Muitos perguntam, o
que é afinal, esta teologia da libertação?
Vou responder esta pergunta com a
resposta que deu a ela a autoridade da Igreja Católica; o Cardeal Joseph
Ratzinguer, escolhido pelo Papa João Paulo II, em 1981, para ser o Prefeito da
Sagrada Congregação da Doutrina da Fé; aquela que está encarregada de cuidar da
“sã doutrina” (1Tm1,10; 4,6; Tt1,9; 2,1;2,7; 2Tm4,3), que com tanta ênfase São
Paulo recomendava a Timóteo e a Tito. Hoje o então Cardeal Ratzinger é o Papa
Bento XVI.
A teologia da
libertação surgiu, mais especificamente, na América Latina, na década de 60, e
ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de Base. A partir dos
anos 80 pudemos sentir mais de perto a sua ação. Foi então que o Cardeal
Ratzinguer, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos explico a teologia
da libertação” (Revista PR,n. 276, set-out, 1984, pp354-365), onde deixou claro
todo o seu perigo. Analisando este artigo, D.Estevão Bettencourt, afirma: “O
autor mostra que a teologia da libertação não trata apenas
de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da
América Latina, mas revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da
fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese, opções morais, etc.
Entre as
afirmações, o então Cardeal Prefeito diz:
“A gravidade da
teologia da libertação não é avaliada de
modo suficiente; não entra em nenhum
esquema de heresia até hoje existente; é a subversão radical do Cristianismo,
que torna urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. (os
grifos são meus)
“A teologia da
libertação é uma nova versão do Cristianismo, segundo o racionalismo do teólogo
protestante Rudolf Bultmann, e do marxismo, usando “a seu modo”, uma linguagem
teológica e até dogmática, pertencente ao patrimônio da igreja, revestindo-se
até de uma certa mística, para disfarçar
os seus erros”.
O então Cardeal foi
muito claro ao afirmar o perigo:
“Com a análise do
fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental
para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode
existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais
perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida”.
E o Cardeal vai
explicando esta teologia “nova”:
“Essa teologia não
pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já
existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social
da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer
dizer, como nova forma de compreensão do Cristianismo na sua totalidade. Por
isso mesmo muda todas as formas da vida eclesial; a constituição eclesiástica,
a Liturgia, a catequese, as opções morais…”
“A teologia da
libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o
Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma,
um guia para tal práxis. Mas, assim como, segundo essa teologia, toda realidade
é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à
libertação deve ser um guia para a ação política”.
A libertação, para
a teologia da libertação, é conquistada pela via política, e não pela Redenção
de Jesus, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo1,29). Jesus veio
para “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21), e disse a Pilatos que “o seu Reino não é deste
mundo”. O pecado, para a teologia da libertação, se resume quase que só no
“pecado social”, mas este, não será “arrancado” com a conversão e com os
Sacramentos da Igreja, mas com a “libertação” do povo, pela luta política. Daí
o fato de haver um laxismo moral e espiritual em muitos adeptos dessa teologia.
Muitos não valorizam a celebração da Missa, a não ser como uma “celebração de
mobilização política” do povo oprimido. Não se valoriza suficientemente a
oração, a Confissão, a Eucaristia, o santo Rosário, a adoração ao Santíssimo
Sacramento, e a todas as práticas de espiritualidade tradicionais, que são,
então, consideradas superadas e até alienantes.
Conheço várias
jovens sacerdotes que se formaram em seminários fortemente influenciados pela
teologia da libertação, e que hoje deixaram o sacerdócio, ficaram esvaziados
espiritualmente… Noto que nem se realizaram no campo social e nem no campo
religioso.
O então Cardeal
Ratzinger mostrou que é difícil enfrentar esse perigo, pois, como afirma:
“Os teólogos da
libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da
Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que leem e escutam, partindo de
outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o
acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas…”
O então Cardeal
mostrou a inversão que se faz no papel da comunidade, povo e história, para a
vida da Igreja:
“A comunidade
‘interpreta’, com a sua ‘experiência’ os acontecimentos e encontra assim a sua
práxis”.
” ‘Povo’ torna-se
assim um conceito oposto ao de ‘hierarquia’ e antítese a todas as instituições
indicadas como forças da opressão. Afinal, é ‘povo’, quem participa da ‘luta de
classes’; a ‘ igreja popular’, acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de
‘história’, torna-se instância hermenêutica decisiva,…a história é a autêntica
revelação e, portanto, a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica…Pode-se dizer que o
conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação”.
Em seguida, o então
Cardeal mostra a deturpação também naquilo que é essencial: o Reino de Deus.
“Esse conceito
encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido porém no
contexto da hermenêutica marxista. Segundo Jon Sobrino, o reino não deve ser
compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva
escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido de forma partidária e voltado
para a práxis”.
Aqui se entende
porque os adeptos da TL militam nos partidos políticos que visam a “libertação
do povo”.
O Papa Paulo VI, na
Evangelii Nuntiandi, explicou o que é a verdadeira libertação:
“Acerca da
libertação que a evangelização anuncia e se esforça por atuar, é necessário
dizer antes o seguinte: ela não pode ser limitada à simples e restrita dimensão
econômica, política, social e cultural; mas deve ter em vista o homem todo,
integralmente, com todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o
absoluto, mesmo o absoluto de Deus… Mais ainda: a Igreja tem a firme convicção
de que toda a libertação temporal, toda a libertação política, mesmo que ela
porventura se esforçasse por encontrar numa ou noutra página do Antigo ou do
Novo Testamento a própria justificação,… encerra em si mesma o gérmen da sua
própria negação e desvia-se do ideal que se propõe, por isso mesmo que as suas
motivações profundas não são as da justiça na caridade, e porque o impulso que
a arrasta não tem dimensão verdadeiramente espiritual e a sua última finalidade
não é a salvação e a beatitude em Deus.”
“A libertação que a
evangelização proclama e prepara é aquela mesma que o próprio Jesus Cristo
anunciou e proporcionou aos homens pelo seu sacrifício.” (n.33)
Os adeptos da
teologia da libertação têm a enganosa mania de pensar que quem não aceita esta
teologia não trabalha pelos pobres e oprimidos e não se preocupa com eles; se
acham os únicos defensores dos excluídos; é um grande erro. A Igreja em seus
2000 anos de vida sempre socorreu os desvalidos e ainda o faz, mas nunca
precisou lançar mão de ideologias estranhas para isso; sempre agiu pelo puro
amor a Jesus Cristo que sofre no doente, no preso, no faminto, etc. A Igreja
não precisa que novos teólogos a ensinem a fazer caridade; ela a faz desde os
Apóstolos, ela é “perita em humanidade”, como disse Paulo VI.
Hoje 25% das
instituições que tratam dos aidéticos são da Igreja; em toda a História da
Igreja os santos e santas viveram a verdadeira caridade; só para citar alguns:
Santa Isabel da Hungria, S. Vicente de Paulo, S. Francisco de Assis, S. Camilo
de Lelis, S. João Bosco, Madre Teresa de Calcutá, Ira. Dulce, e milhares de
outros que nunca precisaram reinterpretar o Evangelho e politizar a fé com
métodos marxistas de luta de classes, invasão de propriedades alheias
fora, da lei, etc., para promover os
pobres. São os verdadeiros bons samaritanos do Evangelho.
O Papa João Paulo
II ao menos por duas vezes, falando aos bispos do Brasil, condenou as invasões
de terras:
1 – Ao segundo
grupo de Bispos do Brasil, do Regional Sul l da CNBB, em visita “ad limina
Apostolorum” de 13 a 28 de Março de 1996, o Papa disse:
“… mas recordo,
igualmente, as palavras do meu predecessor Leão XIII quando ensina que “nem a
justiça, nem o bem comum consentem danificar alguém ou invadir a sua
propriedade sob nenhum pretexto” (RN, 55). A Igreja não pode estimular,
inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de terras, quer por
invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira das propriedades
agrícolas.”
2 – Em discurso em
26/nov/2002 aos bispos do Brasil, ele voltou a dizer:
“Para alcançar a
justiça social se requer muito mais do que a simples aplicação de esquemas
ideológicos originados pela luta de classes como, por exemplo, através da
invasão de terras – já reprovada na minha viagem pastoral em 1991 – e de
edifícios públicos e privados, ou por não citar outros, a adoção de medidas
técnicas extremas, que podem ter consequências bem mais graves do que a
injustiça do que pretendiam resolver”.
Não podemos nos
fazer de surdos a essas palavras. Concluo com
as sábias palavras de D. Estevão:
“O cristão não pode
ser de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia
para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema
de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a
doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João
Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em
prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio
e a luta de classes”.
Resumo: O Cardeal
Joseph Ratzinger, hoje Papa emérito Bento XVI, quando Prefeito da Sagrada
Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu uma exposição sobre a Teologia da
Libertação em sua forma extremada, em 18 de março de 1984. Partindo das
respectivas premissas e realçando os conceitos característicos do sistema, o
autor mostra que a Teologia da Libertação não trata apenas de desenvolver a
ética social cristã em vista da situação sócio-econômica da América Latina, mas
revolve todas as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da
Igreja, Liturgia, Catequese, opções morais, etc. É de crer que “a gravidade da
Teologia da Libertação não seja avaliada de modo suficiente; não entra em
nenhum esquema de heresia até hoje existente”; é a subversão radical do
Cristianismo, que torna urgente “o problema do que se possa e se deva fazer
frente a ela”. É importante que o público esteja consciente de que a Teologia
da Libertação não é a extensão das promessas do Cristianismo aos problemas
morais suscitados pelas condições sócio-econômicas da América Latina, mas é uma
nova versão do racionalismo de Rudolf Bultmann e do marxismo, que utiliza a
linguagem dogmática e ascética do patrimônio antigo da fé e se reveste de
aspectos de mística cristã. O Cardeal Joseph Ratzinger fez uma explanação do que
é a Teologia da Libertação.
Tal documento é de
notável importância, pois se deriva de um sábio teólogo encarregado, em Roma,
precisamente da Congregação que acompanha a fé e os desvios da fé em nossos
dias (D. Estêvão Bettencourt, osb Pergunte e Responderemos – Ano XXV – No 276 –
1984).
EU VOS EXPLICO A
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Cardeal Joseph
Ratzinger
Para esclarecer a
minha tarefa e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias
algumas observações preliminares:
1. A teologia da
libertação é um fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um
conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais
radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária
responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de
uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellín
a Puebla.
¹O presente número
já estava impresso quando foi publicado o documento da Santa Sé sobre a
Teologia da Libertação. Será objeto de estudos no próximo número. Neste nosso
texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito:
sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram
própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares,
muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste
contexto posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que,
sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência
mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.
2. Com a análise do
fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental
paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode
existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais
perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além
disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa
verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar,
isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo
da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade
se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?
3. A teologia da
libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:
a) Essa teologia
não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já
existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social
da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer
dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua
totalidade. Por isto mesmo, muda todas as formas da vida eclesial: a
constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;
b) A teologia da
libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não
é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino-americano. Não se pode
pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também
norte-americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas
Filipinas, em Taiwan, na África – embora nesta última esteja em primeiro plano
a busca de uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é
fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da
libertação;
c) A teologia da
libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos
representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e
ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se
apresentar com a pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A
teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova
universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem
perder a sua importância.
Leia também: O que
é a Teologia da Libertação?
Verdades, erros e
perigos na Teologia da Libertação (Parte 1)
Verdades, erros e
perigos na Teologia da Libertação (Parte 2)
Verdades, erros e
perigos na Teologia da Libertação (Parte 3)
I. O Conceito de
Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese
Essas observações
preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta,
porém, a questão principal: o que é propriamente a teologia da libertação? Em
uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação
pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo
como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para
tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política,
também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser
um guia para a ação política. “Nada resta fora do empenho político. Tudo existe
com uma colocação política” (Gutierrez). Uma teologia que não seja “prática (o
que significa dizer “essencialmente política”) é considerada “idealista” e
condenada como irreal ou como veículo de conservação dos opressores no poder,
Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que
tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se
possa esvaziar a realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis
sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os
teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e
dogmática da Igreja em clave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que
escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o
patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco
estranhas mas que, unidos a tanta religiosidade, não poderiam ser tão
perigosas. Exatamente a radicalidade da teologia da libertação faz com que a
sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema
de heresia até hoje existente, A sua colocação, já de partida, situa-se fora
daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de discussão. Por isto
tentarei abordar a orientação fundamental da teologia da libertação em duas
etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a
tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que
permitem conhecer algo da estrutura da teologia da libertação. Como se chegou a
esta orientação completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na
teologia da libertação? Vejo principalmente três: fatores que a tornaram
possível.
1. Após o Concílio,
produziu-se uma situação teológica nova:
a) Surgiu a opinião
de que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por
conseguinte, se deviam procurar, o partir da Escritura e dos sinais dos tempos,
orientações teológicas e espirituais totalmente novas;
b) A ideia de
abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se freqüentemente em
uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um
novo evangelho, sem querer, reconhecer os seus limites e problemas próprios. A
psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram
considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais
contestáveis do pensamento cristão;
c) A critica da
tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente o de Bultmann e
da sua escola, tornou-se uma, instância teológica inamovível que barrou a
estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando assim também novas
construções.
2. A situação
teológica assim transformada coincidiu com uma situação da historia espiritual
também ela modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra
mundial, fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concilio,
produziu-se no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a
filosofia existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma
resposta. Nesta situação, as diferentes formas do neo-marxismo transformaram-se
em um impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que
parecia quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as
acentuações religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de
Adorno, Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais
alguns pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e,
ao mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.
3. O desafio moral
da pobreza e da opressão não se podia mais ignorar, no momento em que a Europa
e a América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este
desafio exigia evidentemente nova respostas, que não se podiam encontrar na tradição
existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada
convidava expressamente a buscar o resposta em um cristianismo que se deixasse
regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das
filosofias marxistas,
II. A Estrutura
Gnoseológica Fundamental do Teologia do Libertação
Esta resposta se
apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da libertação,
teologia da evolução, teologia política, etc. Não pode, pois, ser apresentada
globalmente, Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem continuamente
nas diferentes variações e exprimem comuns intenções de fundo. Antes de passar
aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma observação a
cerca dos elementos estruturais do teologia da libertação. Paro tal, podemos
retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada após o Concilio.
Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola como um enunciado
da “ciência” sobre Jesus, ciência que devia obviamente ser considerado como
válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto, apresentava-se separado
por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben, fosso) do Cristo da fé.
Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento,
permanecendo. porém, encerrado no mundo do judaísmo. O resultado final dessa
exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos Evangelhos: o Cristo
da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela ciência pertencem
evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi erradicada da sua
colocação na tradição por ação da ciência, considerada como instância suprema.
Deste modo, por um lado, a tradição pairava como algo de irreal no vazio, e,
por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma nova interpretação e um
novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu importância não tanto pelas suas
afirmações positivas quanto pelo resultado negativo da sua crítica: o núcleo da
fé, a cristologia, permaneceu aberto a novas interpretações porque os seus
enunciados originais tinham desaparecido, na medida em que eram considerados
historicamente insustentáveis. Ao mesmo tempo desautorizava-se o magistério da
Igreja, na medida em que o consideravam preso a uma teoria cientificamente
insustentável e, portanto, sem valor como instância cognoscitiva sobre Jesus. Os
seus anunciados podiam ser considerados somente como definições frustadas de
uma posição cientificamente superada.
Além disso,
Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda
palavra-chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica,
conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão
a ideia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através
de uma mera interpretação histórica, mas toda interpretação histórica inclui
certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em
conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo o terminologia
clássica, se trata de uma “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele
tempo”] e o “hoje”. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o
então (“naquele tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta
pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a
Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais algum
interesse. Neste sentido Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas
permaneceu a separação entre a figura de Jesus da tradição clássica e a ideia
de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma
nova hermenêutica.
A este ponto, surge
o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico
dos anos sessenta. A análise marxista da história e da sociedade foi
considerada, nesse ínterim, a única dotada de caráter “científico”, isto
significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que
a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso,
que toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O
conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de partida para a confusão entre a
imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado
com a ideia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo
como hermenêutica legítima para a compreensão da Bíblia. Ora, segundo essa
compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; por isso, contradizer
essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe
dominante para conservar o próprio poder. Gutierrez afirma: “A luta de classes é
um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente
impossível”. A partir daí, torna-se impossível até a intervenção do magistério
eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do
Cristianismo demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e
contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na
dialético da história, aliar-se-ia à parte negativo.
Essa decisão,
aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível, determina por si
o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quatro às instâncias
interpretativas, seja quatro aos conteúdos interpretados. No que diz respeito
as instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade,
experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na Sua
totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei)
e a hierarquia (magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje
tornou-se a “comunidade” tal instância. A vivência e as experiências da
comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De
novo pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de
Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e
interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto, a
interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é
mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode
ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a
sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta ideia,
podemos encontrá-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se
transformou a acentuação conciliar da ideia de “povo de Deus” em mito marxista.
As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se assim um
conceito aposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições
indicadas como forças da opressão.
Afinal, é “povo”
quem participa da “luta de classes”; a “igreja popular” acontece em oposição à
Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se instância
hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e
irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da
salvação, e, portanto de maneira antimetafísica, permite a fusão do horizonte
bíblico com a ideia marxista da história que procede dialeticamente como
autêntica portadora de salvação. A história é a autêntica revelação e, portanto
a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialético é
apoiado, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última,
no Magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do
progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim contradiz a “história”.
Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de
revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o seu papel
absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a
passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a
função de Deus.
III. Conceitos
fundamentais da Teologia da Libertação
Com isto, chegamos
aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo.
Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são
diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematizá-los.
Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com
relação a fé, por exemplo, J. Sobrinho afirma: a experiência que Jesus tem de
Deus é radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em fidelidade”. Por isso,
Sobrinho substitui fundamentalmente a fé pela “fidelidade à história”
(fidelidad a la historia, 143-144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o
mistério da vida do homem … é realmente o último … (144). Aqui produz-se aquela
fusão entre Deus e história que dá a Sobrinho a possibilidade de conservar para
Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado;
pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à
análise dessa teologia, Ignacio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto,
afirma: Sobrinho “diz de novo … que Jesus é Deus, acrescentando, porém,
imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que se revela
historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente
quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo…”
A esperança é
interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo futuro; com isso
elo é subordinado novamente ao predomínio da história das classes. “Amor”
consiste na “opção pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de
classes. Os teólogos da libertação sublinham com força, diante do “falso
universalismo”, a parcialidade e o cárater partidário da opção cristã; tomar
partido é, segundo eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos
testemunhos bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito
claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção
fundamental não cristã, que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha
é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a
interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a
interpretação da escolha partidária no sentido da luta de classes é um salto
“eis allo genos” (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrárias se
apresentam como idênticas.
O conceito
fundamental da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito
encontra-se também no centro das teologia da libertação, lido porém no contexto
da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrinho, o reino não deve ser
compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva
escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado
para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é
possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos
circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma
ideia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa
direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas
as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural,
de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento
desses dualismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se
realize nesta história e em sua realidade político-econômica.
Mas justamente
dessa forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o
presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o
verdadeiro dualismo.
Neste contexto
gostaria de mencionar também a interpretação, impressionante e definitivamente
espantosa, que Sobrinho dá da morte e da ressurreição. Antes do mais, ele
estabelece, contra as concepções universalistas, que a ressurreição é, em
primeiro lugar, uma esperança para aqueles que são crucificados; estes
constituem a maioria dos homens: todos aqueles milhões aos quais a injustiça
estrutural se impõe como uma lenta crucifixão (176 e seguintes). O crente, no
entanto, participa também do senhorio de Jesus sobre a história, através da
edificação do reino, isto é, na luta pela justiça e pela libertação integral,
na transformação das estruturas injustas em estruturas mais humanas. Esse
senhorio sobre a história é exercitado ao se repetir o gesto de Deus que
ressuscita Jesus, isto é, dando novamente vida aos crucificados da história
(181). O homem assumiu o gesto de Deus e aqui a transformação total da mensagem
bíblica se manifesta de maneiro quase trágica, se se pensa em como essa
tentativa de imitação de Deus se desenvolveu e se desenvolve ainda.
Gostaria de citar
apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da
história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo
revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de
libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A
palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez,
é compreendida, no contexto da história e da luta de classes, como processo de
libertação que avança; por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a
verdade não deve ser compreendida em sentido metafísico; trata-se de
“idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis. A ação é a verdade.
Por conseguinte, também as ideias que se usam para ação, em última instância
são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se,
assim, a única e verdadeira ortodoxia. Desta forma, justifica-se um enorme
afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação
tradicional, que aparece como não científica. Com relação à tradição,
atribui-se importância ao máximo rigor científico na linha de Bultmann. Mas os
conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser
vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em
última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história,
experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a
maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto
de tal hermenêutica comunitária.
Quando se tenta
fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender
as opções fundamentais da teologia da libertação não pode negar que o conjunto
contém uma lógica quase incontestável. Com as premissas da critica bíblica e da
hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da
história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo
que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos
desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo
imediato a tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento da transformação
concreta do mundo, o que pareceria uni-lo a todas as forças progressistas da
nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do
Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos,
especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo. Subtrair-se a ela
deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade,
como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o
quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se
ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela.
À guisa de
comentário, parece oportuno salientar os seguintes pontos:
1. A Teologia da
Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas
é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades
da fé, a constituição da Igreja, a Liturgia, a Catequética e as opções morais.
2. Todos os valores
e toda a realidade são considerados do ponto de vista político. Uma teologia
que não seja essencialmente política, é encarada como fator de conservação dos
apressares no poder.
3. A dificuldade de
se perceber esse caráter subversivo da Teologia da Libertação está, em grande
parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e
dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão
de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações
religiosas que não podem ser perigosas.
4. A gravidade da
Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum
esquema de heresia até hoje existente.
5. O cristão não
pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo.
Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um
sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação. Existe a
Doutrina Social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João
Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em
prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio
e a luta de classes.
Verdades, erros e
perigos na Teologia da Libertação (Parte 1)
Introdução
A pavorosa miséria
de irmãos nossos na América Latina, suscitou o nascimento (1960-1970) e o
desenvolvimento da Teologia da Libertação, entre nós, uma espécie de “teologia
política”, recebida com muito entusiasmo, paixão e até fanatismo por pessoas de
boa vontade que julgam ter descoberto a verdadeira face do cristianismo, com o
caminho da verdadeira redenção da humanidade.
Se a causa é justa,
necessária e urgente, a estrada escolhida por muitos liberacionistas é perigosa
e errada e até pode ser fatal para a fé cristã e a humanidade: é o teor do
recente documento da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé sobre a Teologia da
Libertação ( 06/08/1984 ) .
Na verdade, a
paixão é frequentemente má conselheira. Não Bastante a reta intenção e a boa
vontade empregadas na difusão e implantação da Teologia da Libertação radical e
de verdades que contem e propugna, peca gravemente por um unilateralismo radical,
tomando apenas uma dimensão do problema humano – o social e político – como a
teologia do homem e da religião, o que não só se opõe à realidade e à verdade
e, consequentemente à justiça, mas prejudica a solução do mesmo objetivo
desejado, de conseguir a plena libertação dos pobres e da pobreza e pagando o
alto preço de uma distorção fatal da fé cristã. Para esclarecer quanto
dissemos, basta compulsar a história, mestra da vida. Ela registra numerosas
religiões, denominações e seitas que fixando-se numa dimensão ou aspecto
verdadeiro mas não único, da realidade ou, então, fixando-se numa aparente
verdade, forjada. na ambiguidade, obtiveram, graças a um proselitismo bem
organizado, porém, em campo de deficiente formação teológica, a adesão e o
apoio de muitos, inclusive de bons católicos que, honestamente, depois,
confessam não mais pertencer à Igreja Católica, porque renegaram a sua doutrina
e autoridade, como pode suceder com alguns que sofreram a lavagem cerebral
liberacionista.
Mas tomemos os
fatos da história. Mesmo antes do cristianismo, o judaísmo professava verdades,
como o puro monoteísmo (um só Deus), o livro sagrado (a Bíblia do Antigo
Testamento), a esperança do Messias e da salvação. Mas apegou-se de tal forma
ao Antigo Testamento e ao pacto de Deus com o povo de Israel, que não
reconheceu Cristo como o Messias e o Novo Testamento, a ser pregado a todos os
povos, como Aperfeiçoamento do Antigo Testamento. Nós católicos aceitamos o
Antigo Testamento e a escolha do povo de Israel, como fatos verdadeiros, mas
não únicos, porque foram uma preparação para a completa e mais perfeita
revelação do Filho de Deus, feito homem.
É verdade,
repetimos, que o Antigo Testamento é um livro sagrado, mas não é verdade que
seja o único livro sagrado. É verdade que Israel foi o povo de Deus mas, depois
de Cristo, Salvador da humanidade, não é mais o único povo de Deus.
É preciso portanto,
não converter em verdade absoluta, aquilo que só o é parcialmente, porque
nenhuma realidade puramente humana realiza o absoluto, que é Deus.
Exemplifiquemos. Se
digo: “Antônio é um bom estudante” afirmo algo que pode ser verdadeiro. Quando,
porém, avanço e digo: “Só Antônio é um bom estudante” faço uma restrição e
excluo outros, o que pode ser falso.
No caso: a opção
pelos pobres e mesmo a opção preferencial pelos pobres é uma afirmação
verdadeira. Só a opção pelos pobres já é uma restrição ou exclusão.
Prossigamos na
história. Os ortodoxos conservam doutrinas genuinamente cristãs mas as
cristalizam de tal forma nos seus ritos e tradições que reduzem a Igreja às
dimensões nacionais (restrição da catolicidade) e, consequentemente, assumem
também uma coloração política.
As ideias da “fé”
em Lutero, de “predestinação” para Calvino, tomadas em sentido diverso daquele
da Bíblia, graças ao livre exame (releitura da Bíblia e restrição de conceito),
fizeram nascer as denominações protestantes dos luteranos e calvinistas, com
seus diversos matizes, introduzidos pelos seus sucessores.
O mesmo se diga das
seitas. Tomam uma base bíblica, como “o batismo dos adultos” para os batistas,
o “sábado” para os adventistas do sétimo dia, “o juízo final” para os
testemunhas de Jeová e sobre essa base única constróem depois, até com uma
regular lógica, os seus sistemas e crenças.
Mas todos eles não
se julgam católicos. Ao contrário, se dizem anti-papistas, anti-católicos.
Não sucede o mesmo,
porém, com os Teólogos da Libertação, mesmo daqueles que empregam os mesmos
métodos de subversão das verdades reveladas. Primam em ser católicos, dos mais
genuínos, e querem continuar a ser considerados católicos, filhos da verdadeira
Igreja de Cristo.
Faz-se mister
distinguir. Como os cogumelos, uns são bons e outros venenosos.
Quando defendem a
libertação integral, colocando a raiz de todo o mal no pecado e exigem a
conversão do coração para a edificação da sociedade justa, empregando o
legítimo pluralismo teológico e baseando e na opção pelos pobres, mantém-se
totalmente no campo católico. Pena quando, por razão de moda, empregam
ambíguas, que seria melhor evitar.
São perigosos os
que, mesmo propugnando uma justa libertação sócio-política da miséria e uma
mais honrada pobreza, jogam toda a culpa do mal em algumas estruturas sociais e
políticas e descarregam suas iras sobre o negregando pecado social dos outros.
Recorrem a estratagemas e práticas ambíguas para justificar biblicamente sua
tese que, na prática, para ser mais eficaz, descamba na análise marxista, que
envenena toda a pretensa libertação.
Para tanto, a
Teologia da Libertação faz mais sociologia e política do que teologia. A
semelhança dos marxistas, erigem a economia como a norma suprema da humanidade
e, assim, sacrificam na área da economia a teologia, que se despoja as sua
veste espiritual para vestir o macacão proletário. Deve lutar, então, contra o
capitalismo e deixando as armas da fé, assume aquelas do marxismo, que lhe quer
tomar o lugar para erigir, em última análise, o capitalismo de Estado, ou
melhor, da classe dominante, camuflada nas famosas e ilusórias “democracias
populares ” .
Nosso grande
jurista Sobral Pinto, que estudou, com seriedade, por mais de 50 anos, o
marxismo, sentiu-se obrigado, em consciência, de levantar seu brado de fiel
católico, impelido pelo canon 212 § 3 do Código de Direito Canônico (que vale,
com maior razão para mim), para advertir que a Teologia da Libertação, que
vigora entre nós, pretende desastrosamente enxertar o materialismo marxista na
teologia espiritualista.
Pareceu-me,
entretanto, útil para ajudar a discernir melhor a Teologia da Libertação
redigir, em forma simples, concisa e popular, as verdades, os erros e os
perigos da Teologia da Libertação, como a análise marxista, de que faia o já
citado documento da Santa Sé.
Advertimos que não
se pode deixar de reconhecer o vivo e sincero desejo de muitos liberacionistas
de resolver o problema da miséria na América Latina, de uma forma atual e
eficiente, quanto dizem, de acordo com o Concílio e a Conferência de Puebla.
Mas não bastam a boa vontade e a reta intenção, principalmente quando aliadas à
ingenuidade, para enfrentar e resolver todos os aspectos de uma realidade
complexa.
Por isso mesmo o
Concílio Vaticano II requer a interpretação dos “sinais dos tempos”, à luz do
Evangelho. Porque o Evangelho é a revelação de Deus trazida à terra por Jesus
Cristo, Filho de Deus feito homem e transmitida à sua Igreja.Os problemas do
homem, a sua dignidade, o seu destino, estão nas mãos de Deus, que criou o
homem livre, para, da liberdade, fazer bom o meritório uso.
Veremos como para a
Teologia da Libertação, em geral, não bastam a revelação de Deus e a
experiência milenar da Igreja. Em virtude de um “aggiornamento” (atualização)
mal compreendido, porque exagerado e exclusivo, quer inovar, trilhar novos
caminhos, encontrar novas fontes de verdade, pois, em última análise, a
experiência da Igreja, segundo os Teólogos da Libertação, teria fracassado na
América Latina, por não ter resolvido o problema da miséria. É necessário,
portanto, barganhar o Evangelho, ou melhor, seus métodos ou espírito, a luz do
Palavra de Deus pelas ciências humanas.
Parece até que
exageramos e pintamos um monstro para o combater mais facilmente. Oxalá
estivéssemos sonhando e para melhor despertar à realidade, nesta exposição
sumário, que não abrange nem aprofunda todos os aspectos da questão, vamos
tratar dos seguintes pontos:
I – VERDADES:
1. Situação de
miséria da América Latina e, concretamente, no Brasil.
2. A necessidade de
uma teologia atualizada e correspondente à índole e cultura do povo.
3. Frutos da
Teologia da Libertação.
4. Ambiguidades na
Teologia da Libertação.
5. A instrução da
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre “Alguns aspectos da Teologia da
Libertação”.
II – ERROS:
1. Pluralismo
liberacionista e releitura da “opção pelos pobres” do Evangelho e de Puebla.
2. A polinização
partidária das comunidades eclesiais de base.
3. A interpretação
marxista da história e da religião.
4. A libertação no
paraíso socialista.
III – PERIGOS:
1. Lavagem
cerebral.
2. Abusos de linha
pastoral muito difundida no Brasil.
3. Igreja Popular.
l – VERDADES
1.
Situação de miséria na América Latina e, concretamente no Brasil
É um espetáculo
desolador e inquietante a miséria e à fome num continente superdotado de
possibilidades e recursos naturais, como é a América Latina. Em se tratando,
então, do Brasil, país privilegiado, com terras férteis e abundantes, a miséria
e a fome não deviam existir.
Faltam homens
dirigentes que, bem formados, saibam desfrutar dos recursos naturais em favor
do bem comum, enquanto outros governantes ou elementos à eles associados se
locupletam à forra, espezinhando direitos e aspirações legítimas dos
subalternos e subordinados.
Há, portanto, sem
nenhuma divida, estruturas injustas que devem ser reparadas, tanto no campo
nacional como no internacional de relações com nações mais desenvolvidas
economicamente e ricas e que fazem sentir o peso do capitalismo desenfreado na
sociedade latino-americana.teologia
Vê-se logo que é
mais uma questão de educação, que para nós é evangelização (no qual se deve
empenhar seriamente a Igreja ), do que de guerrilhas ou revolução.
Para a evangelização
são eloquentes os ensinamentos e orientações da Doutrina Social da Igreja, que
tem por finalidade a implantação da justiça social, da liberdade e dignidade da
pessoa humana, por meios evangélicos. Insistentemente os Papas clamam em favor
dos oprimidos e reclamam uma ordem mais justa e estabeleceram e aprovaram não
só inúmeras obras de beneficência, mais um dicastério dedicado à “Justiça e
Paz”.
Francamente não
agrada aos liberacionistas essa doutrina, que apodam de reformismo. Fixam seus
objetivos de luta e reivindicações contra o detestável “pecado social” que
oprime os mais pobres e deserdados. Não insistem na atuação decisiva do pecado
pessoal, que existe tanto nos dirigentes que abusam do seu poder mas também nos
subalternos, quando com saúde e trabalhando, não produzem mais e melhor e não
sabem ou não procuram economizar.
Evidentemente
condições climatéricas (muito calor) podem não estimular o trabalho e esses
fatores se verificam em todas as nações, embora o elemento local esteja mais
habilitado a vencer esses rigores da região.
É impressionante,
porém, examinar a história dos imigrantes em nossos países e religiões.
Chegaram quase todos em situação de miséria e se deram generosa e heroicamente
ao trabalho, fazendo também não pequenas economias… e hoje é quase impossível
encontrar um descendente de imigrantes na miséria… Nem tudo, portanto, depende
unicamente das estruturas públicas.
Há situações
extraordinárias de seca, inundações ou de outras calamidades (guerrilha) que
podem favorecer a miséria ou a fome. Doloroso é o desemprego, hoje tão grave
problema para todos os povos, principalmente quando se abandonam os campos pela
cidade.
Mas também existem,
é mister dizê-lo, em alguns a indolência, o abandono das terras, o alcoolismo,
gastos imprevidentes e exagerados, como de moradores de favelas que dispendem
fartamente no Carnaval.
É fácil atribuir a
culpa de todo o mal às estruturas
injustas e pecaminosas. Também lá, como na vida individual, a raiz de todos os
males é o pecado.
O pecado introduziu
o mal no mundo e o mantém. Atacar essa raiz, com a formação e a prática da vida
cristã e favorecer a virtude, é o objetivo de uma teologia da Libertação ideal
( possível e legítima), inspirada nos Evangelhos e digna de aplausos. Assim
mesmo, tal Teologia seria apenas uma parte da Doutrina Social da Igreja e não,
como é concebida em nosso meio, como a Teologia que abarca e interpreta toda a
religião.
O discurso de João
Paulo II, em Puebla, traçou as coordenadas da Teologia da Libertação autêntica:
verdade sobre a igreja, verdade sobre Jesus Cristo e verdade sobre o homem.
Nessa perspectiva a opção preferencial pelos pobres recebe seu verdadeiro
significado, que é evangélico e se mostra plenamente justificado. Implantar a
“civilização do amor”, tão reclamada por Paulo VI e João Paulo II, é a única
Teologia de Libertação louvável.Infelizmente não é esse, porém, o tipo de
Teologia de Libertação comumente difundido na América Latina e no Brasil.
Rejeita, em ultima
análise, a Doutrina Social da Igreja porque a julga teórética ideologicamente
(teologicamente contra o capitalismo, mas na prática, reforça o sistema
dominante) e praticamente não eficiente e por isso, mesmo quando alguém não a
considera erronea, é insuficiente e deve ser enriquecida pela Teologia da
Libertação, com métodos mais modernos, eficazes e científicos, que são os da
análise marxista.
É justa, repetimos,
necessária e louvável a defesa dos pobres, não só sociologicamente como
religiosamente, mas o modo de agir da Teologia da Libertação não é evangélico,
porque o amor ao próximo é a suprema norma social do Evangelho, que se aceita
por convicção e não por imposição. O processo evangélico será muito mais lento,
mas é mais humano e definitivo; como o operado no mundo pagão e bárbaro.
2.
A necessidade de uma teologia atualizada e correspondente à índole e cultura do
povo
O Concílio Vaticano
II foi desejado por João XXIII e confirmado por Paulo VI, mantendo a fidelidade
ao sacro patrimônio da verdade revelada, para enfrentar as novas condições e
formas de vida, introduzidas no mundo hodierno.
Era o famoso
“aggiornamento” (atualização), querido por João XXIII e a “inculturação”,
auspiciada por Paulo VI, afim de apresentar aos povos de uma forma
acentuadamente pastoral a doutrina da Igreja.
Fazia-se também um
apelo à iniciativa dos teólogos para encontrar expressões mais adequadas para a
vivência cristã nos nossos dias.
Respondeu séria e
corajosamente a esse desafio o Conselho Episcopal Latino-Americano na
Conferência Geral do Episcopado em Puebla, no México, tendo baseado seus
estudos numa ampla rede de consultas e estudos de toda a Igreja na América
LatinaÉ curioso como os Teólogos da Libertação procuraram boicotar Puebla.
Diziam que Puebla não era “el puebio”. Mas realmente, em Puebla, falava “el
pueblo de Dios”.
Organizaram,
durante a Assembleia, uma Conferência paralela (anti-Puebla), da qual
participaram alguns membros também do Episcopado e, curiosamente, agora,
fundamentando-se em apenas algumas expressões da Conferência de Puebla, em releitura
pré-fabricada, se julgam os verdadeiros protagonistas e executores de Puebla.
Para gáudio dos
libertacionistas, puderam depois cantar vitória da aplicação concreta de suas
ideias em Nicarágua, com os sandinistas e ministros sacerdotes e a Igreja
Popular.
“Aggiornamento” da
Igreja não significa uma mudança radical, mas o viver o dia atual da Igreja,
fundada por Jesus Cristo e que deve atravessar os séculos, imutável na doutrina
revelada, assistida pelo Espírito Santo, mas com os pés na terra, tanto quando
caminha na praia, como nas montanhas ou no asfalto. É a mesma Igreja, peregrina
neste mundo, que se faz viva e salvífica, adaptando-se, sem deixar de ser o que
é, às circunstâncias do tempo. e do lugar.
Atualização,
portanto, deve ser também inculturação, isto é, com capacidade de transmitir a
– mensagem salvadora de Cristo aos diversos povos, encontrando as expressões
mais adequadas para ser compreendida melhor pelos homens, que vivem em
situações e ambientes os mais diversos.
Atualização e
inculturação da Igreja foram interpretadas por alguns teólogos, como uma
libertação da teologia tradicional para adotar, sem restrições, fórmulas novas
de maior abertura cristã para o mundo e seu empenho sobre as realidades
terrestres com uso das ciências humanas (psicologia, pedagogia, interpretação
marxista da história etc. Assim promoveram uma revolução destruindo o passado,
considerado superado, e fabricando formas modernas, alheias à teologia, e,
portanto, reclamam uma nova interpretação do Evangelho de Cristo,
Nós católicos, porém,
cremos na divindade de Cristo, na sua verdadeira e definitiva revelação
pública, e não podemos, por conseguinte, aceitar nem as interpretações do
Alcorão nem as de Marx, embora se apresentem como as mais eficazes e
atualizadas,
Mesmo quando não se
rejeita o passado e se julga aperfeiçoar o patrimônio cultural e artístico, é
de mal gosto, fazê-lo, desfigurando suas mais belas expressões, como se para
melhorar uma pintura clássica se usassem rabiscos e borrões de arte moderna.
Se esta aplicação
de atualização e inculturação é errônea e desastrada para uma arte, com maior
razão o será para a Igreja, que não é invenção nem obra de homens, mas de Deus,
criador e Redentor,
3.
Frutos de Teologia da Libertação
Não sei como se
possa, honestamente, negar a existência da árvore da Teologia da Libertação, na
sua espécie mais agreste, rude, azeda e radical, quando seus frutos aparecem já
abundantes aos nossos olhos, ao menos no Brasil.
Acenamos aqui
apenas a alguns desses produtos, pois haveria muitos outros em relação à
liturgia, à vida religiosa, etc.
A decadência da
teologia, depreciada em sociologia e política, o vazio da espiritualidade e a
militância social e política, os anseios dos futuros sacerdotes manifestados
agressivamente tanto nas universidades como até nos convites para a ordenação,
a indisponibilidade para o apostolado cultural e das elites, a verdadeira
lavagem cerebral de seminaristas (não todos felizmente, pois seus bispos sabem
preservá-los) em certos Seminários ou comunidades do Brasil, saltam à vista de
quem quer ver. O que se pode esperar desses futuros e pobres sacerdotes,
munidos apenas com essa “teologia da enxada”, que não tem nem sequer a
exposição sistemática e orgânica da nossa fé? Pregações sólidas e doutrinárias?
Já escasseiam tais práticas em igreja onde a constante é a reivindicação amarga
e irritante da ordem e justiça social em moldes socialistas, como se nosso povo
não tivesse o direito de saciar sua “fome e sede de Deus” com a Palavra de Deus
no culto sagrado, que não se deve confundir e conculcar com comícios
despropositados e impertinentes. E depois, esses que negam o pão do Evangelho
aos fiéis, não reconhecendo sua falta de responsabilidade, vão acusar outros
organismos ou países como responsáveis e promotores da invasão e crescimento
assustador das seitas e de outras formas de religião.
Cardeal Agnelo
Rossi 19-03-1985
Verdades,
erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 2)
Teología-da-libertação
Frutos da Teologia da Libertação, são os
jornais, revistas e editoras católicas, que só martelam monotonamente a mesma
tecla reivindicativa, com satisfação de políticos esquerdizantes e silenciam
até a palavra do Papa, quando esclarece os desvios e erros da Teologia da
Libertação.
Está igualmente em
marcha o processo de burla, descrédito, marginalização de elementos
respeitáveis do clero, fiéis à Igreja e ao Santo Padre, julgando-os
conservadores, retrógrados e superados.
Cresce o sentimento
anti-romano, anti-papal, anti-Igreja institucional, de rebeldia à autoridade
constituída, quando segue outra linha pastoral.
É óbvio, portanto,
que tais frutos denunciam a existência da Teologia da Libertação radical no
Brasil.
Um fruto genuíno da
Teologia da Libertação é a publicação da História da Igreja na América Latina
pela CEHILA (Comissão de História Eclesiástica para a América Latina), dirigida
por Henrique Dussel. Não é história mas hipótese de história, pré-fabricada no
materialismo histórico, nos moldes “acríticos e acientíficos” da luta de
classe. Faz pena ver como essa história destrói a própria história, como o
demonstrou exuberantemente Américo Jacobina Lecombe em “A Obra Histórica do Pe.
Hoornaert”, no que se refere ao Brasil.
Também muitos
liberacionistas, em nome da teologia., destróem a teologia. Em última análise,
para muitos, Teologia da Libertação é a libertação da teologia. Podem
responder-me que realmente é a libertação da teologia tradicional. Eles, na
verdade, têm um conceito próprio da teologia, que seria a reflexão crítica da
práxis (modo de proceder), porque, no dizer de Marx, “O fundamento da crítica
religiosa é este: o homem faz a religião, não é a religião que faz o homem” e a
Teologia da Libertação oferece às comunidades eclesiais de base este poder
criador de religião e de Igreja.
4.
Ambiguidades da Teologia da Libertação
Pescar em águas
turvas é tática da Teologia da Libertação, graças às ambiguidades empregadas
tanto na “opção pelos pobres” como nas “comunidades eclesiais de base”. A
genuína “opção pelos pobres” e as verdadeiras “comunidades eclesiais de base”
estão no coração da Igreja, mas de forma muito diversa daquela empregada pela
Teologia da Libertação.
Por isso, quando se
rejeita essa releitura facciosa, os liberacionistas nos apodam de inimigos dos
pobres, da democracia e do povo oprimido, quando não nos apontam como fautores
e aliados dos capitalistas e dos Estados Unidos.
A ambigüidade é
útil para os prestidigitadores e exploradores, não, porém, para os
doutrinadores, que, como ensina o Evangelho, devem evitar a confusão,
afirmando, negando ou distinguindo.
O ataque feito à
Escolástica de Santo Tomás de Aquino, começa porque o Santo Doutor da Igreja
exigia, antes de tratar qualquer questão, a definição dos termos, sua delimitação
e clareza e em que sentido eram tomados.Nunca a clareza e exatidão das
expressões fizeram mal aos bons e são exigidas para a promoção da justiça.
Usar de
ambiguidades e subterfúgios e, por vezes, até de mentiras, não oferece nenhuma
garantia de credibilidade. O homem honesto não as aceita.
5.
A instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé
Quem conhece a
paciência, discreção e modo de proceder da Sagrada Congregação para a Doutrina
da Fé (inglória tarefa de alguns, que por isso mesmo se identificam, tem sido
difundir dela uma caricatura) dirá que não agiu em vão, mal informada ou
desatentamente com sua intervenção sobre alguns aspectos da Teologia da
Libertação.
Como é usual na
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o documento foi precedido por um
estudo sério, sereno, prolongado, com assessoria de peritos de diversas partes
do mundo. Se uma crítica se pode fazer ao documento é que tal esclarecimento
dado, há anos atrás, teria nos aliviado de não poucas calamidades.
Não é possível, portanto,
conceber razoavelmente tal documento sem provas abundantes da existência de uma
Teologia da Libertação radical, existente na América Latina, incluindo
naturalmente o Brasil, não obstante declarações em contrário de alguns prelados
locais, que se confessam testemunhas oculares autênticas, sempre atentos sobre
os acontecimentos religiosos.
O autorizado
documento da Sagrada Congregação, para a Doutrina da Fé, é muito claro e
explicito e é uma séria advertência para toda a Igreja na América Latina. Foi
acompanhado de um resumo para ser divulgado, para que também a imprensa leiga
tivesse dele uma ideia geral. Com o pretexto de que o documento era muito
longo, não teve divulgação na imprensa católica e se omitiu de dar maior
publicidade ao resumo, justamente porque a tal Teologia da Libertação,
recriminada não existiria simplesmente no Brasil. Bastaria dizer ao povo que
aguardava o pronunciamento da Santa Sé, que depois de todo o reboliço, o
documento apoiava a “opção pelos pobres” e, portanto, não atingia a Teologia
difundida, entre nós, porque não precisamos dessa análise marxista (moinho de vento
sonhado pelo Cardeal Ratzinger e o Papa iria corrigir a “gaffe” feita pelo
antigo Santo Ofício. Em todo o caso, o Papa seria liberacionista (aprendendo,
como aluno, dos nossos mestres liberacionistas) e o Cardeal Ratzinger um
conservador intransigente, desde que veio para Roma. Seria, portanto, melhor
não tomar conhecimento desse documento e esperar o outro prometido,
verdadeiramente positivo, sem a malfadada crítica de “alguns aspectos da
Teologia da Libertação”.
Hoje esta
explicação (escapatória de quem ignora a possibilidade de uma publicação da
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sem explícita aprovação ao Santo
Padre) não tem mais sentido algum, após os pronunciamentos explícitos do Santo
Padre, tanto em Roma (alocução aos cardeais no fim de 1984 e aos bispos do
Peru) como em suas recentes viagens a países da América Latina… que, porém, são
censurados não pelo Governo mas por liberacionistas da Igreja.
Apesar de negado o
valor do documento, já produziu alguns frutos como a declaração dos bispos do
Peru e a atenção que lhe deve dar a próxima Plenária da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil. Mas já é algo a recomendação do Presidente da CNBB de
deixar aos leigos o campo político e cuidar o clero da formação religiosa
integral dos mesmos leigos.
Será útil recordar
algumas orientações finais do documento da Sagrada Congregação para a Doutrina
da Fé, no Capítulo XI.
Faz um apelo à
fidelidade na tarefa primordial da Igreja, à evangelização e consequente
promoção humana, a ser realizada em comunhão com os Bispos e a Igreja. Convida
os teólogos a colaborarem lealmente com espírito de diálogo com o Magistério da
Igreja e recebam sua palavra com respeito.
A promoção humana e
a autêntica libertação devem ser compreendidas a partir de uma evangelização
integral, em uma Igreja dos pobres, num sentido universal e não de uma classe
ou casta.
A verdade sobre o
homem, a luta pelos direitos humanos deve ser realizada com meios adequados à
dignidade humana, rejeitando toda e qualquer espécie de violência e tendo em
conta que a injustiça tem sua raiz no coração dos homens. Então se deve
recorrer às capacidades éticas da pessoa para a sua conversão. É ilusão mortal
aceitar que o “homem novo” nasça com a mudança de estrutura, pior ainda quando
feita pela violência revolucionária, pois são conhecidas as escravidões gerais
dos regimes totalitários.
Deve-se libertar do
mito da luta de classes como salvadora.
O resumo da
instrução distingue entre a legítima aspiração dos povos pobres a condições de
vida econômica, social e política, que estejam conformes à dignidade humana
(sinal dos tempos característicos de nossa época) que envolve uma grave
responsabilidade de todos para esta conquista da justiça social. As expressões
dadas a essa aspiração, são legítimas àquelas que rejeitam a pecaminosa
indiferença diante dos dramáticos problemas da pobreza, miséria e injustiça de
que são vítimas Nossos irmãos e que reprovam quantos contribuem para a
manutenção da miséria dos povos. Tal foi, em última análise, a posição de Puebla.
Outras expressões
são ambíguas, enquanto outras representam um grave perigo para a fé, à vida
teologal e a moral dos cristãos.
A Teologia da
Libertação abrange todas estas formas diversas e é apresentada em livros,
folhetos, artigos e pregações e, por isso, a Sagrada Congregação para a Defesa
da Fé não cita nenhum nome de liberacionista para que os outros não citados
tenham o pretexto de afirmar que o documento não lhes diz respeito.
Após a exposição
bíblica do tema da libertação e da genuína Teologia da Libertação, o documento
afronta a questão dos que apresentam uma forma de Teologia da Libertação
gravemente desviada, com erros prejudiciais à fé. É sobre esta específica
Teologia da Libertação que o documento da Santa Sé adverte alguns aspectos, sobretudo
o emprego da “análise marxista” mesmo com as diversas tendências atuais do
marxismo, como totalmente contrária aos princípios evangélicos.
II – ERROS
1.
Pluralismo liberacionista e releitura da “opção pelos pobres” do Evangelho e de
Puebla
O pluralismo
teológico e a releitura bíblica e dos pronunciamentos do Magistério são
exigências liberacionistas.
O pluralismo serve
de passaporte para entrar no campo teológico (é sinal verde que estimula a
pesquisa teológica) e a releitura o redimensiona, na medida dos olhos e dos
desejos do “teólogo”. O pluralismo teológico teria sido ensinado pelo Concílio
e a releitura ou reintegração parece mais uma reedição do livre exame
protestante.Mas a alfândega pluralista. liberacionista não só é contraditória, mas
dura e totalitária com o parceiro adversário, impedindo-lhe, em nome do mesmo
pluralismo, de divulgar seus escritos, fechando-lhe até as portas das editoras
católicas afim de que a Teologia da Libertação possa tranquilamente e
exclusivamente dominar o campo reservado às discussões teológicas. Algo
semelhante ocorre com os comunistas, os mestres da análise marxista: antes de
assumir o poder exaltam e exasperam a oposição ao Governo, mas, quando no
poder, fazem silenciar as oposições ao Governo, até com processos dignos da
máfia.
Com o campo livre,
será fácil ao liberacionista impingir sua leitura da Sagrada Escritura e dos
documentos do Magistério e impor a sua “linha pastoral”, que deve ser
seguida.teologia
O Concílio trata do
pluralismo político que a filosofia social e a sociologia indicam como
multíplice e livre expressão de formas sociais, às quais o Estado reconhece uma
autonomia em ordem a uma contribuição para o bem comum. Os direitos e deveres
das pessoas, família e grupos devem ser reconhecidos, respeitados e promovidos.
Numa sociedade
pluralista se deve garantir a liberdade da Igreja na comunidade política,
distinguindo-se sempre as ações dos fiéis, indivíduos ou grupos, como cidadãos,
guiados pela consciência cristã as suas ações em nome da Igreja.
Em última análise,
nem o Estado nem a Igreja podem ser supremos, pois só Deus o é, mas os seus
membros são criaturas e podem contribuir para melhorar a situação da
comunidade, respeitando sempre os direitos inalienáveis e supremos de Deus.
Um exemplo banal
pode facilitar a compreensão desse pluralismo. Diz o provérbio popular: “Todos
os caminhos conduzem à Roma”. Outrora, chegava-se à Roma a pé, a cavalo, em
carruagem e até de barco. Mas normalmente não se vinha de muito longe. Com o
progresso de comunicações, hoje, pode-se chegar de distantes regiões, de carro,
de trem ou de avião. Seria inconcebível e injusto limitar a liberdade de
locomoção, da escolha de estradas e meios disponíveis para se chegar a Roma.
Mas a finalidade deve ser respeitada por todos: chegar a Roma e não a
Washington ou Moscou. Quem, devendo acompanhar alguém a Roma e o conduz a outra
parte, errou o caminho, ou por incompetência ou por maldade.
O pluralismo das
escolas teológicas pode tomar diversos caminhos mas deve conduzir à reafirmação
da fé católica,
O ponto de partida
liberacionista, afirma-se solenemente, é a “opção preferencial pelos pobres”.
Desde seu nascedouro é a opção pelos pobres tradicional na Igreja e, para a
América Latina, foi reafirmada por Puebla, que lhe dá prioridade na ação
pastoral na América Latina, juntamente com o problema da juventude. Essa opção
preferencial pelos pobres é absolutamente normal, de sentido evangélico e
eclesial, reclama um maior empenho conjunto do Episcopado latino-americano para
uma educação e orientação dos fiéis para com os irmãos não só menos favorecidos
economicamente, como os mais necessitados espiritualmente.
“Pobre em espírito”
ou “pobre no coração” proclamado bem-aventurado pelo Senhor é aquela pessoa
desapegada dos bens materiais, tanto seja sociologicamente pobre como rica dos
bens materiais, ainda que, normalmente será mais fácil ao pobre conformar-se
com seu pouco que ao rico desapegar-se do seu muito. Como o Senhor é Salvador
de todos os homens – pobres e ricos – quer velos unidos no seu amor e entre si,
como irmãos, filhos do mesmo Pai celestial. Por isso amou pobres e ricos.
Então, nunca a
“opção preferencial pelos pobres” pode tornar-se “opção exclusiva pelos
pobres”. A primeira é afirmação verdadeira, a segunda é exclusão injusta e
falsa.
Os liberacionistas
tomam, porém, os pobres no sentido classista, como os oprimidos que, segundo
Marx, formariam o proletariado. Tomam um avião sequestrado.
Segundo a tese
marxista (e assim entramos, já na análise marxista) a história se reduz à luta
de classes: dos opressores contra os oprimidos. E chegou a hora dos oprimidos
proclamar a sua libertação donde o grito de combate: “Proletárias de tudo o
mundo, uni-vos!”.
É, sem dúvida,
fascinante aos olhos de jovens inexperientes, impetuosos, desejosos de realizar
a justiça social, entrar nessa luta, ao lado dos oprimidos. Respeitemos e
apreciemos o seu entusiasmo pelo ideal da justiça social, mas peçamos que
empreguem sua inteligência e espírito crítico para não embarcar numa empresa ilusória
e falsa. Sirva-lhes de aviso, o sinal que estão deixando o caminho de Cristo,
que é de amor, compreensão fraterna, caminho mais longo, mas baseado na
persuasão, no diálogo, no respeito à dignidade humana.
Não foi com
violência, não foi distilando aversão, luta ou ódio entre as classes, não foi
com revolução, que Cristo, seus Apóstolos e a sua Igreja, lograram a abolição
da escravidão, mostrando como o escravo é nosso irmão em Cristo.
Embarcando num
avião sequestrado pela análise marxista, há o perigo comprovado pela história
repetidamente, apesar de todas as promessas de libertação, de aterrissar numa
ditadura do proletariado que é realmente ditadura sobre o proletariado, ou como
está em voga agora, numa “democracia popular”, paraíso terrestre, onde os
liberacionistas preferem não viver.
Em todo o caso, a
base bíblica da “opção pelos pobres”, encarecida por Puebla, na releitura
liberacionista, de cunho marxista, é areia movediça sobre a qual não se pode
construir sólida e tranquilamente, o edifício de uma Sociedade justa e feliz.
2.
A polinização partidária das comunidades eclesiais de base
As comunidades
eclesiais de base que atuam nos diversos ambientes e lugares, com espírito de
evangelização e, portanto, em união com os seus legítimos pastores, são uma
bênção extraordinária para a Igreja em regiões, como a nossa do Brasil, ou em
especiais circunstâncias para atender religiosa e espiritualmente o povo de
Deus.
Mesmo, antes do
Concílio Vaticano II fui um dos pioneiros, em âmbito diocesano, na Diocese de
Barra do Piraí, a introduzir essas comunidades, ainda muito rudimentares mas
ricas de religiosidade e de catequese popular, deixando organizadas cerca de
570 desses núcleos, com grande eficiência pastoral.
O erro começa
quando se faz política partidária nessas comunidades eclesiais de base. A
formação política dos leigos é necessária, segundo a fórmula “política do bem
comum, fora e acima das competições partidárias” e, nesse sentido foram
impressas Cartilhas Políticas. Mas. algumas delas pretendem formar uma classe
social em luta contra as instituições civis e até eclesiásticas. Suscita a
base, a rebelar-se contra a cúpula, apoiando partidos que endossam a luta de
classes. Passam assim as comunidades eclesiais de base a ser uma mina prolífera
de ação partidária, representando “o povo” no engajamento sócio-político.
São tão exaltadas
algumas comunidades eclesiais de base que se julgam novas fontes de revelação e
de inspiração, como as mais genuínas para mostrar concretamente a encarnação da
Igreja na realidade do povo sofrido e angustiado. Dentro do clima de luta, não
admira que lhes falem homens sem fé e até contra ela, em nome da Igreja, como
lobos em pele de ovelhas. É de admirar, porém, o açanhamento de clérigos nessa
tarefa.
Em torno deste tema
toma pé a “Igreja Popular”, criada pelo “povo” ou comunidades eclesiais de
base, contaminadas pela luta de classes, em oposição à Igreja da cúpula
dominante, a tradicional Igreja.
Consequência lógica
é o ataque e o combate à autoridade, como opressora ou aliada à opressão,
opondo-se assim contra a Cúria Romana e ao mesmo Papa. Amanhã a oposição será
contra o Bispo e o Pároco. Segundo os liberacionistas, as comunidades eclesiais
de basesão a fonte da democracia, pois tudo ali se procede democraticamente.
Assim o pensam e o dizem, mas na realidade, nela atuam os líderes e os meios de
desinformação.
3.
A interpretação marxista da história e da religião
Procuremos explicar
brevemente o que significa a análise marxista, exatamente condenada pelo
documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, indicando como atua na
história e na religião.
Os liberacionistas
nos dizem que tomam elementos da análise marxista como um método, sem endossar
a ideologia marxista. Não podemos acreditar na sinceridade de seus propósitos,
quando não dispõem de capacidade intelectual para avaliar as consequências
dessa análise, trinada acriticamente como ” científica ” .
A análise marxista
reduz toda a história à luta de classe. Os liberacionistas, baseados no valor
“científico” da análise marxista, sustentam que ela tem os elementos úteis e
eficazes para eliminar a injustiça social e que o uso desses elementos é uma
conquista do progresso e, repetimos, não implica necessariamente na aceitação
da ideologia marxista, que eles mesmos condenam, porque visceralmente ateia.
Outros negam
simplesmente o uso da analise marxista, pois dela não temos necessidade, os
católicos, que podem usar o método jocista de Cardjin: “ver, julgar, agir”,
esquecendo-se que esses três momentos na Ação Católica se faziam à luz do
Evangelho.
Segundo a análise
marxista, a dialética da história da humanidade, essencialmente luta de
classes, conduz à vitória do socialismo: a ordem ideal da sociedade e da
economia. A Teologia da Libertação crê efetivamente numa perfeita sociedade,
para o futuro, mas é muito vaga sobre essa futura sociedade socialista, pois
não pode ignorar o fato evidente que o marxismo, por toda a parte onde lutou e
conseguiu o poder, não conduziu à libertação do homem, mas sim à supressão de
sua liberdade.
O Papa, na sua
encíclica sobre o trabalho humano, afirma que um capitalismo primitivo que
maneja o homem como instrumento do capital, é contrário à dignidade humana, mas
também o coletivismo marxista, que tem a totalidade da economia, controla o
poder político, militar, cultural e propagandístico. A liberdade dos homens de
trabalho está melhor garantida em uma ordem econômica com milhões de patrões e
sindicatos livres do que num sistema em que o Estado é o único patrão e os
sindicatos são instrumentos do Estado.
Interessa-nos mais
mostrar os efeitos da análise marxista na religião.
A Teologia da
Libertação dando à economia um caráter decisivo na sociedade, trilhando a
análise marxista, ameaça limitar unilateralmente, com a dimensão econômica, a
história e a atividade da Igreja, como uma opção política, errada no passado e
no presente, que estaria sempre ao lado dos opressores mas deve redimir-se e
assumir, quando necessário, a mesma revolução na luta pela libertação da
opressão, pois aí se encama o “amor universal”.
Teria sido
revolucionária a Igreja, já no seu fundador, Jesus Cristo, considerado perigoso
e subversivo por Pôncio Pilatos, mas, desde o período constantiniano, unindo-se
ao poder e aos poderosos, tornou-se cúmplice da exploração.
Só com a reforma
das estruturas e o engajamento sócio-político, a Igreja se tornará libertadora.
As violências não são ideais, mas se for preciso “matar por amor”, devemos
recorrer à força quando nos falta outro caminho. Exatamente aqui está um grande
erro: o caminho da violência, da luta, do ódio não é, nem pode ser, o caminho
de Cristo: único caminho, verdade e vida.
Para justificar
suas posições, a Teologia da Libertação precisa reformar o cristianismo. As
consequências normais da Teologia da
Libertação no
cristianismo são principalmente as seguintes:
1. Parte-se da
suposição, admitida sem nenhum espírito crítico de conformidade ou não com a
realidade, como verdade científica que toda à história da humanidade deve ser
interpretada como luta de classe, dos opressores contra os oprimidos. E que os
oprimidos, despertados e sacudidos por esta injustiça social, se devem
libertar.
É evidentemente um
exagero: a economia fortemente influi na história, mas não a decide. O
cristianismo não pregou a luta de classes, mas Cristo encareceu a fraternidade
e o amor entre os homens. A maior transformação social, operada na humanidade,
se deve exatamente ao cristianismo. Cristo, em outras palavras, não foi um
revolucionário libertador dos pobres e escravos, mas o Salvador de todos os
homens, de qualquer situação social ou econômica. Não armou os escravos contra
os senhores, mas ensinou que o escravo é nosso irmão, não só com a dignidade
humana mas até mesmo como filho adotivo de Deus.
Um exemplo
desastroso dessa análise marxista da história da Igreja nos é dado pela CEHILA,
na História da Igreja na América Latina, como já nos referimos. Há evidente má
vontade em distorcer os latos e as personalidades e ignorância supina de nossas
tradições religiosas. Assim a Igreja no Brasil teria sido a opressora dos
pobres, enquanto, em homenagem ao ecumenismo, os invasores protestantes
holandeses e franceses teriam sido os heróis da libertação da nossa Pátria.
Recordemos ainda
que a pessoa de Cristo liberacionista lhe tira a auréola de Filho de Deus feito
homem
e o considera
um simples homem, como o “tal Jesus”,
fabricado nos moldes secularizantes da Teologia da Libertação. Quando denunciei
este programa radiofônico, endereçado às comunidades eclesiais de base, fui
taxado de exagerado e até de visionário.
2. Claramente essa
concepção da história e da realidade presente se projeta não só em Cristo mas
também na própria Igreja, dividindo-a em Igreja dos pobres (Igreja Popular,
tipicamente classista) e Igreja dos ricos (a Igreja institucional que se
compromete com os ricos para exercer um paternalismo com os pobres).
Leva à divisão na
Igreja, exigindo uma nova linha pastoral que combate não só os ricos, inimigos
da classe proletária, mas se opõe às próprias exigências da autoridade
eclesiástica que não concorda com a tese liberacionista.
Verdades,
erros e perigos na Teologia da Libertação (Parte 3)
teología-da-libertaçãoVale,
assim, a palavra do Papa, quando fala de “opção preferencial dos pobres”, não
vale, porém, e deve ser boicotada quando não valoriza o “pecado social” das
estruturas, quando denuncia erros e abusos da Teologia da Libertação radical…
3. A Igreja dos
pobres é tipicamente classista: é a Igreja Popular, baseada nas comunidades de
base, que representam o povo oprimido, que por ser eficiente instrumento de
libertação, deve ser a voz da justiça e da verdade, interpretando desta forma
nova e “científica” a Cristologia e a Eclesiologia tradicional da Igreja
Católica. Será, portanto, a práxis revolucionária o modo de agir, neste
movimento de libertação, a fonte da verdade e do bem.4. Assim, deixando de lado
a Doutrina Social da Igreja, se deve fazer a leitura política da Sagrada
Escritura, sobretudo do Êxodo e do Magnficat, a secularização do Reino de Deus,
as interpretações do Magistério e da Tradição.
É por isso que o
documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé afirma que tal falsa
interpretação da Teologia da Libertação, abarca todo o conjunto da doutrina
cristã. Por exemplo: a Missa é oportunidade, em uma reunião social, de tratar e
discutir os problemas da libertação e não admira que a procissão de Corpus
Christi não seja para os liberacionistas o louvor a Cristo presente na
Eucaristia, mas excelente ocasião de um comício político e liberacionista.
4.
A Libertação no Paraíso Socialista
Os teólogos da
Libertação pouco falam da sociedade futura, mas repõem suas esperanças em um
socialismo democrático, que se quiséssemos saber qual é o seu figurino, nos
responderiam: Nicarágua. É verdade que não diriam Rússia e seus satélites,
embora tenham embarcado na libertação de análise marxista, esperando, talvez,
descer do bonde ainda em movimento, antes de chegar ao ponto final. Assim
pensava um prelado vietnamita, ilustre mas ingênuo, mas que foi tragado pelos
trágicos acontecimentos de seu país e hoje deve lamentar-se da escravidão e do
inferno, em que se encontram ele e os seus libertados,
Mas na Nicarágua, a
situação é diferente, dirão alguns que para lá viajam frequentemente, suponho
às custas da “opção pelos pobres”. Outros chegaram a endossar, com alegria, as
divisas militares sandinistas (eles que demonstram horror pelos militares!).
Nicarágua é proposta como uma nova e feliz mensagem de libertação para toda a
América Latina. Entre o Papa e os sandinistas, preferem naturalmente estes últimos
e demonstram sua solidariedade aos sacerdotes envolvidos no Governo Sandinista,
mesmo quando em flagrante desobediência às leis canônicas.
Que elementos da
hierarquia católica tenham apoiado o sandinismo, em tempos difíceis de ilusória
esperança liberacionista de um regime injusto, se entende. Mas que ainda hoje,
caída a máscara do sandinismo, e em face de sua oposição à Roma, ao Papa, com
uma Igreja Popular, haja prelados a fazer a opção sandinista, assumem uma
gravíssima responsabilidade contra o povo fiel, que devem guiar para o bom
caminho!
Diante do histórico
e patente mito da libertação marxista e do paraíso proletário (não
precisaria,então, ser cercado como é ainda que em um campo de concentração!),
vê-se que esses clássicos lutadores pela libertação dos pobres, não são amigos
da liberdade dos indivíduos. Os seus direitos pessoais, a começar da liberdade
religiosa, não têm vigência nos países dominados pelo marxismo, ponto final da
análise marxista.
É uma séria
advertência aos liberacionistas de não destruírem com seus métodos, tomados ao
marxismo, aquele conjunto de verdadeiras e justas aspirações que animaram suas
intenções e sua luta.
Na verdade,
defender a ortodoxia, é defender os pobres, com a força cristã do amor.
III
– PERIGOS
1.
Lavagem cerebral
Imagino a tristeza
de uma mãe que formou carinhosamente seu filho, na sólida doutrina cristã e nas
virtudes, ouvi-lo depois de um período no Seminário, agressivo e rebelado
contra tudo e contra todos que lhe haviam ensinado um cristianismo, julgado
agora, depois de sua deformação pessoal, como superado e viciado. E tal lavagem
cerebral foi realizada não num campo de concentração nazista ou comunista, mas
numa instituição, mantida pela caridade cristã, até com sacrifícios dos fiéis.
Formou-se um alguém, podendo ter como modelos Camilo Torres ou Che Guevara. A
pretexto da libertação da classe oprimida, silenciará sua língua a mensagem
evangélica do amor cristão, do coração aberto a todos os homens, enquanto
crescem nele a aversão, o espírito de luta, exatamente o contrário de quanto se
deve esperar de um ministro do Senhor, como traço de união entre pobres e
ricos.
O pobre jovem
contraiu a doença da revolta contra as estruturas e os demais, que não julgam
como ele, pois estão do outro lado, naturalmente junto aos opressores. A
doença, ainda quando não é mortal, debilita seu apostolado, podendo até mesmo
levá-lo ao abandono do ministério sacerdotal, como já ocorreu com outros.
Quando a doença se
propaga podemos chegar à epidemia. Então até o ambiente fica empestado e, para
o bem da saúde pública é melhor eliminar o mal, os focos de infecção, como faz
o cirurgião.
Francamente
preferia estar enganado, bastando admitir apenas uma póda em alguns institutos
ou comunidades seminarísticas do Brasil, para que a árvore da formação
sacerdotal, possa produzir abundantes frutos, onde quer que se prepare um
futuro sacerdote.
2.
Abuso da linha pastoral muito difundida no Brasil
Encontrei no jornal
“Arquidiocesano” de
Mariana, de 21/10/84, uma síntese clara de quatro pontos em que Dom Edvaldo
Gonçalves do Amaral, Bispo de Parnaíba, no Piauí, apresentou ao Encontro das
comunidades eclesiais de base de sua diocese e que, por precisão e simplicidade
de linguagem merece ser transcrito na íntegra: “Há uma certa linha de pastoral
na Igreja, infelizmente hoje muito difundida no Brasil, que exibe
características inaceitáveis sob o ponto de vista da autêntica doutrina cristã
e da reta práxis pastoral.
São elas:
1. Um exagerado
horizontalismo – esquecendo a dimensão sobrenatural do homem e omitindo
sistemática e propositadamente toda e qualquer referência ao destino eterno e
ao sentido escatológico da vida humana.
2. Um pronunciado
classicismo, fomentando a luta de classes, a viva oposição entre ricos e
pobres, uma exacerbada justificação do pobre (que, segundo eles, seria bom só
pelo fato de ser pobre) com a consequente exclusão e condenação do rico (que
seria mau só pelo fato de ser rico), chegando a uma verdadeira guerra aos
ricos: daí imaginam uma dicotomia irreconciliável dentro da própria Igreja,
dividindo-se entre Igreja hierárquica e Igreja Popular, Igreja dos opressores
versus Igreja dos oprimidos.
3. Um reducionismo
na interpretação da Palavra de Deus – selecionando só o que convém à sua
ideologia e aceitando no ensinamento do Papa João Paulo II tão somente o que
corrobora seus pontos de vista, quando não chegam ao extremo de acusar o Papa
de colaborador do imperialismo americano e ativista político contra o
socialismo soviético.
4. Um envolvimento
cada vez mais ativo em política partidária, com uma indisfarçável aspiração
política e ao exercício do poder, camuflado, às vezes, em defesa dos direitos
da Igreja ou proteção aos pobres e marginalizados. Como consequência disso, uma
crítica irrazoável e sistemática a todos os atos do governo civil” .
3.
Igreja Popular
Já se escreveu
muito sobre este tema.
Parece, porém,
impossível que se instale, no Brasil, a Igreja Popular, não só pelo respeito e
fidelidade de nosso povo ao Santo Padre, como, por causa dos minguados frutos
da malfadada Igreja Brasileira, fundada há mais de 50 anos pelo bispo de Maura,
Dom Carlos Duarte Costa, que se rebelou contra o Papa.
Por isso mesmo, os
liberacionistas primam em afirmar que não pretendem estabelecer uma nova
Igreja, mas sim uma teologia nova, viva, real, aplicada ao povo oprimido, mas
sempre dentro da Igreja Católica. Será uma tática para não afugentar o povo?
Entretanto, vão
minando os fundamentos da Igreja Católica e colocando outras pedras para
substituir aquelas propostas pela Igreja, fiel a Pedro e a Cristo, seu
fundador.
Órfão da Igreja
Católica para defender a fé, é a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé: não
ouvi-la, desprezá-la, negar-lhe o valor e autoridade, dissociá-la do Papa, é
temeridade, agressividade, luta, que pode merecer aplausos de certa imprensa
escandalistica, mas pode terminar mal.
Não queremos
prosseguir em nossas considerações.
A um bom filho
basta a advertência de uma mãe amorosa, que só lhe deseja o bem e a felicidade.
Outras vozes lhe aconselham libertar-se da escravidão; como ocorreu com o filho
pródigo.
O orgulho, a
popularidade, o aplauso, solidariedade e ala, rido dos outros, para não
enumerar outros fatores, são vozes tentadoras e péssimas conselheiras, enquanto
a humildade dos servos de Deus, dirá com confiança, como Maria: “Faça-se em mim
segundo a vossa vontade”, revelada por Deus e transmitida pela Igreja.
Conclusão
Se a Teologia da
Libertação focaliza e jorra maior luz para compreender e resolver uma grave e
real questão social e moral, como a da injustiça social, e orienta sua linha
pastoral para uma educação de sólida formação religiosa, como base de novas
práticas do amor cristão e da. fraternidade humana, só nos podemos alegrar com
este despertar para uma mais efetiva vivência cristã.
Mas, se a Teologia
da Libertação quer obter a justiça social pela luta de classes, mesmo quando
empolgada por Lima fala “opção preferencial pelos pobres”, o espírito cristão
lhe adverte que a ideológica análise marxista, considerada “a científica”, é
caminho ilusório e errado. É o ensinamento e a advertência sábia e prudente do
Magistério da Igreja, mãe e mestra autorizada e assistida por Deus, que tem uma
experiência de 20 séculos.
É prudente e
cristão, ouvir docilmente sua voz e os seus conselhos, repetidos solenemente
pelo documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Portanto, se
alguém se encontra nesse rumo errado, é melhor retroceder e, com humildade,
retornar à casa paterna, como o fez o filho pródigo, certo de obter a
reconciliação e o perdão da misericórdia divina
Se, porém, quiser
prosseguir na estrada liberacionista para a libertação dos pobres, no tempo e
na eternidade, é certo que não haverá policia da Igreja para conduzi-lo ao
cárcere ou manicômio. Livremente usando e abusando da liberdade que Deus lhe
deu, se conseguir ver triunfante, por manobras de astúcia ou até mesmo pela
violência, a libertação suspirada do proletariado, desembarcará numa sociedade
completamente diversa daquele paraíso terrestre que sonhou e apregoou e
verificará, então, que foi “pior a emenda que o soneto”. É o mínimo que lhe
posso dizer, com a verdadeira história dos povos nas mãos e na mente.
Lastima também que
o liberacionista não quis ouvir, durante sua vida de sacerdote ou ao menos de
fiei, o Pai amoroso que veste os lírios do campo e sustenta os pássaros dos
céus e, para guiar os homens para a verdadeira salvação, fundou a Igreja,
ordenando que ouvisse-mos sua voz …
Menosprezada a
advertência da Igreja, preferiu ouvir outras vozes e ensinamentos, como os
nossos primeiros pais no paraíso, para se tornarem iguais a Deus. Foram
tentados por causa do orgulho ou da ânsia de popularidade? Não o saberei dizer.
Limito-me a registrar o fato, com espírito de fé e de docilidade à cátedra de
Pedro, e a manifestar minha tristeza, vendo como homens de talento, pela
Teologia da Libertação, deram grandes passos, mas fora da estrada.
Fonte: Cleofas.com.br
Escrito por Prof. Felipe Aquino
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