Lucas nos conta em seu Evangelho o encontro do Anjo Gabriel com Maria: "Alegra-te cheia de graça o Senhor está contigo!" (Lc1, 30b-31). O Anjo Gabriel pede a Maria que se alegre. O anúncio que ele trazia à jovem de Nazaré era uma boa nova, uma alegre notícia: "Encontraste graça junto a Deus. Conceberás e darás a luz a um filho, e lhe porás o nome de Jesus". (Lc1, 28).
Jesus: esse era o nome que o enviado por Deus dava ao filho que Maria era chamada a conceber, por obra do Espírito Santo. Além de chamá-lo de "Jesus", o mensageiro também chamou-o de Filho do Altíssimo, (Cf. 1, 32).
Dias depois da Anunciação do Senhor, Maria foi apressadamente à casa de sua prima Isabel. Da boca de sua parenta, o filho que esperava recebeu outro nome: Senhor. "Como mereço que a mãe do meu Senhor venha me visitar?" (Lc1, 43).
Elogiada por Isabel, por haver acreditado no que lhe foi anunciado e proposto, a Mãe de Jesus prorrompeu num canto, conhecido com o nome de Magnificat. (Cf. Lc1, 47-55)
Nele Maria engrandece seu Senhor e testemunha sua alegria, em Deus seu Salvador.
Até o momento da Anunciação, desconhecia-se que Deus é Trindade. Maria foi a primeira criatura a saber que Deus é Pai; e é Pai porque desde a eternidade tem um Filho, Jesus Cristo, "nascido do Pai antes de todos os séculos... Deus verdadeiro de Deus verdadeiro" (Credo). Foi também a primeira pessoa a saber que o Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, é o "Senhor que dá a vida e procede do Pai e o Filho".
Por ocasião do nascimento de Jesus, o anúncio dos anjos aos pastores centrou-se em uma natureza: "Hoje na cidade de Davi, nasceu para nós um Salvador, que é o Cristo Senhor!" ( Lc2, 11).
Mais tarde, o mesmo título - Salvador - será dado a Jesus pelos conterrâneos da Samaritana: "Já não é por causa daquilo que contaste que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo!" (Jo4, 42)
Em sua carta o Apóstolo Pedro incentivará as comunidades do Norte da Ásia Menor: "Procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2Pd3, 18).
"Todo homem deve poder encontrar-se com Cristo... Todo homem aliás, necessita de Cristo, também ele homem perfeito e Salvador do homem. Cristo é a luz que, integrada nas diversas culturas, as ilumina e as eleva por dentro". {João Paulo II, Salvador-BA-07.07.80}.
Sim, o Filho de Deus é nosso Salvador, "por nós foi crucificado...padeceu e foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia..." - "A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus Salvador, porque, a partir daí, é o nome de Deus que manifesta em plenitude o poder supremo do nome que está acima de todos os nomes". (Fl 2, 9-10).
A transmissão da fé cristã é primeiramente o anúncio de Jesus Cristo, para levar a fé nele. Desde o começo, os primeiros cristãos ardiam de desejo para anunciar a Cristo (1Jo 1, 1-14). Movidos pela graça do Espírito Santo atraídos pelo Pai, cremos e confessamos acerca de Jesus: "Tu és o Cristo filho do Deus Vivo!" (Mt 16, 16).
Quando pronunciamos de uma só vez as duas palavras Jesus Cristo, não podemos dizer como se formassem uma só. Ora, quando dizemos "Jesus Cristo", não estamos empregando um modo rebuscado de nos referirmos a nosso Senhor, pois podíamos simplesmente dizer "Jesus" ou "Cristo" não nos limitaríamos a nomear nosso Senhor; mas dizemos algo acerca dele; Jesus quer dizer, em hebráico "Deus Salva". No momento da Anunciação, o anjo Gabriel, ao conceder-lhe o nome de Jesus, exprime a identidade de sua missão, (Lc1, 31).
Uma vez que "só Deus pode perdoar os pecados" (Mc2, 7), é Ele que em Jesus seu Filho eterno feito homem, salvará o seu povo de seus pecados. (Mt 1, 21)
O nome Jesus significa que o próprio Deus está presente na pessoa do seu Filho, (At 5,41). Feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. É o único nome divino que traz a salvação, (Jo3,5), e agora pode ser invocado por todos, pois se uniu a todos pela Encarnação, (Rm 10,6), de sorte que: "não existe debaixo do Céu outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos". (At 4, 12)
Deus realiza nossa salvação através de uma longa História. De fato, depois do pecado, ele não nos abandona, mas através de um povo concreto, Israel, reinicia o diálogo da salvação, realizando sucessivas Alianças, para que possamos construir o mundo a partir da fé e da comunhão com Ele. Fatos concretos da História deste povo, particularmente o Êxodo, mostram a mão da poderosa de Deus Pai que anuncia, promete e começa a realizar a libertação do pecado e todas as suas consequências.
O centro da História de nossa libertação é a figura de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus. A salvação que ele nos propõe ultrapassa de muito a redenção do pecado; por ela se cumpre o plano de Deus, que quer comunicar-se conosco em Jesus, com tal plenitude que vai muito além da expectativa humana, ou seja: em Jesus Cristo todos somos chamados a participar da própria vida divina pelo Espírito Santo, e daquela cristificação do cosmos e da História, que Deus pensou desde o início do mundo, (Cl 1,15-20).
De fato, a obra redentora de Cristo visa também a restauração de toda a ordem temporal, pois embora a ordem espiritual e a ordem temporal sejam distintas, encontram-se, no entanto, intimamente ligadas no único propósito de Deus, ou seja, fazer do mundo em Cristo, uma nova criação que se inicia aqui na terra e tem a sua plenitude no último dia.
Este plano de amor conserva sempre sua força e se estende a todos os tempos. Ainda que pecador, o homem permanece na única ordem desejada por Deus, isto é, numa radical vocação para a comunhão com ele em Jesus Cristo. São Paulo escreve que Deus enviou Jesus (seu Filho feito homem), para nos salvar pelo seu Sangue (Rm3, 25); quer dizer que, na sua humanidade, "era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo" (2Cr5, 19).
Por isso, todos movidos pela graça podemos, pela conversão, alcançar a salvação.
A missão da Igreja é anunciar o Evangelho para que os ouvintes acreditem que Jesus Cristo é o salvador do mundo, o Filho de Deus, e acreditando tenham a vida em seu nome. (Cf Jo 20, 31).
A catequese "tem em vista transmitir a Palavra de Deus que revela seu desígnio de salvação realizado em Jesus Cristo de nodo a despertar a fé e a conversão ao Senhor e a viver em comunhão com Ele" (Catecismo da Igreja 5s).
JESUS MISERICORDIOSO
Jesus, o Filho de Deus feito homem, é o único e verdadeiro caminho para entender a Deus, para conhecê-lo, para encontrá-lo.
Toda tentativa de chegar a Deus, fora de Cristo, é destinada ao fracasso. São João nos diz: (Jo1, 18); "Ninguém jamais viu Deus. O Filho único que está no seio do Pai, o deu a conhecer".
Na Encíclica do Papa João Paulo II, 'Dives In Misericordia' (Deus rico em misericórdia), ele escreve:
"A Igreja professa a misericórdia de Deus, a Igreja vive dela na sua vasta experiência de fé e também no seu ensino, contemplando constantemente a Cristo, concentrando-se nele, na sua vida e no seu Evangelho, na sua luz e ressurreição, enfim, em todo seu mistério. Tudo isto que forma a visão de Cristo na fé viva e no ensino da Igreja, aproxima-nos da visão do Pai" na santidade e na misericórdia. A Igreja parece professar, de modo particular, a misericórdia, a misericórdia de Deus e vivê-la voltando-se para o coração de Cristo. De fato, a aproximação de Cristo, no mistério de seu coração, permite-nos deter-nos neste ponto da revelação do amor misericordioso do Pai, que constitui, em certo sentido, o núcleo central e ao mesmo tempo, o mais acessível no plano humano da missão messiânica do filho do homem.
A Igreja vive uma vida autêntica quando professa e proclama a misericórdia, o mais admirável atributo do Criador e do Redentor, e quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador, das quais ela é depositária e dispensadora (DM 13).
Fora de Cristo, os homens se arriscam a dar ao rosto de Deus aparências muito estranhas e às vezes perigosas, porque todo modo de pensar a Deus tem percussão do modo de pensar o homem na sua vida.
Hoje dá um verdadeiro renascimento de vários deuses pagãos, que não passam de criações humanas colocadas nos céus: Deus-Poder que assusta e domina o mundo; que destrói a todos que são contra ele. Volta a sobressair a imagem do Deus-juiz que tem somente a função de punir e condenar (principalmente aqueles que não pensam como eu ou que não são da minha religião); Deus ainda pode voltar a ser um Deus inatingível, sem o mínimo interesse pelo homem e suas preocupações.
Para muitos Deus se confunde com o mundo, se dissolve e desaparece, deixando o homem na solidão dos seus problemas não resolvidos.
Jesus trouxe ao mundo a revelação do verdadeiro rosto de Deus. Ele nos deu a conhecer o Pai. Foi algo surpreendente, tão diferente do pensamento dos homens que causou, e ainda hoje, causa escândalo, e é considerado como loucura para quem não crê.
Mas para aquele que crê, é a notícia mais bela, é a verdade sonhada e esperada, é a verdade que ilumina tudo, uma verdade tão fascinante que é capaz de fazer vibrar o menor dos corações humanos. Cristo veio para nos dizer que Deus é Pai, que é Amor, que é Misericórdia. O que em Cristo se faz visível de Deus não pertence a ordem metafísica de sua essência, como ser absoluto. Na DM, João Paulo II diz mediante a revelação de Cristo conhecemos a Deus antes de tudo no seu relacionamento de amor com o homem na sua filantropia (Tt3,4).
É exatamente aqui que as suas percepções invisíveis se tornam de modo particular, reconhecíveis, incomparalvemente mais reconhecíveis do que através de todas as "outras obras realizadas por ele". Elas tornam-se visíveis em Cristo, por meio de Cristo, através de suas palavras e ações, enfim, mediante a sua morte na cruz e a sua ressurreição.
Contemplando o Cristo que dá a vida por nós, parece que ficamos envolvidos num eco que se prolonga e traduz numa só as muitas palavras do Evangelho. Esta única palavra é Misericórdia.
Tudo fala da misericórdia de Deus, que tanto amou e mandou seu Filho que deu a vida para que pudéssemos ter a vida.
Podemos dizer que este é um linguajar jamais ouvido. Diante da misericórdia, somos sempre como crianças que, pela primeira vez, com alegria e admiração, se abrem a uma experiência até agora desconhecida. Lendo a narração da paixão e morte do Senhor, não podemos deixar de sermos tomados de admiração e mesmo de uma grande alegria. Parece estranho afirmar isso, mas aqui temos, uma vez mais, a narração da infinita misericórdia de Deus que vem ao nosso encontro.
Ele dá a vida para alcançar-nos no perdão e pede ainda ao Pai que perdoe os que o crucificaram.
Seria bom reler o Evangelho escrito por São Lucas. Ele é conhecido como escritor da mansidão, da bondade e da misericórdia de Cristo. Poderíamos reler as parábolas de misericórdia. É uma só a ovelha perdida , mas o pastor vai à sua procura e depois, ao encontrá-la, volta para casa, todo feliz e faz uma grande festa.
E fala ainda, que no céu haverá muita festa por um só pecador arrependido. Compara-se a uma mulher que se alegra porque encontrou uma pequena moeda. Comovente é a história do pai que fica esperando o filho que saiu de casa, se alegra com sua volta, corre ao seu encontro e faz uma grande festa.
Era uma ovelha perdida, uma moeda perdida, um filho que havia saído de casa. Um só. Deus tem um coração também para um só. Mesmo que seja uma ovelha que fugiu, o filho que foi embora. Deus ama cada um, a cada um de seus filhos e filhas. Mais ainda, Deus guarda em seu coração cada um de seus filhos como se fosse único. Parece que Jesus só sabe contar até um. Para ele, cada um de nós é único.
'Eu sou todo interesse de Deus'; eu sou o pensamento eterno de Deus; Deus me ama até a loucura. Ou será que não podemos dizer que Deus foi realmente louco a fazer o homem? Não é loucura Deus viver na nossa vida, sofrer, morrer e ressuscitar? E tudo isso só por causa de mim?
Por tudo isso,a cruz não é sinal de tristeza, nem só de sofrimento e derrota. É sinal de salvação, de um amor que não conhece limites, do amor com que Ele nos ama. A cruz parece um espetáculo que assusta e afasta. Mas, de repente parece que tudo muda. Um dos ladrões se arrepende e é perdoado, o centurião reconhece no homem da cruz, um homem justo. A multidão, volta para as suas casas batendo no peito, em sinal de arrependimento. E mesmo para os chefes de Israel Jesus pronuncia aquelas palavras de perdão: "Pai perdoa-lhes..."
Lucas escreve em seu Evangelho que as multidões tinham acorrido para ver o espetáculo. estamos realmente diante de grande, o maior de todos os espetáculos: O espetáculo da misericórdia de Deus. Olhando para o Senhor na Cruz, lembramos as palavras de São Paulo: "Ele me amou e se entregou por mim".
Aqui reencontramos o núcleo ais profundo do ensinamento conciliar (Vaticano II) sobre a Divina Revelação:
"Em Cristo, e mediante Cristo, torna-se particularmente visível Deus na sua misericórdia". Não somente jesus fala dela, mas Ele mesmo a encarna e personifica. Ele mesmo é, em certo sentido a misericórdia.
"Revelada em Cristo a verdade revelada em Deus Pai de misericórdia, permite-nos vê-lo particularmente vizinho(próximo) ao homem, sobretudo quando este sofre, quando é ameaçado no núcleo próprio de sua existência e de sua dignidade".
Aqui, as palavras começam a falar e talvez seja melhor parar de falar (ou escrever) e começar a orar. Deus é amor. Esta é a grande novidade, a grande revolução que entrou na história humana, esta é a luz que restitui a humanidade os lineamentos perdidos por uma longa história de pecados, de egoísmo e orgulho. Toda a história da salvação nos diz que 'Deus é caridade' (1Jo 4, 8), um Deus que cria, por amor, todos os homens, o Universo, para fazê-los participantes de uma vida plena e definitiva.
Mas para compreender totalmente a Deus e a sua caridade, precisamos olhar para Jesus Cristo, que morre na Cruz, pela salvação da humanidade. (cf. 1Jo 4, 9-10)
Hoje muitos procuram um Deus à sua imagem e semelhança, um Deus que justifique seu modo de pensar e agir. Mas é bom e necessário que pelo menos que alguns continuem a crer no verdadeiro Deus revelado por e em Jesus Cristo; que continuem a crer no verdadeiro Deus, de amore de misericórdia; que mesmo correndo o risco de não serem entendidos, queiram correr outro risco: continuar a crer no amor e apostar na força do perdão e da misericórdia.
Texto de Pe. Francisco Sehmen, scj- Revista Brasil Cristão-ed.08 e 09 /2011