então, numerosos dirigentes das igrejas, lutando animosamente em
meio a terríveis tormentos, ofereceram quadros de grandes combates, mas foram
milhares os outros, os que de antemão embotaram suas almas com a covardia, e
assim facilmente se debilitaram desde a primeira acometida. Dos restantes, cada
um foi alternando diferentes espécies de tormentos: um tendo seu corpo lacerado
por açoites; outro castigado com as torturas insuportáveis do potro e dos
garfos, nas quais alguns já perderam suas vidas.
2. E outros, por
sua vez, passaram pelo combate de formas muito diversas. A um efetivamente, os
demais empurravam pela força, e aproximando-se dos infames e impuros
sacrifícios, deixavam-no ir como se tivesse sacrificado, ainda que não o
tivesse feito. Outro, ainda que de modo algum tivesse se aproximado nem tivesse
tocado nada maldito, como os demais diziam que havia tocado, retirava-se em
silêncio carregado com a calúnia; outro levantavam meio morto e o lançavam como
se já fosse um cadáver;
3. E ainda houve
quem, deitado ao solo, era arrastado longo trecho pelos pés e era contado entre
os que haviam sacrificado. Um gritava, e a altas vozes atestava sua negativa em
sacrificar, e outro vociferava que era cristão e se gloriava de confessar o
nome salvador; outro sustentava firme que ele nem havia sacrificado nem
sacrificaria jamais.
4. Mesmo assim,
também estes foram lançados fora à força sofrendo repetidos golpes na boca por
parte do nutrido grupo de soldados que para este fim estava ali formado, e com
bofetadas no rosto e nas faces foram reduzidos ao silêncio. Tão grande era o
afã que os inimigos da religião tinham de aparentar, por todos os meios, que
haviam conseguido seu intento. Mas nem tais métodos serviam contra os santos
mártires. Que discurso seria suficiente para uma descrição exata dos mesmos?
IV.
Dos mártires de Deus dignos de serem celebrados, como encheram cada lugar com
sua memória depois de cingir-se variadas coroas em defesa da religião
1. Efetivamente,
poder-se-ia relatar que foram inumeráveis os que mostraram um zelo admirável
pela religião do Deus do universo, não somente desde o momento em que estourou
a perseguição contra todos, mas muito antes, quanto ainda se mantinha a paz.
2. Porque foi muito
recentemente quando o que havia recebido o poder10, como quem se levanta de um
sono profundo, empreendeu-a contra as igrejas, ainda ocultamente e não às
claras, no tempo que sucedeu a Décio e Valeriano. E não atacou de um golpe com
uma guerra contra nós, mas ainda provou-a somente com os que estavam nas
legiões, pois deste modo pensava que capturaria mais facilmente também os
demais se primeiro saísse vitorioso na luta contra aqueles. Era de se ver então
o grande número de soldados abraçando contentíssimos a vida civil e evitando assim
converter-se em negadores de sua religião para com o Criador de todas as
coisas.
3. Efetivamente,
assim que o general do exército - quem quer que então fosse - empreendeu a
perseguição contra as tropas e se deu a classificar e depurar os funcionários
militares, como lhes desse a escolha entre seguir gozando a graduação que lhes
correspondia, se o obedeciam, ou ver -se, pelo contrário, privados da mesma se
opunham às suas ordens, muitíssimos soldados do reino de Cristo, sem vacilar,
preferiram a confissão de Cristo à glória aparente e ao bem-estar que possuíam.
4. Nesse momento
era raro que um ou dois destes recebessem não somente a perda da graduação, mas
também a morte em troca de sua piedosa resistência, pois então o urdidor da
conspiração ainda guardava certa moderação e ousava aventurar-se somente a um
ou outro derramamento de sangue, já que ainda o assustava, segundo parece, a
multidão dos fiéis e ainda vacilava em desatar uma guerra contra todos de uma
só vez.
5. Mas quando se
lançou ao ataque mais abertamente, impossível expressar com palavras o número e
a qualidade dos mártires de
Deus que aqueles
que habitavam as cidades e os campos podiam contemplar.
V.
Dos mártires de Nicomedia
1. Assim pois, tão
prontamente como se promulgou em Nicomedia o edito contra as igrejas, um que
não era personagem obscuro, mas dos mais preclaros, segundo a estimativa das
excelências de sua vida, empurrado pelo zelo de Deus, lançou-se com fé ardente,
e depois de arrancar o edito que se achava em lugar visível e público, por
considerá-lo ímpio e irreligioso, rasgou-o, apesar de haver na mesma cidade
dois imperadores, o mais antigo de todos e o que depois dele ocupava o quarto
posto no governo. Mas este foi o primeiro dos que naquela ocasião se
distinguiram desta maneira, e depois de sofrer em seguida o que era de supor
por tal atrevimento, conservou a calma e a tranquilidade até seu último
suspiro.
VI.
Dos mártires das casas imperiais
1. Acima de todos
quantos foram celebrados alguma vez como admiráveis e famosos por sua valentia,
assim entre os gregos como entre os bárbaros, esta ocasião fez destacar os
divinos e excelentes mártires Doroteo e os servidores imperiais que o
acompanhavam. Ainda que seus amos os tenham considerado dignos da mais alta
honra e no trato não os deixavam atrás de seus próprios filhos, eles julgavam,
com toda verdade, maior riqueza do que a glória e o prazer desta vida as
injúrias, os trabalhos e os variados gêneros de morte inventados contra eles
por causa de sua religião. Somente mencionaremos o fim que teve um deles e
deixaremos a nossos leitores que por ele concluam o que sucedeu aos outros.
2. Na mencionada
cidade, um deles foi conduzido publicamente ante os imperadores já indicados;
ordenaram-lhe, pois, que sacrificasse, e ao opor-se, mandaram pendurá-lo
desnudo e lacerar todo seu corpo a força de açoites até que, rendido, fizesse o
ordenado mesmo contra a vontade.
3. Mas como ele se
mantinha inflexível mesmo depois de padecer estes tormentos, e seus ossos já
apareciam à vista, misturaram vinagre com sal e o derramaram nas partes mais
laceradas de seu corpo. Mas também desdenhou estas dores, e então trouxeram ao
meio umas brasas e fogo, e como se faz com a carne comestível, foram consumindo
no fogo o resto de seu corpo, e não todo de uma vez, para que não morresse em
seguida, mas pouco a pouco. Os que o haviam posto sobre a fogueira não podiam
soltá-lo até que, ainda depois de tantos padecimentos, desse sinal de aceder ao
mandado.
4. Mas ele,
solidamente aferrado a seu propósito, entregou vencedora sua alma em meio aos
tormentos. Tal foi o martírio de um dos servidores imperiais, digno realmente
do nome que levava: chamava-se Pedro.
5. Ainda que não
tenham sido menores os tormentos dos outros, em consideração às proporções do
livro os omitiremos, e unicamente mencionaremos que Doroteo e Gorgonio,
juntamente com muitos outros do serviço imperial, depois de passar por combates
de todo gênero, morreram enforcados e alcançaram o prêmio da divina vitória.
6. Neste tempo,
Antimo, que então presidia a igreja de Nicomedia, foi decapitado por seu
testemunho de Cristo. E a ele se juntou uma multidão compacta de mártires
quando nesses mesmos dias, e sem saber-se como, deflagrou-se um incêndio no
palácio imperial de Nicomedia. Ao suspeitar-se falsamente e correr o boato de
que havia sido provocado pelos nossos, a uma ordem imperial, os cristãos
daquele lugar, em tropel e amontoadamente, uns foram degolados a espada, e
outros acabaram pelo fogo. Uma tradição diz que então homens e mulheres
saltavam por si mesmos ao fogo com um fervor divino inefável. Os verdugos, por
sua parte, amarravam outra multidão a umas barcas e a lançavam aos abismos do
mar.
7. Quanto aos
servidores imperiais, depois de sua morte haviam sido confiados à terra com as
honras correspondentes, mas os que se encaram como donos fizeram-nos exumar
novamente, com a opinião de que estes também deveriam ser lançados ao mar, para
que não acontecesse que jazendo em sepulcros fossem adorados e os considerassem
- ao menos isto pensavam eles como deuses. Tais foram os acontecimentos do
começo da perseguição em Nicomedia.
8. Mas não muito
depois, havendo alguns tentado, na região chamada Melitene, e outros inclusive
na Síria, atacar o império, saiu uma ordem imperial de que em todas as partes
se encarcerasse e acorrentasse os dirigentes das igrejas.
9. E o espetáculo a
que isto deu lugar ultrapassa toda narração: em todas as partes se encerrava
uma multidão inumerável, e em todo lugar os cárceres, anteriormente
aparelhados, desde antigamente, para homicidas e violadores de tumbas,
Transbordavam agora
de bispos, presbíteros, diáconos, leitores e exorcistas, até que não sobrasse
lugar ali para os condenados por suas maldades.
10. Mais ainda, ao
primeiro edito seguiu-se outro, em que se mandava deixar irem livres os
encarcerados que tivessem sacrificado e passar pela tortura os que resistissem.
Como, repito, neste caso alguém poderia enumerar a multidão de mártires de cada
província, sobretudo da África, Mauritânia, Tebaida e Egito? Do Egito, alguns
que inclusive haviam emigrado para outras cidades e províncias sobressaíram por
seus martírios.
VII.
Dos mártires egípcios da Fenícia
1. Nós conhecemos
dentre eles pelo menos os que brilharam na Palestina, e inclusive conhecemos os
que se sobressaíram em Tiro da Cilicia. Vendo-os, quem não ficaria pasmo com os
inumeráveis açoites e a resistência com que os suportaram estes atletas da
religião verdadeiramente maravilhosos? E depois dos açoites, o combate com as
feras devoradoras de homens, os ataques de leopardos, de ursos de diferentes
espécies, de javalis e de touros feridos com ferro em brasa: como não pasmar-se
da admirável paciência daquelas nobres pessoas frente a cada uma destas feras?
2. Também nós nos
achamos presentes a estes acontecimentos e observamos como o poder divino do
próprio Jesus Cristo, nosso Salvador, de quem eles davam testemunho, se fazia
presente e se mostrava claramente aos mártires: as feras devoradoras de homens
tardaram muito tempo a atrever-se a tocar e até a aproximar-se dos corpos dos
amigos de Deus, enquanto se lançavam contra os outros que as açulavam de fora,
sem dúvida; os santos atletas foram os únicos a quem de modo algum tocaram,
apesar de que se achavam de pé, desnudos, e lhes faziam gestos com as mãos,
provocando-as contra si mesmos (pois assim lhes mandaram que fizessem). Inclusive
quando se lançavam contra eles, novamente retrocediam, como rechaçadas por uma
força mais divina.
3. O fato de
prolongar-se este espetáculo longo tempo causou grande assombro entre os
espectadores, ao ponto de que, ante a inação da primeira fera, soltaram uma
segunda e até uma terceira contra um só e mesmo mártir.
4. Era para ficar
atônito ante a intrépida constância daqueles santos em tais circunstâncias e
ante a firme e inflexível resistência de seus corpos jovens. Ali pois, verias
um jovem, da idade de vinte anos incompletos, de pé, sem correntes e com as
mãos estendidas em forma de cruz, que com ânimo impassível e tranquilo se
entregava com a maior calma às orações de Deus, sem mover-se nem desviar-se o
mínimo do lugar onde se achava, enquanto ursos e leopardos, respirando furor e
morte, quase tocavam já sua carne; mas, não sei como, por uma força inefável e
divina, a ponto já de fechar suas mandíbulas, novamente saíam correndo para
trás. Assim era este homem.
5. Também poderias
ter visto outros (eram cinco no total) que foram lançados a um touro bravo. Aos
de fora que se aproximavam este os lançava ao ar com seus cornos e os
despedaçava, deixando-os meio mortos para serem retirados; já quando se lançava
furioso e ameaçador somente contra os santos mártires, nem podia aproximar-se
deles; ainda que desse golpes aqui e acolá com suas patas e cornos, e
respirasse furor e ameaça porque o açulavam com ferro em brasa viva, a
providência sagrada o arrastava para trás. Assim, como este touro não lhes fizesse
o mínimo dano, soltaram contra eles outras feras.
6. Finalmente,
depois de terríveis e variadas acometidas destas, todos eles foram degolados a
espada e entregues às ondas do mar em vez de à terra e aos sepulcros.
VIII.
Dos mártires do Egito
1. Assim foi também
a luta dos egípcios que em Tiro empreenderam publicamente seus combates pela
religião.
Mas deles se
poderia admirar ainda mais os que sofreram martírio em sua pátria, onde homens,
mulheres e crianças, em número incontável, desprezando o viver passageiro,
suportaram pelo ensinamento de nosso Salvador diferentes gêneros de mortes:
uns, depois dos garfos, dos potros, dos açoites crudelíssimos e de infinitos e
variados tormentos, que fazem estremecer só de ouvi-los, foram lançados ao
fogo; outros foram tragados pelo mar; outros estendiam valentemente as próprias
cabeças aos que as cortam; outros inclusive morriam em meio às torturas; a
outros consumiu a fome, e outros por sua vez foram crucificados, uns como é
costume fazer aos malfeitores, e a outros ainda pior, pregados ao contrário, a
cabeça para baixo, e deixados com vida até que morressem de fome sobre o
próprio patíbulo.
IX.
Dos mártires de Tebaida
1. Mas os ultrajes
e dores que suportaram os mártires de Tebaida ultrapassam toda descrição.
Laceravam-lhes todo seu corpo empregando conchas em vez de garfos, até que
perdessem a vida; atavam as mulheres por um pé e as suspendiam no ar com umas
máquinas, com a cabeça para baixo e o corpo inteiramente desnudo e a
descoberto, oferecendo a todos os observadores o espetáculo mais vergonhoso, o
mais cruel e mais desumano de todos.
2. Outros, por sua
vez, morriam amarrados a árvores e ramos: puxando com umas máquinas juntavam os
ramos mais robustos e estendiam até cada um deles as pernas dos mártires, e
deixavam que os ramos voltassem a sua posição natural. Assim haviam inventado o
esquartejamento instantâneo daqueles contra quem empreendiam tais coisas.
3. E tudo isto se
perpetrava já não por uns poucos dias ou por uma breve temporada, mas por um
longo espaço de anos inteiros, morrendo às vezes mais de dez pessoas, às vezes
mais de vinte; em outras ocasiões, não menos de trinta, e alguma vez até cerca
de sessenta; e ainda houve uma vez que em um só dia deu-se morte a cem homens,
certamente com seus filhinhos e suas mulheres, condenados a vários e sucessivos
castigos.
4. E nós mesmos,
achando-nos no lugar dos fatos, vimos muitos sofrerem em massa e num só dia,
uns a decapitação, e outros o suplício do fogo, até o ferro perder o fio de
tanto matar e partir-se em pedaços por puro desgaste, enquanto os próprios
assassinos se revezavam entre si pelo cansaço.
5. Então podíamos
contemplar o ímpeto admirável e a força e fervor realmente divinos dos que
creram e seguem crendo no Cristo de Deus. Efetivamente, ainda se estava ditando
sentença contra os primeiros e já de outras partes saltavam para o tribunal
ante o juiz outros que se confessavam cristãos, sem preocupar-se em absoluto
com os terríveis e multiformes gêneros de tortura, mas sim proclamando
impassíveis, com toda liberdade, a religião do Deus do universo e recebendo a
suprema sentença de morte com alegria, regozijo e bom humor, ao ponto de cantar
salmos, hinos e ações de graças ao Deus do universo até exalar o último alento.
6. Admiráveis foram
também estes, em verdade, mas mais admiráveis foram especialmente aqueles que,
brilhando por sua riqueza e seu nome, por sua glória, sua eloquência e
filosofia, mesmo assim, tudo isto preteriram à verdadeira religião e à fé em
nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo.
7. Assim era
Filoromo, encarregado de certa magistratura importante da administração
imperial de Alexandria, que por sua dignidade e cargo romanos, cada dia
administrava justiça com escolta de soldados. E assim era Fileas, bispo da
igreja de Tmuis, varão ilustre por seus cargos e funções públicas desempenhadas
em sua pátria, não menos que por seus conhecimentos de filosofia.
8. Estes homens,
ainda que um grande número de parentes e de amigos, assim como outros
magistrados ativos lhes suplicassem, e apesar de que o próprio juiz lhes
exortasse a que tivessem compaixão de si mesmos e olhassem por seus filhos e
mulheres, de modo algum se deixaram levar por tão fortes argumentos para escolher
o amor à vida e desprezar as leis sobre a confissão e a negação de nosso
Salvador, mas, resistindo a todas as ameaças e insolências do juiz com varonil
e filosófica razão, mais ainda, com ânimo pleno de piedade e amor de Deus,
foram ambos decapitados.
X.
Informes escritos do mártir Fileas acerca do ocorrido em Alexandria
1. Posto que já disséssemos
que Fileas foi digno de grande consideração por seus muitos conhecimentos
profanos, venha ele mesmo ser testemunha de si mesmo e ao mesmo tempo nos
declare quem era e nos conte com maior exatidão do que nós faríamos os
martírios ocorridos em seu tempo em Alexandria. Estas são suas palavras.
Da
carta de Fileas aos Tmuitas.
2. "Como nas
divinas e sagradas Escrituras encontramos todos estes exemplos, modelos e bons
indicadores, os bem-aventurados mártires que estavam conosco, sem vacilar o
mínimo, fixando limpidamente os olhos de suas almas no Deus do universo e
abraçando em suas mentes a morte pela religião, aferravam-se tenazmente a sua
vocação por terem encontrado que nosso
Senhor Jesus Cristo
se fez homem por nossa causa, para destruir pela raiz todo pecado e prover-nos
de viático de entrada na vida eterna, pois não teve como usurpação o ser igual
a Deus, mas que se esvaziou a si mesmo tomando forma de servo, e reconhecido em
sua figura como homem, humilhou-se a si mesmo até a morte, e morte de cruz.
3. Pelo que, os
mártires portadores de Cristo, procurando os dons maiores, suportaram todo
trabalho e toda classe de invenções de tormentos, não uma só vez, mas alguns
até duas vezes, e ainda que os guardas rivalizassem em ameaças contra eles, não
só por palavra, mas também por obra, não abandonaram sua resolução, por aquele
cujo amor perfeito lança fora todo o temor.
4. E que discurso
bastaria para enumerar sua força e seu valor em cada tormento? Porque, como
todo aquele que o quisesse tinha permissão para ultrajá-los, uns os golpeavam
com paus, outros com varas, outros com açoites, outros com correias e outros
com cordas.
5. O espetáculo das
torturas variava e continha em si muita maldade, porque alguns eram pendurados
do potro, com as duas mãos amarradas às costas, e por meio de certas máquinas
distendiam-lhes todos os membros, e estando assim, os verdugos, a uma ordem, se
enfureciam com seus corpos em sua totalidade, não somente nas costas, como se
costumava com os assassinos, mas castigavam-nos com suas armas defensivas
inclusive no ventre, nas pernas e nas faces. Outros eram pendurados do pórtico
atados por uma só mão; a tensão das articulações e dos membros era mais terrível
que qualquer dor. Outros, por fim, eram atados às colunas cara a cara e sem
pousar os pés no chão: com o peso do corpo, as ataduras se tencionavam e
apertavam fortemente.
6. E isto
suportavam não somente enquanto o governador conversava com eles e deles se
ocupava, mas quase durante o dia inteiro, pois enquanto passava aos outros,
deixava que seus ministros vigiassem os primeiros para o caso de algum, vencido
pelas torturas, parecer ceder, mas ordenando impiedosamente que apertassem
ainda mais as ataduras e que, descendo os que ao fim expirassem, os arrastassem
pela terra.
7. E não tinham por
nós a mínima consideração, mas agiam como se não existíssemos, um segundo
tormento que, além dos golpes, inventaram nossos adversários.
8. Havia os que
inclusive depois dos tormentos jaziam sobre o cepo com os pés distendidos até o
quarto furo, de forma que até por força tinham que ficar de boca para cima
sobre o cepo, impotentes, por terem recentes as feridas dos golpes por todo o
corpo. Outros jaziam estirados no solo por efeito dos tormentos aplicados de
uma vez, e ofereciam aos curiosos um espetáculo mais cruel do que ao serem
atormentados, pois levavam em seus corpos as marcas das múltiplas e diversas
torturas inventadas.
9. Assim as coisas,
uns morriam em meio aos tormentos, envergonhando com sua constância o
adversário; outros, encerrados meio mortos no cárcere, faleciam ao cabo de
poucos dias oprimidos pelas dores; e os demais, conseguida a recuperação de
suas forças a base de cuidados, com o tempo e a estadia no cárcere fizeram-se
ainda mais animosos.
10. Assim pois,
quando lhes foi exigido escolher: ou tocar o sacrifício abominável e não ser
molestado, conseguindo deles a liberdade maldita, ou não sacrificar e receber
condenação à morte, eles, sem vacilar o mínimo, marcharam alegremente para a
morte, pois sabiam que as Sagradas Escrituras nos prescrevem: Quem oferecer,
diz, sacrifícios a outros deuses será exterminado; e não terás outros deuses
além de mim."
11. Tais são as
palavras que o mártir, como verdadeiro filósofo e amigo de Deus, estando ainda
no cárcere antes de sua última sentença, escreveu aos irmãos de sua igreja,
confiando-lhes a situação em que se encontrava e, ao mesmo tempo, exortando-os
a manterem-se firmemente fiéis à religião de Cristo mesmo depois de sua
iminente consumação.
12. Mas que
necessidade há de estender-se prolixamente e de juntar a combates recentes
outros combates ainda mais recentes, sustentados pelos santos mártires em toda
a terra, sobretudo aqueles que já não eram atacados em conformidade com uma lei
comum, mas com todo o aparato de uma guerra?
XI.
Dos mártires da Frigia
1. Ocorreu pois,
que já então, na Frígia, toda uma pequena cidade de cristãos foi cercada com
todos seus homens por soldados que lhe atearam fogo e queimaram a todos,
inclusive crianças e mulheres, que invocavam a gritos o Deus do universo. A
razão foi que todos os habitantes da cidade em massa, inclusive o próprio
inspetor imperial de contas, os duunviros e todos os magistrados com o povo
inteiro, haviam-se confessado cristãos e não obedeciam nem o mínimo aos que
lhes ordenavam adorar os ídolos.
2. E houve outro,
chamado Adauto, possuidor de uma dignidade romana e procedente de uma linhagem
ilustre da Itália, que havia avançado por todos os graus da honra ante os
imperadores, ao ponto de haver passado irrepreensivelmente aos postos da
administração geral, no que eles chamam de ofício de diretor superior e
intendente geral. Havendo-se distinguido além de tudo isto por suas obras
virtuosas na religião e por suas repetidas confissões do Cristo de Deus,
suportou o combate pela religião no exercício de seu cargo de intendente geral
e foi coroado com a diadema do martírio.
XII.
De muitíssimos outros, homens e mulheres, que combateram de diversas maneiras.
1. Que necessidade
tenho agora de recordar por seus nomes os demais, de contar a multidão dos
homens ou de pintar os variados tormentos dos admiráveis mártires? Uns foram
mortos com machados, como ocorreu aos da Arábia; a outros queimaram as pernas,
como sucedeu aos da Capadócia; às vezes os penduravam do alto pelos pés, cabeça
para baixo, e acendiam debaixo um fogo lento, cuja fumaça os asfixiava ao arder
a lenha, como no caso dos da Mesopotâmia; e às vezes cortavam-lhes o nariz, as
orelhas e as mãos e partiam em pedaços os restantes membros e partes de seus
corpos, como aconteceu em Alexandria.
2. Para que
reavivar a recordação dos de Antioquia, dos que eram assados em braseiros, não
para fazê-los morrer, mas para alongar seu tormento; e dos que preferiam meter
sua mão direita no fogo a tocar o sacrifício maldito? Alguns deles, para fugir
da prova, antes de serem presos e de cair nas mãos dos conspiradores, eles mesmos
se lançavam do alto de suas casas, considerando o morrer como um subtrair-se à
maldade dos ímpios.
3. E certa pessoa,
santa e admirável pela virtude de sua alma, ainda que mulher por seu corpo, e
famosa ainda entre todas as de Antioquia, por sua riqueza, sua linhagem e seu
bom nome, havia criado suas filhas nas leis da religião, um par de virgens
notáveis pela beleza de seu corpo e em plena juventude. Moveu-se contra elas
muita inveja que por todos os meios se esforçava em descobrir seu esconderijo.
Ao inteirar-se de que se achavam em terra estrangeira, arranjou-se astutamente
para chamá-las a Antioquia, e assim caíram nas redes dos soldados. Vendo-se a
si mesma e as suas filhas em tal apuro, a mãe falou-lhes e lhes expôs os
horrores que lhes viriam dos homens, inclusive o mais terrível e insuportável
de todos, a ameaça de violação, exortando-se a si mesma e exortando as filhas a
não tolerar nem sequer que chegassem a roçar-lhes os ouvidos. Dizia-lhes também
que entregar suas almas à escravidão dos demônios era pior do que todas as
mortes e que toda ruína, e lhes sugeria que a única solução de tudo isto era a
fuga para o Senhor.
4. Então, estando
de acordo as três, arranjaram decentemente seus vestidos em torno de seus
corpos e, chegadas ao meio do caminho, pediram aos guardas permissão para
afastarem-se um momento, e se lançaram ao rio que corria ali ao lado.
5. Estas pois,
lançaram-se elas mesmas, mas na mesma Antioquia houve outro par de virgens, em
tudo dignas de Deus e verdadeiramente irmãs, ilustres por sua linhagem,
brilhantes por sua posição, jovens na idade, formosas de corpo, santas de alma,
piedosas de caráter e admiráveis em seu zelo, às quais, como se a terra não
fosse capaz de suportar tanta grandeza, os servos dos demônios mandaram lançar
ao mar. Isto é o que ocorreu a estas.
6. Outros, de sua
parte, sofreram no Ponto tormentos que, só de ouvi-los fazem estremecer. A uns
trespassaram os dedos com hastes pontiagudas, cravadas pela ponta das unhas; a
outros, depois de fundir chumbo no fogo, fervendo e candente como estava,
vertiam-no sobre as costas e lhes queimavam as partes mais necessárias do
corpo;
7. E outros
sofreram em seus membros secretos e em suas entranhas tormentos vergonhosos,
implacáveis e impossíveis de expressar com palavras, tormentos que aqueles
nobres e legítimos juízes imaginavam com o maior zelo, mostrando sua crueldade
como um alarde de sabedoria e tratando com esforço de superar-se uns aos outros
na invenção de suplícios, sempre mais novos, como num concurso com prêmios.
8. Mas o fim destas
calamidades chegou quando, já sucumbindo à fadiga de tal excesso de males, cansados
de matar e fartos e aborrecidos de tanto derramamento de sangue, voltaram-se ao
que tinham por bom e humano, de modo que já parecia que nada terrível se
empreenderia contra nós.
9. Porque não
convinha, diziam, manchar as cidades com sangue de sua própria gente, nem
acusar de crueldade o poder supremo dos príncipes, benévolo e suave para com
todos, antes, fazia-se necessário estender a todos o benefício da humana e
imperial autoridade e não mais castigar com a pena de morte.
Efetivamente,
segundo eles, por causa da humanidade dos imperadores, este seu castigo ficava
abolido contra nós.
10. Então ordenou
arrancar os olhos e inutilizar uma das pernas, pois para eles isto era humano e
o castigo mais leve aplicado contra nós; em consequência, por causa desta
humanidade dos ímpios, já não era possível descrever a multidão incalculável de
mutilados: uns, aos quais primeiro foi arrancado o olho direito com a espada e
logo cauterizado; outros, aos quais haviam inutilizado o pé esquerdo, também
por meio de cautérios nas articulações, e os que haviam condenado às minas de
cobre de cada província, não tanto por seu serviço quanto para maltratá-los e
fazê-los sofrer. Além de todos estes, outros sucumbiram em diversos combates
que nem sequer é possível catalogar, já que suas façanhas vencem toda palavra.
11. Nestes
combates, os magníficos mártires de Cristo brilharam por toda a terra habitada
e, como era natural, por todas as partes enchiam de assombro as testemunhas
oculares de seu valor, e em si mesmos ofereciam a prova manifesta do poder
verdadeiramente divino e inefável de nosso Salvador. Mas seria longo, para não
dizer impossível, fazer menção de cada um por seus nomes.
XIII. Dos
presidentes das igrejas, que por meio de seu sangue mostraram a verdade da
religião de que eram embaixadores
1. Entre os
dirigentes das igrejas que sofreram martírio nas cidades célebres, o primeiro
que devemos proclamar como mártir nos monumentos erigidos aos santos do reino
de Cristo é Antimo, bispo da cidade de Nicomedia, que foi decapitado.
2. Dos mártires de
Antioquia, Luciano, excelentíssimo presbítero daquela igreja por toda sua vida,
o mesmo que, em Nicomedia, em presença do imperador, proclamou o reino
celestial de Cristo, primeiro por palavra, com uma apologia, e logo também
pelas obras.
3. Dos mártires da
Fenícia, os mais ilustres podem ser os pastores do rebanho espiritual de
Cristo, amados de Deus em tudo, Tiranion, bispo da igreja de Tiro; Zenóbio,
presbítero da de Sidon, e também Silvano, bispo das igrejas da comarca de
Emesa.
4. Este último,
junto com outros, foi pasto das feras na mesma Emesa e recebido assim entres os
coros dos mártires. Quanto aos outros dois, ambos glorificaram o Verbo de Deus
em Antioquia com sua constância até a morte: o bispo, lançado aos abismos do
mar; e Zenóbio, o melhor dos médicos, morrendo valorosamente em meio às
torturas que lhe aplicaram aos costados.
5. Entre os
mártires da Palestina, Silvano, bispo das igrejas da comarca de Gaza, foi
decapitado, junto com outros trinta e nove, nas minas de cobre de Feno; e ali
mesmo terminaram sua vida pelo fogo, junto com outros, os bispos egípcios Peleo
e Nilo.
6. E entre estes
mencionaremos a grande glória da igreja de Cesaréia, o presbítero Pánfilo, o
mais admirável de nossos tempos; já descreveremos no momento oportuno a
excelência de suas façanhas.
7. Entre os
gloriosamente consumados em Alexandria, em todo Egito e na Tebaida, citaremos
em primeiro lugar Pedro, bispo da própria Alexandria, exemplar divino de
mestres da religião de Cristo; e os presbíteros que com ele estavam, Fausto,
Dío e Ammonio, mártires perfeitos de Cristo; assim como Fileas, Hesiquio,
Paquimio e Teodoro, bispos das igrejas do Egito, e outros inúmeros além deles,
todos ilustres, dos quais fazem memória as igrejas de cada região e de cada
lugar. Colocar por escrito os combates dos que lutaram pela religião divina em
toda a terra habitada e narrar com exatidão tudo o que lhes aconteceu não é
tarefa nossa, mas poderiam torná-la própria os que captaram os fatos com seus
próprios olhos. Quanto aos que eu mesmo presenciei, darei a conhecê-los à
posteridade por meio de outro livro.
8. Na presente
obra, ao já dito acrescentarei a palinódia cantada pelo que se pôs contra nós
desde o começo da perseguição, que será do máximo proveito para os leitores.
9. Agora bem, que
palavras seriam bastantes para descrever a abundância de bens e a prosperidade
de que foi digno o governo de Roma antes de sua guerra contra nós, durante o
período em que os governantes eram amigáveis e pacíficos conosco? Era o tempo
em que os que governavam o império universal cumpriam o décimo e o vigésimo
aniversário de seu comando e passavam sua vida em completa e sólida paz entre
festas, jogos públicos e esplêndidos banquetes e festins.
10. Mas quando sua
autoridade, livre de obstáculos, crescia dia a dia e prosperava a grandes
passos, de repente deram uma mudança em sua pacífica disposição para conosco e
suscitaram uma guerra sem quartel. Mas não se haviam cumprido os dois anos de
semelhante movimento quando por todo o Império se produziu algo imprevisto que
transtornou todos os assuntos.
11. Efetivamente,
havendo-se abatido sobre o primeiro e principal dos que mencionamos uma
enfermidade que não augurava nada bom e que lhe transtornou a mente até
aliená-lo, retirou-se à vida comum e privada junto com o que ocupava o segundo
posto nas honras. Mas, ainda não se tinha isto realizado assim, e já o Império
se partia em dois, todo ele, coisa que jamais no que se recorda ocorreu
anteriormente.
12. Mas ao cabo de
não muito longo intervalo, o imperador Constâncio, que em toda sua vida havia
tratado a seus súditos com a maior suavidade e benevolência e à doutrina divina
com a melhor amizade, terminou sua vida segundo a lei comum da natureza,
deixando seu filho legítimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar.
Bondoso e suave mais que os outros imperadores, ele foi o primeiro dentre eles
ao qual proclamaram deus, por considerá-lo digno de toda a honra que se deve a
um imperador depois de sua morte.
13. Ele foi também
o único dos nossos contemporâneos que durante todo o tempo de seu mandato
portou-se de um modo digno do Império. No demais, mostrou-se para todos o mais
favorável e benfeitor, e não participou o mínimo da guerra contra nós, antes
até, preservou livres de dano e de constrangimentos os fiéis que eram seus
súditos. Tampouco derrubou os edifícios das igrejas nem admitiu novidade alguma
contra nós, e teve o final de sua vida triplamente abençoado, pois foi o único
que morreu querido e glorioso em seus próprios domínios imperiais, junto a um
sucessor, seu legítimo filho, prudentíssimo e muito piedoso em tudo.
14. Seu filho
Constantino, imediatamente proclamado desde o início imperador absoluto e
augusto pelas legiões, e muito antes destas, pelo próprio Deus, imperador
universal, mostrou-se cópia de seu pai na piedade para com nossa doutrina.
Assim era este homem. Mas, além deles, proclamou-se a Licínio como imperador e
augusto por voto comum dos imperadores.
15. Isto irritou
terrivelmente a Maximino, que até este momento ainda seguia com o único título
de césar. Em consequência, como era um grande tirano, arrebatou para si
fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si.
E neste tempo
surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que,
como foi demonstrado, depois de sua abdicação voltou ao cargo e morreu com a
mais vergonhosa morte. Foi o primeiro de quem destruíram as inscrições
honoríficas, as estátuas e tudo o que se costumava oferecer, como de um homem
por demais sacrílego e ímpio.
XIV.
Do caráter dos inimigos da religião
1. Seu filho
Maxêncio, que em Roma havia-se constituído em tirano, começou fingindo ter
nossa fé, por agradar e adular o povo romano, e por esta razão ordenou a seus
súditos interromper a perseguição contra os cristãos, simulando piedade e
pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus
antecessores.
2. Na verdade não
resultou nas obras como se esperava que fosse, mas que, chegando a todo tipo de
sacrilégios, não descuidou de uma só obra de perversidade e desregramento,
cometeu adultérios e todo tipo de corrupção. Por exemplo, separando de seus
maridos as legítimas esposas, ultrajava-as da maneira mais desonrosa e em
seguida mandava-as de volta aos maridos; e cuidava de não fazer isto com
pessoas insignificantes e obscuras, mas antes, escolhia dentre os mais eminentes
dos que haviam alcançado os primeiros postos do senado romano31.
3. Todos os que
estavam a sua mercê, plebeus e magistrados, famosos e gente comum, todos
estavam cansados de tão terrível tirania, e ainda que estivessem em calma e
suportassem sua amarga escravidão, ainda assim, não mudava em nada a
sanguinária crueldade do tirano. Efetivamente, às vezes com um pretexto fútil
dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matança contra o
povo, e assim foram assassinadas multidões incontáveis do povo romano no meio
da cidade, e não por obra das lanças e armas dos citas e bárbaros, mas dos
próprios cidadãos.
4. Assim, por
exemplo, não é possível calcular o número de senadores assassinados com vistas
a apoderar-se de suas fortunas, pois foram infinitos os eliminados em
diferentes ocasiões e por diferentes causas, todas inventadas.
5. Mas o cúmulo dos
males levou o tirano à magia. Com vistas à magia fazia abrir o ventre de
mulheres grávidas, escrutinar as entranhas de crianças recém-nascidas ou
degolar leões, e criava algumas abomináveis invocações sobre demônios e um
sacrifício conjurador da guerra, pois ele tinha posto toda sua esperança nestes
meios para chegar à vitória.
6. Em consequência,
enquanto ele esteve como tirano em Roma, é impossível dizer o que fez para
escravizar seus súditos, tanto que os próprios víveres mais necessários
chegaram a uma escassez e penúria tão extremas como nossos contemporâneos não
lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte.
7. Quanto ao tirano
do Oriente, Maximino, tendo feito um pacto secreto de amizade com o de Roma,
como com um irmão na maldade, esforçava-se em ocultá-lo o maior tempo possível,
mas foi descoberto e pagou logo como lhe era merecido.
8. Era de admirar
como também ele havia conseguido afinidade e irmandade, e mais, o primeiro
lugar em maldade e a palma em perversidade, com o tirano de Roma. Efetivamente,
considerava os principais charlatães e magos dignos da mais alta honra, de tão
medroso e extremamente supersticioso que era e pela importância que dava a
errar em matéria de ídolos e demônios. Sem consultar adivinhos e oráculos era
absolutamente incapaz de atrever-se a mover, por assim dizer, sequer uma unha.
9. Esta foi a causa
de que se entregasse com maior fúria e frequência à perseguição contra nós. Deu
ordem de levantar templos em todas as cidades e renovar diligentemente os
santuários destruídos pelo passar do tempo; estabeleceu em cada lugar e em cada
cidade sacerdotes de ídolos, e sobre estes, como sumo sacerdote de cada
província, com escolta e guarda militar, um dos magistrados que mais
brilhantemente houvessem se distinguido em todos os cargos públicos, e por fim,
presenteou o comando e as maiores honras, sem a menor reserva, a toda classe de
feiticeiros, por crê-los gente piedosa e amiga dos deuses.
10. Partindo destes
princípios, vexava e oprimia já não uma cidade ou uma região, mas todas as
províncias que estavam sob seu domínio, com cobranças de ouro, prata e riquezas
sem conta, e com gravíssimas acusações falsas e outras diferentes penas,
segundo a ocasião. Tomando dos ricos os bens acumulados por seus antepassados,
distribuía a mãos cheias riquezas e montes de dinheiro aos aduladores que o
rodeavam.
11. Na verdade,
entregava-se a tais excessos de bebida e de embriaguez que, bebendo,
enlouquecia e perdia a razão, e dava tais ordens estando bêbado, que no dia
seguinte, recobrados os sentidos, tinha que arrepender-se. Não se permitia
ficar atrás de ninguém como crápula e desregrado, tornando-se mestre de maldade
para os que o rodeavam, governantes e governados. Incitava o exército com todo
tipo de prazeres e intemperanças a entregar-se à frouxidão, e provocava os
governantes e comandantes militares a cair sobre os súditos com rapinas e
mesquinhez, tendo-os quase como companheiros de tirania.
12. Para que
recordar as torpezas passionais daquele homem ou contar a multidão de mulheres
que corrompeu? De fato, não passava por uma cidade sem cometer adultérios
continuamente e raptar donzelas.
13. Saía-se bem nessas
façanhas com todos, exceto unicamente com os cristãos, que, desprezando a
morte, desdenhavam tamanha tirania. Os homens, efetivamente, suportavam o fogo
e o ferro, a crucificação, as feras e as profundezas do mar, que lhes
amputassem e queimassem os membros, que lhes furassem e arrancassem os olhos; a
mutilação, enfim, de todo o corpo e, como se fosse pouco, a fome, as minas e as
correntes, mostrando-se em tudo isto mais prontos a padecer pela religião do
que a dar aos ídolos o culto devido a Deus.
14. E quanto às
mulheres, não menos fortalecidas que os homens pelo ensinamento da doutrina
divina, umas suportavam os mesmos combates que os homens e levaram os mesmos
prêmios por sua virtude; outras, arrastadas para serem desonradas, preferiram
entregar sua alma à morte antes que o corpo à desonra.
15. E certo que, de
todas as que foram violadas pelo tirano, somente uma, cristã e das mais
distintas e ilustres de Alexandria, conseguiu com sua firmeza mais que varonil
vencer a alma apaixonada e dissoluta de Maximino. Mesmo sendo muito célebre por
sua riqueza, sua linhagem e sua educação, tudo preteria a sua castidade.
Maximino insistiu muito, mas não era capaz de matar a que já estava disposta a
morrer, pois sua paixão era mais forte do que sua cólera. Condenou-a então ao
desterro e confiscou toda sua propriedade.
16. E outras
incomparáveis mulheres, não podendo nem escutar sequer ameaças de violação,
suportaram por parte dos governadores de província todo tipo de tormentos, de
torturas e de suplícios mortais.
Por isso também
estas foram admiráveis. Mas, a mais extraordinariamente admirável foi aquela
mulher de Roma, a mais nobre em verdade e a mais casta de todas quantas o
tirano dali, Maxêncio, tentara atropelar, imitando Maximino.
17. Efetivamente,
assim que soube (também ela era cristã) que estavam em sua casa os que serviam
ao tirano em tais empreitadas, e que seu marido, ainda que prefeito dos
romanos, por medo havia permitido que a levassem com eles, pediu permissão por
um momento com o pretexto de arrumar-se, e entrando em seu quarto, sozinha, ela
mesma cravou-se uma espada e morreu instantaneamente. Aos que a levariam deixou
seu cadáver, mas a todos os homens presentes e futuros mostrou com suas ótimas
obras, mais sonoras que qualquer voz, que a única coisa invencível e
indestrutível é a virtude dos cristãos.
18. Tal abundância
de maldade acumulou-se, de fato, num mesmo tempo por obra dos dois tiranos que
haviam recebido separadamente Oriente e Ocidente. E quem, procurando a causa de
tantos males, poderia duvidar que fossem produzidos pela perseguição a nós?
Pelo menos este estado de confusão não cessou de modo algum até que os cristãos
obtivessem a liberdade.
XV.
Do acontecido aos de fora
1. O fato é que,
durante todo o decênio que durou a perseguição, não deixaram de conspirar e
fazer-se a guerra mutuamente. Os mares eram inavegáveis, e todos que
desembarcavam de onde quer que fosse, não escapavam de ser submetidos a toda
classe de maus-tratos: retorciam-nos sobre o potro e laceravam-lhes as costas,
enquanto os interrogavam entre torturas de toda espécie se não procediam do
lado inimigo; e por último submetiam-nos ao suplício da cruz ou do fogo.
2. Além disso, por
toda parte fabricavam-se e se preparavam escudos e couraças, dardos, lanças e
demais instrumentos de guerra, assim como trirremes e armas navais. Ninguém
podia esperar cada dia outra coisa senão um ataque dos inimigos. E como se
fosse pouco, também a fome e a peste subsequentes se abateram sobre eles; mas
disto contaremos o necessário há seu tempo.
XVI.
Da mudança e melhora da situação
1. Esta era a
situação ao longo da perseguição, que com a ajuda da graça de Deus, no décimo
ano já estava terminada, ainda que de fato tenha começado a ceder depois do
oitavo. Efetivamente, assim que a graça divina e celestial começou a mostrar
uma preocupação benévola e propícia para conosco, também nossos governantes,
aqueles mesmos que nos haviam feito a guerra, mudaram milagrosamente de
pensamento e cantaram a palinódia, extinguindo mediante editos favoráveis e ordens
cheias de suavidade a fogueira da perseguição, que havia alcançado tal
amplidão.
2. Mas a causa
desta mudança não foi algo próprio dos homens, nem como alguém poderia dizer,
compaixão ou humanidade dos governantes, nem muito menos, já que eles mesmos eram
os que cada dia, desde o começo até esse momento, imaginavam mais e piores
suplícios contra nós, renovando constantemente, umas vezes de um modo e outras
de outro, com diversas invenções, os maus-tratos que nos infligiam. Foi mais
evidentemente uma visita da própria providência divina, que reconciliou o povo
consigo, atacou o perpetrador de nossos males e descarregou sua ira sobre o
líder da maldade e de toda a perseguição,
3. já que, ainda
que isto houvesse de ocorrer por juízo de Deus, não obstante, a Escritura diz:
Ai daquele por quem venha o escândalo! Alcançou-os, pois, um castigo divino
que, começando por sua própria carne, avançou até sua alma.
4. Efetivamente, de
repente saiu-lhe um abcesso em meio às partes secretas de seu corpo, e logo uma
chaga fistulosa em profundidade. Sem possibilidade de cura, foram-lhe corroendo
até o mais fundo das entranhas. Dali brotava um ninho de vermes e exalava um
fedor mortal, já que a massa de suas carnes, produzida pela abundância de
alimento e transformada já antes da enfermidade em uma quantidade excessiva de
gordura, ao apodrecer então, oferecia o aspecto mais insuportável e espantoso
aos que se aproximavam.
5. Dos médicos,
uns, absolutamente incapazes de suportar a exagerada enormidade do fedor, eram
degolados; outros, sem poder ajudá-lo em nada por estar inchada toda a massa e
já não haver esperança de salvação, eram assassinados sem piedade.
XVII.
Da palinódia dos soberanos
1. Lutando contra
males tão grandes, deu-se conta das atrocidades que havia ousado cometer contra
os adoradores de Deus e, em consequência, recolhendo em si seu pensamento, primeiramente
confessou o Deus do universo e depois, chamando os de seu séquito, deu ordens
para que, sem tardar um momento, fizessem cessar a perseguição contra os cristãos
e que, mediante uma lei e um decreto imperiais, se dessem pressa em reconstruir
suas igrejas e praticassem o culto de costume, oferecendo orações pelo
imperador.
2. Imediatamente
pois, as obras seguiram as palavras, e por todas as cidades se divulgou um
edito que continha a palinódia do que foi feito conosco, nos seguintes termos:
3. "O
Imperador César Galério Valério Maximiano, Augusto Invicto, Pontífice Máximo,
Germânico Máximo, Egípcio Máximo, Tebeu Máximo, Sármata Máximo cinco vezes,
Persa Máximo duas vezes, Carpo Máximo seis vezes, Armênio Máximo, Medo Máximo,
Adiabeno Máximo, Tribuno da Plebe vinte vezes, Imperator dezenove vezes, Cônsul
oito vezes, Pai da Pátria, Procônsul;
4. E o Imperador
César Flávio Valério Constantino Augusto Pio Félix Invicto, Pontífice Máximo,
Tribuno da Plebe, Imperator cinco vezes, Cônsul, Pai da Pátria, Procônsul;
5. E o Imperador
César Valério Liciniano Licínio Augusto Pio Félix, Invicto, Pontífice Máximo,
Tribuno da Plebe quatro vezes, Imperator três vezes, Cônsul, Pai da Pátria,
Procônsul, aos habitantes de suas próprias províncias, saúde.
6. Entre as outras
medidas que tomamos para utilidade e proveito do Estado, já anteriormente foi
vontade nossa endereçar todas as coisas conforme as antigas leis e ordem
pública dos romanos e prover para que também os cristãos, que tinham abandonado
a seita de seus antepassados, voltassem ao bom propósito.
7. Porque, devido a
alguma razão especial, é tão grande a ambição que os retém e a loucura que os
domina, que não seguem o que ensinaram os antigos, o mesmo que talvez seus
próprios progenitores estabelecessem anteriormente, mas, segundo o próprio
desígnio e a real vontade de cada um, fizeram leis para si mesmos, e guardam
estas, tendo conseguido reunir multidões diversas em diversos lugares.
8. Por esta causa,
quando a isto seguiu uma ordem nossa de que mudassem para o estabelecido pelos
antigos, um grande número esteve sujeito a perigo, e outro grande número viu-se
perturbado e sofreu toda classe de mortes.
9. Mas como a
maioria persistisse na mesma loucura e víssemos que nem rendiam aos deuses
celestes o culto devido nem atendiam ao dos cristãos, firmes em nossa
benignidade e em nosso constante costume de outorgar perdão a todos os homens,
críamos que era necessário estender também de boa vontade ao presente caso
nossa indulgência, para que novamente haja cristãos e reparem os edifícios em
que se reuniam, de tal maneira que não pratiquem nada contrário à ordem
pública. Por meio de outra carta mostrarei aos juízes o que deverão observar.
10. Em consequência,
em troca desta nossa indulgência, deverão rogar a seu Deus por nossa salvação,
pela do Estado e por sua própria, com o fim de que, por todos os meios, o
Estado se mantenha são e possam eles viver tranquilos em seus próprios
lares."
11. Este era o teor
do edito escrito em língua latina e tradução dentro do possível para o grego. O
que ocorreu depois disto, já é tempo de examiná-lo.
Agora bem, o autor
deste edito, depois de semelhante confissão, ficou imediatamente livre das
dores, ainda que não por muito tempo, e morreu. Uma tradição diz que este foi o
primeiro causador da calamidade da perseguição. Já de antigamente, antes que os
demais imperadores se movessem, ele havia forçado a mudar de parecer os
cristãos que estavam no exército e, é claro, começando pelos que estavam em sua
casa. A uns tirou a dignidade militar, a outros vexou da maneira mais indigna e
a outros inclusive ameaçou com a morte. Por último, induziu seus sócios
imperiais à perseguição contra todos. Não ficaria bem que silenciássemos sobre
o final que estes tiveram.
Foram,
pois, quatro os que haviam repartido o governo supremo. Os que pelo tempo e
pelas honras tinham a precedência, quando ainda não haviam se cumprido dois
anos do início da perseguição, retiraram-se do comando, como já explicamos
acima. E depois de passar o resto de suas vidas como simples pessoas privadas,
tivera o seguinte fim:
O
que pelas honras e pela idade ocupava o primeiro lugar, acabou minado por uma
longa e penosa enfermidade física; e o que depois dele ocupava o segundo posto,
truncou sua vida enforcando-se; e isto sofreu, segundo divina profecia, por
causa dos numerosíssimos crimes que havia cometido.
E
dos que seguiam a estes, o último, de quem já dissemos que foi efetivamente o
causador da perseguição, padeceu males tão grandes como os já mencionados
anteriormente. Por outro lado, o que precedia a este, a saber, o mui benigno e
suavíssimo imperador Constâncio, que passou todo o tempo de seu governo de uma
maneira digna do principado e que, em tudo o mais, mostrou-se o mais favorável
e o mais benfeitor para com todos, depois de manter-se à margem da guerra
contra nós, recebeu em troca um final de vida realmente feliz e triplamente
abençoado, pois foi o único a morrer feliz e gloriosamente no exercício de seu
cargo imperial e deixando como sucessor nele seu filho legítimo, em tudo
prudentíssimo e muito religioso.
Este
foi imediatamente proclamado pelas legiões imperador perfeitíssimo e augusto, e
constituiu-se em imitador da piedade paterna para com nossa doutrina. Assim foi
a morte dos quatro supracitados ocorrida em tempos diferentes.
Destes,
o único que ainda vivia, o mencionado um pouco mais acima, junto com os que
depois disto foram introduzidos no governo, fez pública ante todos a confissão
acima mencionada, mediante o edito que já expusemos antes.
Eusébio de Cesareia - foi bispo da Igreja Católica em Cesareia. Considerado Pai da História da Igreja, pois, seus escritos estão diretamente ligados aos relatos da Igreja Primitiva. Viveu entre 265 - 339 d.C. Sucedeu o bispo Agapio.
Esteve presente no Concílio de Niceia e foi o responsável editor e criador do Credo Nicenoconstantinopolitano.
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