Em 4 de novembro de 2025, o Dicastério para a Doutrina da fé, publicou o documento "Mater Populi Fidelis", assinada pelo Prefeito, Cardeal Victor Manuel Fernadez e pelo secretário da seção doutrinária, Monsenhor Armando Matteo e aprovada pelo Santo Padre o Papa Leão XIV dom 7 de outubro.
Trata-se de um documento a fim de esclarecer pontos importantes da Fé católica a respeito de Maria. Com o propósito de orientar todo o povo de Deus e conter certos exageros. O documento é esclarecedor e todo católico, principalmente os formadores e catequistas devem lê-lo para aprimorar ainda mais o conhecimento do verdadeiro papel de Maria na história da salvação e na Igreja.
Fernández:
“Mater Populi Fidelis” é um sinal de cuidado pela fé do povo de
Deus
Foi apresentada, na Cúria Geral da Companhia de Jesus, a nota do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre os títulos marianos. O cardeal prefeito: é fruto de reflexões de décadas, “não agradará a todos”, mas com seu equilíbrio não sobrecarrega os fiéis com “questões teológicas”. Gronchi: o título de “Corredentora” corre o risco de obscurecer a única mediação sacrificial de Cristo e, portanto, pode gerar confusão na harmonia das verdades da fé cristã.
Edoardo Giribaldi -
Vatican News
Reunir
dúvidas e sugestões recebidas pela Santa Sé nas últimas décadas para esclarecer
alguns aspectos da relação entre Maria e o povo de Deus. A devoção à Virgem é
um "tesouro da Igreja", capaz de ajudar os fiéis a venerá-la como
"uma deles", compartilhando seus sentimentos e "problemas",
e abrindo seus corações "à graça que só Deus pode criar e comunicar no
mais íntimo de nossos corações". Analisando esses aspectos, o novo
documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, intitulado Mater Populi Fidelis.
Nota doutrinal sobre alguns títulos marianos referidos à cooperação de Maria na
obra da Salvação, foi apresentado esta terça-feira, 4 de novembro, na Cúria
Geral da Companhia de Jesus. Na apresentação intervieram o cardeal Víctor
Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, e o professor
Maurizio Gronchi, docente da Pontifícia Universidade Urbaniana e consultor do
Dicastério. O encontro foi moderado por monsenhor Armando Matteo, secretário da
seção doutrinal do Dicastério.
Dúvidas e propostas dos
fiéis
O
documento tem um valor "especial" e "superior" em
comparação com os publicados nos últimos dois anos, enfatizou o cardeal
Fernández em suas observações, especificando que o mesmo, assinado pelo Papa,
pertence ao Magistério ordinário da Igreja e "deve ser levado em
consideração no estudo e aprofundamento dos temas mariológicos". Um texto,
acrescentou o purpurado argentino, que não caiu "do céu", pois
responde a dúvidas e propostas que chegaram à Santa Sé nos últimos trinta anos
a respeito da devoção e dos títulos marianos. Já durante o tempo do então
cardeal Joseph Ratzinger, o tema havia sido cuidadosamente abordado, dando
origem a uma análise à qual São João Paulo II dedicou "particular
atenção". Isso, observou o purpurado, mostra como o documento está
enraizado em décadas de reflexão.
"A relação de Maria
conosco"
Em
seguida, o cardeal ofereceu algumas chaves de leitura para a compreensão da
Nota. A exortação apostólica Evangelii gaudium, explicou ele, trata da
proclamação do Evangelho e não do tema mais amplo da evangelização. Da mesma
forma, Mater Populi Fidelis aborda especificamente a "relação de Maria
conosco", ou seja, a autêntica "devoção mariana à luz da Palavra de
Deus". O tema subjacente do documento é, portanto, a "maternidade de
Maria para com os fiéis", um tema que "provoca a devoção dos
fiéis" e abrange dois aspectos fundamentais: sua proximidade materna e sua
intercessão. "Não é necessário inventar outros conceitos para enaltecer o
papel de Maria na vida dos fiéis", afirmou o cardeal. O documento
aprofunda-se na devoção mariana na Bíblia, confirmando que ela não é "uma
invenção da Igreja" nem um produto "meramente psicológico ou
cultural", mas "uma obra do Espírito Santo nos fiéis".
Aprender a
"confiança revigorante"
A
devoção mariana é, portanto, apresentada como um "tesouro da Igreja".
“Não queremos julgar os cristãos comuns como crentes de segunda classe porque
não fizeram cursos de teologia ou porque não participam de estruturas
eclesiais”, enfatizou o cardeal. “Em vez disso, queremos aprender com eles a
confiança revigorante, a capacidade de confiar sem hesitação, a ternura viva do
seu amor espontâneo pelo Senhor e por Sua Mãe.” Muitos fiéis, observou ele, não
duvidam da transcendência: “Eles não questionam se Deus existe ou não; sabem
com certeza que precisam do mistério que os ultrapassa.” É uma fé que se
expressa de modo próprio, não por meio de palavras ou teorias, mas como uma
“expressão mistagógica e simbólica daquela atitude evangélica de confiança no
Senhor que o Espírito Santo inspira livremente nos crentes.” Ao adornarem
imagens marianas, os fiéis reconhecem e honram a “Maria histórica”, que é “uma
deles”: uma mãe que carregou seu filho no ventre, o criou e enfrentou as
dificuldades da maternidade. A Virgem é também aquela que "compreende o
que significa ser migrante ou exilado" e sabe o que significa "ser
desprezado por pertencer à família de um pobre carpinteiro". O título do
documento, explicou Fernández, mostra como a devoção mariana não é "uma
questão individual", mas se estende a toda a população de fiéis:
um
conceito que encontra expressão concreta em peregrinações, experiências
comunitárias, mas também íntimas e pessoais.
Discernir
para preservar
É
neste contexto que surge a “preocupação” em esclarecer a legitimidade de alguns
títulos marianos. De fato, existem grupos e publicações, inclusive online, que
"frequentemente levantam dúvidas entre os fiéis mais simples". O
documento, portanto, distingue entre títulos que correspondem "a uma
genuína devoção mariana inspirada pelo Evangelho" e outros que "não
favorecem uma compreensão adequada da harmonia da mensagem cristã". Não se
trata, esclareceu, de "julgar as intenções dos fiéis que buscam novas formas
de expressar a beleza de Maria", mas de discernir para preservar a
"fé genuína". Um estudo que abordou o título de Maria
Corredentora", mas não só isso, deparou-se com o que o cardeal chamou de
"grande problema": "Alguns não respeitaram o embargo e
publicaram o que o nosso documento diz sobre o título Corredentora, mas esses
parágrafos são incompreensíveis a menos que se leia o documento inteiro. E
depois acrescentam nos seus comentários: 'Mas não diz isso, mas não diz
aquilo', e esses aspetos são discutidos cinco, dez, vinte páginas depois."
A
Nota convida-nos a considerar os textos bíblicos que afirmam com veemência a
unicidade de Cristo. "Não há salvação em nenhum outro", afirmam os
Atos dos Apóstolos, e "Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e
os homens: o homem Cristo Jesus", lemos na Primeira Carta a Timóteo. A
partir destas passagens, a Igreja explicou o "lugar único de Cristo",
o que, contudo, não exclui que "em outros sentidos, o Filho envolva Maria
numa mediação partilhada."
A
devoção mariana dos Papas
O
purpurado acrescentou uma reflexão não presente no texto escrito da Nota,
explicando que esta pretende "acompanhar e apoiar" o amor dos fiéis
por Maria e a confiança na sua intercessão materna, evitando, porém, que esta
devoção perca o seu "frescor" e a "fragrância do
Evangelho". Nesta perspectiva, o documento procura superar a dialética
entre o "maximalismo e o minimalismo" mariano: entre o excesso que
corre o risco de "divinizar" a Virgem e a redução que a esvazia,
reduzindo-a a um mero símbolo. Entre estes dois extremos encontra-se a posição
adotada pelos últimos três Pontífices, numa síntese de "avaliação positiva
e cuidado vigilante". Assim, em Bento XVI, reconheceu-se uma devoção
mariana "sóbria, mas intensa". No Papa Francisco, uma devoção mais
"exuberante e popular", exemplificada pelos seus gestos simples e
constantes: a visita à Salus Populi Romani antes e depois de cada Viagem
Apostólica, ou a oração diante da imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Falando
de Francisco, o purpurado argentino também compartilhou uma lembrança pessoal:
em conversas com seu compatriota, o Papa Francisco, sobre temas complexos, ele
às vezes pedia uma pausa e meditava por um momento em oração diante daquela
efígie mariana. "Na manhã de sua morte, quando fui chamado para me
despedir dele, parei por um momento diante de sua mesa de cabeceira: havia
várias imagens da Virgem Maria, a quem ele tanto amava. Senti profunda emoção e
ternura." O mesmo se aplica à fé mariana sólida e "intensa" do
Papa Leão XIV, que, como membro do Dicastério para a Doutrina da Fé, participou
da Feria IV e assinou a Mater Populis Fidelis como Pontífice. "Talvez este
documento", afirmou Fernández, "não agrade a todos, mas sua força
reside em seu equilíbrio: ao superar a oposição estéril entre o maximalismo e o
minimalismo marianos, demonstra um cuidado genuíno com a fé do povo de Deus,
sem sobrecarregá-la com questões teológicas que não conseguem tocar o coração
de sua experiência e amor por Maria."
A
“maternidade espiritual” de Maria
O
texto retorna, assim, “ao centro”: à “maternidade espiritual” de Maria,
manifestada em sua intercessão e em seus gestos maternos concretos que abrem o
coração “à graça que só Deus pode criar e comunicar no mais íntimo de nossos
corações”. A nota, concluiu o cardeal,
apresenta-se,
portanto, como um apoio e acompanhamento aos fiéis, sem complicar a doutrina
“com questões que não dizem respeito às preocupações da grande maioria dos
fiéis nem acrescentam nada de essencial ao seu amor por Maria”.
O
título de "Corredentora"
O
professor Gronchi retomou a palavra, lembrando que já no século X, Maria era
por vezes chamada de "redentora", título que mais tarde se
transformou em "corredentora". Embora este título tivesse a intenção
de enfatizar a sua "maternidade divina", a sua natureza teológica
problemática foi destacada em vários aspetos. Alguns Pontífices usaram-no no
passado, mas sem definir claramente o seu significado. Foi o então cardeal
Ratzinger, em particular, quem respondeu ao pedido de uma definição dogmática
da corredenção da Virgem, declarando: "O significado preciso dos títulos
não é claro, e a doutrina neles contida também não é clara." O professor
destacou que, apesar de já o ter feito no passado, João Paulo II, após a Feria
IV da então Congregação para a Doutrina da Fé, em fevereiro de 1996, não
utilizou o título "Corredentora" para se referir a Maria na encíclica
Redemptoris Mater, documento no qual o Pontífice "explica o papel" da
Virgem "na obra da redenção". O Papa Francisco, observou o eólogo,
também se expressou de forma semelhante, afirmando que a Virgem "nunca
quis tomar para si nada que pertencesse a seu Filho: nunca se apresentou como
corredentora", mas como "discípula". "A conclusão da nota é
clara e inequívoca", disse Gronchi: "É sempre inoportuno o uso do
título de Corredentora para definir a cooperação de Maria. Este título corre o
risco de obscurecer a única mediação salvífica de Cristo e, portanto, pode
gerar confusão e desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã."
O
título de "Medianeira"
O
docente passou em seguida a analisar o título "Medianeira", usado
pelos padres orientais já no século VI e tornando-se mais comum no Ocidente a
partir do século XII. É "inevitável que se aplique a Maria no sentido
subordinado", sem a pretensão de acrescentar "alguma eficácia, ou
potência, à única mediação de Jesus Cristo". O Concílio Vaticano II, de
fato, preferiu usar a definição de "cooperação materna". No entanto,
Gronchi esclareceu que é preciso lembrar que a unicidade da mediação de Cristo
é inclusiva, uma vez que inspira várias formas de cooperação
participativa" nas criaturas, sempre proveniente de uma única fonte. No
caso da Virgem, sua devoção não deriva de "méritos" pessoais, mas
"daquilo que a graça da Trindade operou nela. Embora de maneira singular,
ela está ao lado das criaturas, dos discípulos, dos fiéis, ao nosso lado.
Quando nos esforçamos para atribuir a ela funções ativas paralelas às de
Cristo, nos distanciamos daquela incomparável beleza que lhe é própria."
O
título de "Mãe dos fiéis"
A
mediação de Maria, continuou Gronchi, se realiza "de forma maternal",
tornando-a um modelo para a Igreja: não apenas a mãe dos discípulos, mas
"de toda a humanidade". Desta perspectiva, é necessário nos
distanciarmos claramente da ideia de que Maria vem se interpor entre Deus e a
humanidade como uma espécie de "para-raios", contrapondo-se à ideia
de um "Deus irado, um juiz apaziguado pelo sacrifício de seu Filho",
e posicionando a Virgem como uma "alternativa necessária diante da
insuficiente misericórdia de Deus". Como lembrou o Papa Leão XIV em sua
homilia na Missa do Jubileu da Santa Sé, "a fecundidade da Igreja é a
mesma fecundidade de Maria" e se realiza nos fiéis na medida em que vivem,
em pequena escala, o que a Mãe viveu: amar segundo o amor de Cristo.
O
título de "Mãe da graça"
O
documento presta especial atenção ao título de "Mãe da graça". Embora
reconheça o papel de Maria na vida da graça dos fiéis, Gronchi explicou que
expressões que a descrevem como um "depósito de graça separado de
Deus" ou como uma "fonte da qual emana toda graça" devem ser
evitadas. Aqui também se aplica o juízo expresso pelo então cardeal Ratzinger,
segundo o qual o título "Medianeira de todas as graças" "não se
fundamentava claramente na Revelação divina". A maternidade da Virgem na
ordem da graça, esclareceu Gronchi, tem natureza dispositiva e intercessora:
ajuda os fiéis a prepararem seus corações para a graça, "que só o Senhor
pode infundir". Portanto, atribuir a ela "mediação" na
realização de uma obra exclusivamente divina não honra a Virgem. Por fim, a
nota recorda uma importante advertência, também presente nas normas para o
discernimento de supostos fenômenos sobrenaturais: mesmo quando a Igreja
concede o nihil obstat, tais eventos "não se tornam objetos de fé" e
os fiéis "não são obrigados a venerá-los".

