TERTULIANO
DE CARTAGO
Tertuliano era teólogo,
jurista e advogado. Considerado o pai da Igreja Ortodoxa primitiva. Alguns
acreditam que era padre, outros, porém, negam essa possibilidade já que seus
escritos o apresentam como um homem casado.
Parte de seus escritos
contribuiu para o crescimento da Fé nos primeiros séculos. Alguns padres da
Igreja, porém, na mesma época ou posteriores definiram alguns ensinamentos de
Tertuliano como heresia; grande parte de seus ensinamentos foram aceitos e
considerados até hoje pela Igreja Romana.
Podemos dizer que
existiu fazes na história deste grande teólogo em que ele combate muitas
heresias, mas, também em outras constrói outras teses em que as mesmas são
consideradas heréticas.
Sua vida é cheia de
polêmicas devido sua posição firme em certos assuntos. Sua conversão mais
radical acontece quando toma como exemplo a vida dos mártires cristãos. Em
certas fases, aceito, em outras, não aceito pela Igreja, seus escritos ajudaram
muito na solidificação da doutrina cristã.
Nem tudo que defendia a
teologia de Tertuliano era mentira, mas, nem tudo também era real verdade. Mas,
a grande maioria consiste de raízes sólidas e contribuiu para a solidificação
da doutrina cristão hoje:
Resultado
de imagem para imagens de Tertuliano de Cartago
Pouquíssima informação
confiável existe sobre a vida de Tertuliano. A maior parte do que sabemos sobre
ele vem de seus próprios escritos.
De acordo com a
tradição, ele foi criado em Cartago e acreditava ser o filho de um centurião romano,
um advogado treinado e um padre ordenado. Estas assertivas se baseiam
principalmente em Eusébio de Cesareia na sua História Eclesiástica (livro II,
cap. 2) e em São Jerônimo, em De Viris Illustribus (cap. 53).
Jerônimo alegou que o
pai de Tertuliano tinha a posição de centurio proconsularis no exército romano
na África. Porém, não está claro se esta posição sequer existiu nas forças
militares romanas.
Adicionalmente,
acredita-se que Tertuliano foi um advogado por causa do uso que ele faz de
analogias legais e de uma identificação dele com o jurista Tertulianus, que foi
citado no "Digesta seu Pandectae".
Embora Tertuliano
utilize conhecimentos da lei romana em seus escritos, seu conhecimento legal
não é — de forma demonstrável — superior ao que se esperaria de um romano com
educação suficiente. Dos escritos de Tertulianus, um advogado com o mesmo
cognome, existem apenas fragmentos e eles não demonstram uma autoria cristã. E
Tertulianus só foi confundido com Tertuliano muito depois, por alguns historiadores
cristãos.
Também não sabemos se
ele era um padre. Em suas obras sobreviventes, ele jamais não descreve ser
sacerdote; dá a entender que é um leigo, em trechos de "Exortação à
Castidade" (7.3) e "Sobre a Monogamia" (12.2).
A África era famosa por
possuir muitos oradores. O que demonstra o estilo de Tertuliano, permeado de
arcaísmos e provincialismos, suas imagens brilhantes e o seu temperamento
apaixonado. Ele era um estudioso erudito, escreveu pelo menos dois livros em
grego. Neles, ele se refere a si mesmo, mas nenhum sobreviveu até hoje. Sua
principal área de estudo era a jurisprudência e sua forma de raciocinar revela
algumas marcas de um treinamento jurídico mais formal.
Conversão
Acredita-se que sua
conversão ao cristianismo tenha acontecido por volta de 197–198, mas seus
antecedentes imediatos são desconhecidos, exceto o que pode ser conjecturado a
partir de seus escritos. O evento deve ter sido repentino e decisivo,
transformando de uma vez sua própria personalidade. É conhecido pelas suas
frases fortes, inflamáveis e impactantes.
Ele escreveu que não
podia imaginar uma vida verdadeiramente cristã sem um ato consciente e radical
de conversão:
“Nós somos da mesma
laia e natureza: cristãos são feitos e não nascidos”.
Dois livros endereçados
à sua esposa confirmam que ele foi casado com cristã.
No meio de sua vida
(por volta de 207 d.C.), ele foi atraído pela "Nova profecia" do
Montanismo e parece ter deixado o ramo principal da Igreja. No tempo de Santo
Agostinho, um grupo de "tertulianistas" ainda tinham uma basílica em
Cartago que, nesta mesma época, passou para a Igreja. Não sabemos se esta é
apenas uma outra denominação para os montanistas e se significa que Tertuliano
rompeu também com os montanistas e fundou seu próprio grupo. Tertuliano tinha
um temperamento violento e enérgico, quase fanático, lutador empedernido e
muitos dos seus escritos são polêmicos. Bateu de frente muitas vezes com os
líderes eclesiásticos da época.
Este temperamento,
impressionado com o exemplo dos mártires, que o levou à conversão, permite
compreender a sua passagem ao montanismo.
Resultado de imagem
para imagens de tertuliano de cartagoSão Jerônimo diz que Tertuliano morreu com
idade bastante avançada, mas não há outra fonte confiável que ateste sua
sobrevivência além do ano estimado de 220 d.C.. À despeito de seu cisma com a
ortodoxia da Igreja, ele continuou a escrever contra as heresias, especialmente
o Gnosticismo. Assim, através de suas obras doutrinárias que publicou,
Tertuliano se tornou professor de Cipriano de Cartago e o predecessor de Santo
Agostinho que, por sua vez, se tornou o principal fundador da teologia latina.
Podemos dividir o
conjunto das suas obras em três grandes grupos:
Escritos apologéticos
(de defesa da fé contra os opositores): Aos pagãos, Apologeticum (a sua obra mais
conhecida), O testemunho da alma, Contra Escápula, Contra os judeus.
Escritos polémicos: A
prescrição dos hereges, Contra Marcião, Contra Hermógenes, Contra os
valentinianos, O baptismo, Scorpiace, A carne de Cristo, A ressurreição da
carne, Contra Práxeas, A alma.
Escritos disciplinares,
morais e ascéticos: Aos mártires, Os espetáculos, O vestido das mulheres, A
oração, A paciência, A penitência, À esposa, A exortação da castidade, A
monogamia, O véu das virgens, A coroa, A fuga na perseguição, A idolatria, O
jejum, A pudicícia, O manto.
Apesar de ser
considerado por muitos o fundador da teologia ocidental, a verdade é que tal
designação é exagerada, porque Tertuliano não tem propriamente um sistema
teológico. De facto, para isso faltou-lhe o equilíbrio necessário para
organizar os vários artigos da fé, assim como a preocupação pela coerência,
pois não era do seu interesse conciliar a fé com a razão humana.
A
fé e a filosofia
Para Tertuliano, a
questão das relações entre a fé e a filosofia nem sequer se colocavam, pois
entre ambas nada existia de comum. A filosofia era vista como adversária da fé,
e os filósofos antigos como patriarcas dos hereges. Para ele, de facto, fé e
razão opõem-se, e podemos encontrar na filosofia a origem de todos os desvios
da fé. No entanto, é forçado a reconhecer que algumas vezes os filósofos pensaram
como os cristãos, e denuncia algumas influências de correntes filosóficas
antigas, nomeadamente do Estoicismo.
É bem conhecida a frase
"credo quia absurdum". Apesar de ela não se encontrar nos escritos de
Tertuliano, mas apenas algumas semelhantes, ela condensa bem o seu pensamento
acerca da razão. Note-se que o seu significado é não apenas "creio embora
seja absurdo", mas sim "creio porque é absurdo". A verdadeira fé
tem de se opor à razão.
A
teologia e o direito
Tertuliano era jurista,
advogado, e isso se refletiu em sua teologia e em seus escritos de duas
maneiras:
Quanto
ao método argumentação: Nascia na Igreja a procura de uma
argumentação precisa e cerrada, sem falhas, à imagem daquela usada nos
tribunais. Foi Tertuliano que usou contra os hereges o argumento da
prescriptio, que mostrava que apenas a Igreja unida a Roma provinha das
origens, enquanto todos os outros teriam surgido depois e seriam, por isso,
falsificadores;
Quanto
à linguagem: Tertuliano introduziu na teologia
latina, e na da Igreja em geral, uma série de termos e conceitos provenientes
do direito. Concebeu a vida cristã e a salvação à semelhança de um processo
penal, em que Deus é o legislador, o Evangelho a lei, quem obedece recebe a
compensação, quem desobedece torna-se culpado e é castigado. Tertuliano
introduziu ou consagrou algumas distinções importantes, como por exemplo a de
preceito e conselho evangélico.
A
regra da fé
Para Tertuliano, a
regra da fé constitui-se como lei da fé. Nos seus escritos encontramos fórmulas
de dois elementos, com menção do Pai e do Filho, e outras de três, que
acrescentam o Espírito Santo. As várias fórmulas apresentadas por Tertuliano,
semelhantes entre si na forma e no conteúdo, mostram a existência dum resumo da
fé próximo do símbolo batismal.
A
Trindade
Tertuliano, apesar de
ter dotado a teologia trinitária dum vocabulário preciso, e de ter procurado a
exatidão, não se livrou de algumas ambiguidades e deficiências.O maior
contributo de Tertuliano para a teologia foi a sua reflexão acerca do mistério
trinitário. Criou um vocabulário que passou a fazer parte da linguagem oficial
da teologia cristã. Foi ele que introduziu a palavra “Trinitas”, como
complemento da “Unitas”.
Segundo Tertuliano,
Pai, Filho e Espírito Santo são um só Deus porque uma só é a substância, um só
estado (status) e um só poder. Mas, por outro lado, distinguem-se, sem
separação, pelo grau, pela forma e pela espécie (manifestação). Tertuliano
introduz assim o termo “pessoa”, (persona), para significar cada um dos três,
considerado individualmente. Este vocabulário passou a vigorar, até hoje, para
referir as realidades trinitárias. No entanto, Tertuliano deixa transparecer
alguma influência subordinacionista. A Igreja Católica e grande parte das
denominações cristãs aceitam a doutrina da Trindade porque ela é bíblica e
claramente comprovada nos evangelhos.
Embora o nome
"Trindade" não apareça claramente na Sagrada Escritura, Jesus várias
vezes faz referências a Ela ao falar de Deus Pai, ele o Filho e o Espírito
Santo. Em Mateus 28, 19 mandou que os Apóstolos quando batizassem, o
fizessem em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Tertuliano apenas definiu as reais pessoas distintas de Deus,
que é Único, nas três pessoas reveladas por Jesus. E o fez de forma precisa,
com argumentos sólidos e hoje todas as denominações para serem consideradas
igrejas cristãs tem que admitir e professar a fé na Trindade. Quando falamos em
Santíssima Trindade, na verdade, estamos nos referindo a um só Deus, um só
Senhor, a nós apresentados como três pessoas
distintas, sendo então, um só Senhor, um só Deus um só poder, uma só
substância, uma só comunhão.
Ao falar da geração do
Filho, sem querer comprometer a sua divindade, admite uma certa gradação, desde
uma fase anterior à criação, em que o Logos de Deus se contempla a Si mesmo,
para passar a contemplar a economia salvífica, e é engendrado de forma imanente
em Deus, até à criação, em que a Palavra se realiza como tal ao ser proferida.
Cristo é, assim, o primogênito do Pai, gerado antes de todas as coisas, mas não
é eterno. O Filho é como que uma porção ou emanação do Pai.
Cristologia
Tertuliano formulou
algumas doutrinas relativas à pessoa de Cristo, que haviam de ser reconhecidas
mais tarde em concílios, de tal modo que podemos dizer que a sua cristologia
tem os méritos da sua teologia trinitária, sem os seus defeitos. Tertuliano
afirma com clareza as duas naturezas de Cristo, sem confusão entre as duas, nem
redução de alguma delas. Nisso, proclama já o que mais tarde havia de ser
solenemente afirmado no Concílio de Calcedônia (451) Jesus Cristo é
verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus, nascido do Pai, gerado, não
criado, consubstancial ao Pai.
Mariologia
Na sequência da sua
cristologia, Tertuliano acentua que Maria deu realmente à luz o Verbo
Encarnado. Reconhece que ela era virgem quando concebeu mas, para lutar contra
a cristologia doceta, que defendia que o nascimento de Jesus tinha sido apenas
aparente, nega a virgindade de Maria no parto e após o parto (pois isso
parecia-lhe dar argumentos ao adversário). Do mesmo modo, entende que os
“irmãos de Jesus” são filhos de Maria. Isso levou sérios conflitos na Igreja.
Apesar de tudo, Tertuliano proclama Maria como a nova Eva.
Em Éfeso, no ano 431,
Maria recebeu o nome de “Theotokos”, palavra grega que diz exatamente “Mãe de
Deus”, e foi julgado insuficiente o título de “Christotokos”, ou seja “Mãe de
Cristo ou Deus Filho ”. Claro Maria não
é mãe de Deus Pai, e sim, mãe de Deus Filho, Jesus Cristo.
A Igreja não reconheceu
a última parte desse ensinamento de Tertuliano e em 1854 proclamou dogma da Imaculada Conceição de
Maria no ano 1854.
A Igreja proclamou como
verdade de fé que Maria foi concebida sem a mancha do pecado original; e
afirmando que Jesus é o filho único de Maria e retirou a hipótese de que ela
teve mais filhos com José, entendendo o termo "irmãos" como sendo os
primos, parentes próximos, ou conterrâneos de Jesus. Já que o discípulo João
descreve em seu evangelho que Jesus antes de entregar o espírito na Cruz
entregou-a aos cuidados dele. (Jo19, 25-27); Se Maria tivesse outros filhos
Jesus não precisaria fazer isso. No entanto,
João escreveu que dia em diante
ele a levou para sua casa. A Tradição conta que Maria, após a morte de Jesus,
foi morar em Jerusalém e depois mudou-se para Éfeso e lá permaneceu até sua
morte. E não menciona mais sobre se os prováveis irmãos de Jesus a tenham
visitado. Também o fato de que os chamados "irmãos de Jesus" só
aparece uma vez no evangelho dando a impressão que se referia aos parentes
próximos de Jesus. Era costume dos judeus chamarem entre si de irmãos.
O Evangelho apócrifo de
Tiago descreve que Maria morreu na companhia dos Apóstolos e não faz nenhuma menção
aos irmãos. Mas, Tiago descreve que José antes de casar-se com Maria, era viúvo
e teve filhos do primeiro casamento, quando casou com Maria já tinha idade
avançada. Pode ser que esses "irmãos" de que a Bíblia fala seja os
considerados irmãos de Jesus por parte de José. Por isso os demais Padres da Igreja derrubaram essa
segunda arte do ensinamento de Tertuliano.
Interessante observar
que embora Tertuliano não acreditasse na virgindade de Maria após o parto, pois
a Igreja só decidiu o dogma da Imaculada Conceição muitos séculos depois, ele
continuou sendo aceito pela Igreja Romana. Suas ideias não causaram, divisões.
Ao contrário do protestantismo que defende essa mesma de Tertuliano, mas,
separou-se da Igreja.
Eclesiologia
- algumas divergências
Na primeira fase,
Tertuliano considera a Igreja como Mãe, numa expressão de extremo respeito e
veneração. Tal como Eva foi formada da costela de Adão, também a Igreja teve a
sua origem na chaga do lado de Cristo. A Igreja é guardiã de Fé e da Revelação.
Assim, as Escrituras pertencem-lhe, e só ela mantém o ensinamento dos Apóstolos
e pode transmiti-lo. Esta concepção, do período católico de Tertuliano, é
ortodoxa, e semelhante à defendida por Irineu de Lyon.
Na sua segunda fase
montanista, porém, torna-se visivelmente herege, concebendo a Igreja como um
corpo puramente espiritual, de tal modo que bastam dois ou três cristãos para
que se possa dizer que se manifesta a totalidade da Igreja una. Essa seria a
Igreja do Espírito, oposta à “Igreja dos bispos”. É por esta teoria que
Tertuliano, já herege, substitui a da sucessão apostólica. Tertuliano não
aceitava mais a Igreja como instituição e com sua hierarquia. Ele acreditava a
Igreja apenas como um corpo espiritual.
A
penitência
Tertuliano fornece-nos
pormenores importantes acerca da disciplina penitencial da Igreja, mas a sua
teologia da penitência sofre das mesmas contradições e insuficiências da sua
eclesiologia. Mas é o primeiro a descrever concretamente com clareza o processo
e as formas da penitência. Há possibilidade duma nova conversão após o batismo,
conseguida na sequência duma confissão pública do pecado. Ao pedir perdão, o
pecador usufrui da intercessão da Igreja e recebe a absolvição final pela
pessoa do bispo. Na sua fase católica, Tertuliano mostra considerar que todo o
pecador, por maior que fosse, tinha direito a esta penitência. Distinção entre
pecados, só entre corporais e espirituais, consumados ou de desejo, mas todos
eles podendo ser perdoados através da Igreja. Quando se torna montanista,
porém, passa a considerar alguns pecados irremissíveis, tais como a fornicação,
a idolatria e o homicídio. Isto é um dado novo, sem precedentes na disciplina
primitiva, e testemunha o aparecimento duma facção rigorista, sob a influência
do montanismo. Os católicos argumentavam com a Escritura, mostrando que Cristo
perdoou todos os pecados, mesmo os “irremissíveis”. Tertuliano responde a isto
dizendo que perdoar tais pecados era um poder pessoal e exclusivo do Salvador,
não transmitido à Igreja. Para Tertuliano, por conseguinte, só Deus perdoa os
pecados. Confrontado com a passagem do Evangelho em que Cristo concede o poder
de ligar e desligar, Tertuliano nega que assim a Igreja detenha o poder das
chaves, pois tal poder foi dado pessoalmente só a São Pedro, não a todos os
bispos. Quando muito, para o Tertuliano montanista, o poder de perdoar os
pecados pertence a “homens espirituais”, não aos bispos.
A
Eucaristia
Tertuliano emprega
vários nomes para referir a Eucaristia. São contudo poucas as suas referências
explícitas a esse mistério. Ao falar dos sacramentos da iniciação cristã, diz
que “a carne é alimentada com o Corpo e Sangue de Cristo, para que a alma seja
saciada de Deus (De resurrectione mortuorum, 8). Isto manifesta a sua fé na
presença real de Cristo na Eucaristia. O mesmo se torna patente quando
manifesta a sua indignação por alguns se aproximarem indignamente do Corpo do
Senhor.
Tertuliano testemunha
também o carácter sacrificial da Eucaristia. Fá-lo ao referir o temor que
alguns tinham de quebrar o jejum ao receberem o pão eucarístico. Tertuliano
refere o costume de levar a espécie eucarística para casa e tomá-la
privadamente. É esta uma das mais antigas alusões à reserva eucarística.
Apesar de algumas palavras
ambíguas, Tertuliano manifesta a fé na presença real, que acontece mediante as
palavras da instituição, mas salvaguarda a sua natureza sacramental pois refere
as espécies como sinal e representação (no sentido de tornar presente). A fé
nessa presença real exprime-se ainda na condenação daqueles que negam a
realidade do corpo crucificado de Cristo, mas celebram a Eucaristia: tal
comportamento é absurdo, pois tratam-se da mesma coisa.
Escatologia
Tertuliano admite a
ideia duma penitência da alma após a morte. Somente os mártires escapam a ela.
Todos os outros têm um tempo de espera até ao juízo final, e só a intercessão
dos vivos lhes pode valer. Tal como os milenaristas, Tertuliano considera que,
no fim, os justos, ressuscitados, reinarão durante mil anos com Cristo. Depois
do juízo final, os justos estarão com Deus, enquanto que os ímpios irão para o
fogo eterno.
Em alguns círculos
teológicos, Tertuliano é considerado hoje, como o “maior teólogo” ortodoxo da
Igreja primitiva. Outros chegaram a chamá-lo de “bispo pentecostal de Cartago”
Porém, é interessante observar, que mesmo entre os críticos, Tertuliano é
considerado Inclusive o “mais original” de seu século. Primeiro por reconhecer
a Teologia não como um simples satélite girando entorno da filosofia, mais
sobre tudo também, como uma “ciência” independente e autônoma, capaz de
formular suas próprias ferramentas terminológicas.
Tertuliano é também
lembrado como o grande <>, tendo como isso, dois objetivo
principal que são; a refutação das gravíssimas e aberrantes acusações que os
pagãos dirigiam contra a igreja; e também de maneira positiva e missionária,
comunicar a mensagem transformadora do evangelho de cristo, em diálogo com a
cultura vigente. Tertuliano aparece no cenário da cristandade um estilo que ele
era peculiar, denunciando o comportamento injusto das autoridades políticas de
sua época.
Sua inteligência e
sólida formação jurídica foram claramente demonstradas em seus escritos. Se em
Clemente de Alexandria e Origines nos foi legada uma apologética onde os
elementos filosóficos são predominantes, em Tertuliano como certeza o formato é
jurídico. Em um mundo da pós-modernidade, onde os valores humanos e sociais
estão “carregados” de elementos tais como: pluralismo religioso, relativismo,
mutabilidade, anti-dogmatismo, secularismo, anti-metafisicismo, estudar
pensamento teológico de Tertuliano constitui um dos grandes desafios para
igreja no século XXI, não só pela sua inerentemente originalidade, mais sobre
tudo também, pelo conteúdo teológico-ortodoxo dentro quais no gênero,
Tertuliano talvez seja o seu “maior” representante. Filosofo do século XIX sobre
críticas a Tertuliano, está tentativa erronia de associá-lo ao fideísmo.
Para estes Tertuliano
teria descredenciando à capacidade humana (razão) de se chegar ao conhecimento
de Deus, para saber mais: GEISLER, N. Enciclopédia de Apologética. São Paulo
2001 Vida (pp.825-826)
As características do
homem moderno podem ser detalhadamente explicadas por MONDIN, B. Antropologia
Teológica. São Paulo 1979 Paulinas (pp.47-72) Monergismo.com – “Ao Senhor
pertence a salvação” (Jo 2:9) www.monergismo.com
Tertuliano era
Africano, isto é, um cidadão da África. Seu nome era Quintus Septimius Florens
Tertulianus. Todo historiador que se aventurar em pesquisar o conteúdo
biográfico na antiguidade perceberá, logo de início, as dificuldades
significativas na tentativa de reconstrução precisa dos fatos.
Sobre Tertuliano, não
conhecemos “exatamente” as datas de seu nascimento e de sua morte. No entanto,
entre a maioria dos historiadores eclesiásticos existe um “consenso”. Ao que
parece, Tertuliano nasceu entre ano 150-155 d.c, e morreu em 220 d.c O mesmo
teria se convertido ao evangelho em 195 d.c tendo desenvolvido seu “ministério”
por aproximadamente vinte cinco anos. Tertuliano nasceu em Cartago no norte da
África. A cidade de Cartago era uma província colonizada pelos romanos, situada
a onde hoje é conhecido como Tunísia.
Seu pai (pagão) era um
subalterno no exército carteniense. O jovem Tertuliano teve seu estudo
universitário em Roma, onde se formou em direito, como advogado ele recebeu uma
extensa educação em retórica e leis. (Habilidades indispensáveis por ele mesmo
na defesa da fé). Mesmo depois de formado, Tertuliano não regressou a sua terra
natal Cartago, mais em Roma, se tornou um profissional bem sucedido. Sobre esse
particular o historiador eclesiástico E.E. Cairns, diz: “Conhecedor do grego e
do latim, os clássicos lhe era familiar, Tertuliano fez-se um advogado
competente, ensinou retórica e advogou em Roma.”
Ao que parece o mesmo
chegou a ser procurador na cidade. No entanto é importante salientarmos aqui,
que não devemos confundir que Tertuliano de Cartago como o mesmo Jurista famoso
que aparece em diversas complicações. Após um logo e frutífero desenvolvimento
profissional, no ano 195.d.c, Tertuliano aos quarenta anos se converteu ao
evangelho, segundo o próprio Tertuliano, devido o forte impacto dos testemunhos
dos mártires do evangelho. Talvez por isso, a celebre frase: (sêmen est snguis
christianorum!) “O sangue dos mártires era semente de novos cristãos!”.
Como cristão pela
Igreja “oficial,” ao que parece Tertuliano não foi nomeado a nenhum cargo
ministerial de relevância. Todavia, nem por isso as suas obras deixaram de
produzir um impacto magnetizante na cristandade. Após sua conversão Tertuliano
retornou a sua cidade natal. Em Cartago ainda recém convertida, nosso autor
africano conheceu a Bíblia muito sedo, e se a apaixonou pelas escrituras,
aderindo a esta por toda a sua vida. Tertuliano a conhecia profundamente, e se
referia a ela em cada situação que fosse 4 Isso geralmente acontece, devido à
precariedade das fontes histórica, somente após o aperfeiçoamento de técnica
de: arqueológica, etnológica, lingüísticas etc. - MELLO, L. Antropologia
Cultura. Rio de Janeiro 1983 (pp.20-30).
Cartago foi uma colônia
funda pelos Fenícios, no século IX a.c, uma região ao norte da África, de
fundamental importância estratégica. A florescente civilização cartaginesa
chegou em sua “Akmé” à desafiar o poder de Roma. –
www.nomismatike.hpg.ig.com.br. CAIRNS, E.E. O Cristianismo Através do Século.
São Paulo 2006 Vida (pp.87) 7 TERTULIANO- (Apologético 50,13-) (Apologético 2)
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)
www.monergismo.com possível, devido
tamanha dedicação, logo passou a servir a Igreja como catequista. O historiador
eclesiástico Campenhausen, falado da rápida ascendência de Tertuliano diz:
“Quando ficamos sabendo da existência de Tertuliano, ele já era um respeitável
membro da congregação cristã Cartaginesa. Estava no auge da vida, tinha um
feliz matrimônio, e mesmo parecendo não ser rico, tinha um situação econômica
independente e segura.” 8 Como não era bispo, se limitava a lecionar aos novos
convertidos, podendo até ter “pregado” ocasionalmente a sua congregação. Tendo
uma vida economicamente estável, Tertuliano dispunha também agora de tempo para
produção de trabalhos literários, como isso, logo começou a publicar seus
escritos.
No ano 197 d.c ele
lança sua principal obra, <>, onde defende os cristãos que são
perseguidos pelo Império Romano. Como foi destacado, se na pena de Clemente e
Origines estava à linguagem filosófica, a de Tertuliano como certeza a
jurídica. Vejamos um trecho:
“Oh! Sentença
necessariamente confusa! Nega-se a buscá-los como a inocentes; e manda
castiga-los, como culpados. Tens misericórdia e és severa; dissimulas e
castigas. Como evitas então censurar-te a ti mesma? Se condenas, por não
investiga? E se não investiga, por que não absolves?” (Apologética 2) Ao lermos
estas linhas, percebemos a mente de um advogado que apela a um tribunal
superior contra as sentenças injusta de um tribunal inferior.
Nosso nobre autor
Africano, ainda escreveu temas importantíssimos sobre diversos assuntos como:
heresia, filosofia, teologia, Vida cristã entre outros. Sempre de modo
peculiarmente original, cominando sua fala à, uma ironia mordaz como uma lógica
inflexível, desenvolvendo os temas, como uma retórica invejável e um pouco de
“sadismo”, a linguagem de Tertuliano chega a ser, para alguns, pavorosa e
grandiosa ao mesmo tempo. No entanto, de maneira curiosa, “cinco anos” após sua
conversão, por volta do ano 200 d.c Tertuliano rompe como a igreja “oficial” e
passando a aderir o movimento montanista. Sobre este particular o papa Bento
XVI, disse: “A busca individual da verdade, e a intransigência de seu caráter,
o levaram pouco a pouco a abandonar a comunhão com a Igreja e a unir-se à seita
do montanismo. Contudo, a originalidade de seu pensamento e a incisiva eficácia
de linguagem lhe dá um lugar de particular importância na literatura cristã
antiga.”
É justamente isso que
aconteceu, o ato de Tertuliano ter ou não abandonado a “igreja” oficial não
invalidaram em hipótese alguma relevância de seus escritos, exclusive muitos
desses foram escritos no período montanista. 10 Como montanista, Tertuliano não
se tornou nada além do que sempre foi. Mesmo debaixo de críticas, ele tinha
fundado uma “escola”. Cipriano que era bispo em Cartago, (a quem Tertuliano
“carinhosamente” chamava de “o vigário pagão”) nunca se dirigindo ao dissidente
pelo nome, mesmo assim, nos 8 CAMPENHAUSEN, H. Os Pais da Igreja. Rio de
Janeiro 2005 (pp.182) 9 Sobre a fala de Bento XVI ver: www. Vaticano.com.br/
tertuliano 10 Montanismo: CAIRNS, E.E. Ibid, (pp.82,83) ver também CAMPENHAUSE,
H. Ibid. (p, 200). Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9)
www.monergismo.com 5 bastidores foi seu grande admirador. “Mais tarde seu
secretário relatou, que não havia se quer um dia, que Cipriano não lesse as
obras de Tertuliano, chamando-o simplesmente de mestre.” (Campenhausen).
Até hoje existe uma incógnita sobre o que
teria levando o celebre Tertuliano, se juntar à seita. Aquém diga que foi o
formado ascético, e anticlerical inerente ao movimento, como Tertuliano tinha
uma “Inclinação” ao legalismo-judaico, o mesmo viu em Montano um fiel pregador.
Outros opinam, que a falta de sistemática-doutrinaria, foi quem levou
Tertuliano a acoplar-se ao o movimento dando-o ao mesmo as características que
lhe faltavam. Seja pelo sim ou pelo não, nunca saberemos ao certo. Em meados de
220 d.c Tertuliano morre em Cartago, o final de sua vida está perdido no
obscurantismo, acredita-se que o mesmo tenha fundado um novo grupo cristão
pouco tempo antes de sua morte, o qual levaria o seu nome. 150 anos mais tarde
Agostinho, se deparou em Cartago como um grupo independente conhecidos por
“tertulianista”, a quem Agostinho conquistou novamente para Igreja cristã.
O certo é que nosso
autor Africano morreu como dissidente, todavia, contudo a antiga Igreja latina,
“nunca mais” teria um mestre da mesma envergadura. II. AS OBRAS Tendo em vista
a época em que ele viveu, pode-se dizer que a produção literária de Tertuliano
é considerável.
No entanto, citaremos aqui apenas os títulos
de suas obras mais importantes. Entre as muitas obras estão:
1. Apologeticus
(Apologética) concluído em 197 d.c, o livro constitui, sem dúvida alguma a obra
mais importante do autor. Dirigidas especificamente aos governantes do Império,
Tertuliano defendeu veementemente o cristianismo, contras as perseguições
romanas, defendeu a postura ética dos Cristãos, mostrando que os mesmo eram
leias cidadãos do império. Com a diplomacia de um advogado que quando falava
“filosofava” (Harnack).
2. On Baptismate (Do
Batismo) Nesta obra o autor demonstrou o valor agregado ao sacramento do batismo.
O mesmo de maneira bem intensa, chega a afirmar que os pecados cometidos depois
do batismo, deveriam ser considerados pecados mortais.
3. The prescription
against heretics (Prescrição contra os heréticos) Tratado dirigido a os
filósofos, o qual o nosso autor tentou mostrar a inutilidade dos métodos
filosóficos. Pois enquanto os filósofos procuravam pela verdade, o cristão já a
tempo a teria encontrado.
4. De Oratione (Da
Oração) Obra composta, por 29 capítulos, foi redigida, entre 198- 200, sendo o
mais antigo comentário do pai-nosso. Dirigido a cristandade, contendo
orientações para vida cristã, o formato da obra é predominantemente prático.
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9) www.monergismo.com
5. De Anima (Tratado
sobre a alma) Nosso autor trata do estado das almas antes da ressurreição. Para
ele, tanto os crentes como ímpios que morreram, estão em um estado
“intermediário” da ressurreição ele diz: “A alma espera sempre o corpo, para
sofrer ou gozar” (c.58 P.L. 2, 795s).
6. Adversus Marcion
(Contra Marcião) Escrita por volta de 207-08 d.c Tertuliano, condena inúmeras
heresias de Marcião, entre elas a erronia tentativa dele, de divisibilidade
entre a mensagem veotestamentaria com a neotestamentaria.
7. Adversus Praxeas
(Contra Praxeas) A obra recheada de polêmica vigorosa contra certo Praxeas que,
supostamente, introduziu em Roma a heresia do monarquianismo ou
patripassianismo. Nele Tertuliano informa-nos que, enquanto a heresia de
Praxeas varria a Igreja, os crentes de uma forma geral continuavam vivendo na
sua simplicidade doutrinaria.
O PENSAMENTO
Todas as vezes que
quisermos nos aventura na tentativa de “reconstruir” um pensamento de um autor.
Duas coisas básicas precisam ser feitas:
1) ter um contado
direto como o próprio autor.
2) Ler pessoalmente
todos os seus escritos. Ah! Cuidado, antes de você sugerir um terceira via,
lembre-se nada “superaria” as duas anteriores. Sobre este primeiro momento,
(ter um contado com o autor) o Filosofo Platão costumava dizer que essa seria a
“melhor forma” de se transmitir uma verdade, pois para ele toda verdade só
poderia ser transmitida “via diálogo”, pois segundo ele, existia uma
diferenciação abismal entre <> o que se pensa. Ou seja, seria uma
espécie de “conflito” entre o <>.
Para Platão, no ato de
escrever podia-se perfeitamente até ganhar na quantidade, todavia, com certeza
perderíamos na qualidade.
Aqui talvez esteja a
maior herança socrática em Platão, pois todo o conceito de educação, proposto
por Sócrates nuca foi feito comum monologo (típico dos sofistas), mais sim
sempre através de um diálogo. Sócrates era da opinião que o conhecimento não
poderia ser transmitido via <> mais deveria ser gerado entro do
próprio aluno.
Partindo desse pressuposto, o mestre ou
professor segundo Sócrates, seria uma espécie de “parteiro” do conhecimento.
Sua função seria nada
mais nada menos, do que a de levar o seu aluno ou discípulo, chegar por ele
mesmo, a suas próprias conclusões, daí isso não significa que Platão não tenha
deixado Obras escritas, mesmo porque seria uma contradição a nossa própria
realidade ocidental. Todo ocidente, inclusive o próprio Cristianismo “devem”
perfeitamente a muitos dos escritos platônicos e neoplatônicos. 12 Sobre a arte
de parir ideia proposta por Sócrates, CHAUI, M. Introdução à História da
Filosofia. São Paulo 2006 Companhia das letras (pp. 187, 505). Monergismo.com –
“Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9) www.monergismo.com a celebres frases “conhece-te a ti mesmo” e
"sei que nada sei” como o professor varia isso? traveis de diálogos.
No entanto, como
vivenciar isso em se tratado de Tertuliano? Como cumprir esse primeiro
requisito básico, para uma “perfeita reconstrução” de seu pensamento teológico?
Seria possível viajarmos agora para Cartago, para ouvirmos pessoalmente uma
aula de escola dominical com Quintus Septimius Florens Tertulianus?
Absolutamente não. Pois
pelo que nos consta, suas datas são de 150 á 220 d.c, hora, isso significa
dizer que o mesmo teria hoje, o equivalente a 1.857 anos, creio que seria um
ato insano, procuramos um ancião com tamanha idade. Portanto, para que nossa
modesta aventura de tentar “reconstruir” o pensamento teológico de Tertuliano
não cai em algum “descrédito”, tentaremos cumprir o segundo requisito básico.
Ler pessoalmente todos
os seus escritos. Em se tratando do segundo requisito básico, para não dizer
que a dificuldade é quase a mesma do primeiro. Todo pesquisador perceberá, logo
de início, independentemente de seu idioma natal, a tremenda dificuldade para
encontrar a tradução de toda obra de Tertuliano. Primeiro por que a maioria dos
livros de Tertuliano foram estritos em Latim, e como o idioma quase foi
“extinto” e sepultado junto com a própria Idade Média devidas ideias
renascentistas e iluministas do século XVII e XVIII.
Ou seja, o Latim para o
homem moderno, passou a ser simplesmente um capricho-litúrgico e saudosista da
Igreja Católica Romana. Em segundo lugar, o motivo deixa de ter um caráter
filosófico, passando a ter um caráter religioso. Observe bem, Tertuliano pelo que
parece nunca teria sido ordenado (oficialmente) a cargo nenhum na Igreja. Nem
diácono, nem presbítero e muito menos bispo. Na verdade nosso autor Africano
foi um dos únicos mestres da Igreja, do período patrístico, que não fora
canonizado “santo” pela Igreja Católica romana. Você já percebeu? Todos outros
estão lá: “São Policarpo”, “São Justino”, “São Irineu”, “São Clemente”, “São
Origines”, mais nunca um “São Tertuliano”.
Ou seja, a partir do
momento que Tertuliano abandonou a Igreja oficial em meados do ano 200 d.c, e
passou a aderir ao movimento, herético Montanista, ele nuca mais foi olhado
pela a cristandade como os mesmos olhos. Por isso, encontrar todas as suas
obras traduzidas para um idioma moderno é sem dúvida nenhuma uma raridade.
Assim sendo, devido à
precariedade das fontes, para uma tentativa de “reconstrução” do pensamento do
autor, estarei utilizando as Obras: De Oratione e Apologeticus sem dispensar é
claro, a ajuda de alguns manuais. Diante disso, os principais temas encontrados
em Tertuliano foram:
1)Teologia Apologética.
2) Fideísmo Religioso.
3) Teologia
Sistemática.
4) A Vida Cristã. Embora se atribua as duas frases a Sócrates,
somente a segundo seria de sua autoria, pois a primeira segundo a tradição
encontrava-se a frente do templo de Delfos. Todavia ambas compõem exatamente o
bojo de sua filosofia.
As duas obras citadas,
só podem ser encontradas (traduzidas para o português via site).
De Oratione. 2006
www.veritas.com. Trad. Timóteo Anastácio.
E Apologeticus. 2001 www.agnusdei..cjb.net/ the
tertullian project. Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a
salvação” (Jo 2:9) www.monergismo.com
A Teologia Apologética
Quem ler a celebre obra
de Tertuliano “Apologeticus”, vai logo perceber, que a mesma esta
predominantemente recheada de argumentos jurídicos. Ou seja, se em
“Protréptico” de Clemente e em “Adversus Ceslus” de Origines, você se tem como
elemento predominante a Filosofia, em “Apologeticus”, isso como certeza não
acontece. Pois, assim com os “mestres” alexandrinos usavam, do seu próprio
oficio, (de filósofos) para deferem a fé cristã frente ao mundo pagão, nosso
autor africano por sua vez, também faria o mesmo.
Como experiente e bem
sucedido advogado, tento um currículo de mais de vinte anos de carreira, nosso
autor também uso do que tinha de melhor para defesa da nova fé (o direito).
Raramente um discurso de defesa cristão conhecera precisão de argumentos jurídicos,
semelhante rudeza de ironia, semelhante aspereza de lógica. Partindo desse
pressuposto, e com uma admirável habilidade, Tertuliano transforma o seu livro
numa espécie de “petição”. Para tanto, o autor começa o livro, louvando as
autoridades romanas dizendo: “Sendo constituídos para administração da justiça
em vosso elevado tribunal (...) ocupando ali a mais elevada posição no estado.”
(apologético- Cap.1) embora alguns reconheçam, essa atitude como simples
deboche, não é o que parece. Pois no decurso da obra, Tertuliano este realmente
convencido, de que é absolutamente possível, convencer os pagãos da inocência
dos cristãos.
Logo após, o mesmo
constroem sua defesa, baseada em diversos argumentos, onde não teríamos
condições de expor todos, todavia gostaríamos, nessa oportunidade, de destacar
pelo menos três argumentos que são: Injustiça das sentenças, contraditoriedade
das acusações e insuficiência de provas.
1. Sobre a Injustiça
das sentenças, Tertuliano denuncia o comportamento das autoridades romanas,
desferindo a elas o seguinte golpe: “Somente os cristãos são proibidos de
dizerem algo em sua defesa” (apologética 2) como isso, ele pretende denunciar a
injustiça de sentenciar um cristão, sem antes ouvir sua defesa. Seus argumentos
são extremamente lógicos: “Se, repetindo, é certo que somos os mais malévolos
dos homens, por que nos tratais tão diferentemente de nossos companheiros”
(ibidem 2) Ou seja, se é verdade que os cristãos são criminosos, por que não
temos o mesmo direito de resposta e de discussão.
2. Por
contraditoriedade das acusações, nosso autor se base em demonstrar a
diferenciação psicológica entre o cristão e o criminoso dizendo: “vedes que os
criminosos ficam ansiosos para se esconderem eles mesmos, evitam aparecer em
público, ficam tremendo quando são caçados” (ibidem 2). E não somente isso, ele
também mostrou outros diferenciais como, sobre pressões os criminosos não
somente mudam de discursos, como também associam seus feitos a forças
demoníacas. Tertuliano não perdoa e desfere outro golpe: “mas o que tem isso de
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9)
www.monergismo.com - semelhança como o
caso dos cristãos? Eles se envergonham ou se lamentam de não terem sidos
cristãos há mais tempo. Se são apontados cristãos, disso de gloriam!” (ibidem
2). Seu desejo é levar as autoridades romanas, perceberem a tremenda
contraditoriedade, com as quais as mesmas estão inseridas.
3. Em terceiro e último
lugar, o autor também levantou a questão da insuficiência de provas contra os
cristãos. Para Tertuliano, em quanto à maioria dos criminosos são condenados
por causa das provas, em se tratando dos cristãos, não havia prova nenhuma dos
crimes, pelos quais os cristãos eram acusados, sobre as acusações de
assassinato, incesto e canibalismo ele diz: “Saber quantas crianças foram
mortas por cada um de nós, quantos incestos cometemos cada um de nós na
escuridão, que cozinheiro, que biltres foram testemunhas de nossos crimes.”
(ibidem 2).
Como isso, Tertuliano
longe de discutir o objeto próprio de nossa fé (Jesus) tentou construir uma
apologética juridicamente correta, para de maneira nobre, defender a fé que uma
vez foi dada aos santos.
O Fideísmo Religioso
Tertuliano pode ser
considerado um Fideísta religioso?
Vejamos bem. Fideísmo
religioso é a crença que afirma que todos os assuntos de fé e crenças
religiosas não podem ser apoiados pela razão. O teólogo norte americano, Norman
Geisler, define o fideísmo dizendo: “Para eles a religião simplesmente um
questão de fé e não pode ser arguida pela razão.”
Para o fideísmo, só é
preciso crer. A fé e não a razão é o que Deus exige. Na verdade “ora mais, ora
menos, esses questionamentos, sempre estiveram presentes no seio da Igreja”. A
constante busca de unicidade entre fé e razão, se configurou através de
tentativas históricas de unir a verdadeira religião (cristianismo) como a
verdadeira expressão de racionalidade (filosofia).
É Justamente por conta
disso, que surgiu a tentativa de identificar Tertuliano ao Fideísmo, pois se
existe um argumento no bojo do pensamento teológico de Tertuliano, que mais é
“lembrado” pelos críticos é, sem dúvida nenhuma, sua aversão deliberada à filosofia.
Vejamos o que o mesmo dizia sobre a mesma:
“O que Atenas tem haver
como Jerusalém” [...] “O que associação tem a Academia como a Igreja” (Adversus
Praxeas) sua crítica se acentua ao tratar de Platão, o mesma chega o
intitula-lo de “patriarca das heresias”. Todavia uma coisa presa ficar bem
claro aqui, todas essas críticas que Tertuliano faz a filosofia, não deve em
hipótese alguma, ser confundida como uma crítica a razão propriamente dita,
como se o autor estivesse fazendo uma apologia ao uma espécie de 15 São várias
acusações, as principais são: Ateísmo, assassinatos.
Canibalismo e incesto. Para saber mais sobre o
fideísmo GEISLER, (p.349). Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação”
(Jonas 2:9) www.monergismo.com irracionalismo (fideísta). Mesmo porque isso
seria tremenda contraditoriedade. Primeiro porque Tertuliano como Advogado e
defensor da fé cristã, sabia e conhecia bem o valor da razão humana no
exercício apologético. Segundo porque é absolutamente perceptiva em toda sua
obra a ênfase que o autor deu a razão, ele diz: “[...] nada mais pode ser
adequadamente considerado bom além do que é racionalmente bom, muito menos
podem a bondade em si ser abandonada por qualquer irracionalidade” (Adversus
Marcion, 1.23)
Ora, se Tertuliano
critica tanto a filosofia, e se a filosofia é em sua natureza, a “maior”
produção humana de sua racionalidade, como Tertuliano não pode ser considerado
um Fideísta? A essa pergunta, teremos pelo menos duas respostas. Na primeira
Tertuliano, não pode ser considerado um Fideísta por que o mesmo não somente
fez uso constante de raciocínios lógicos em toda sua Teologia, como também
advogou em sua causa defendendo-a em seus escritos.
No segundo momento,
Tertuliano não pode ser comparado como um Fideísta também, porque toda a sua crítica
a filosofia, não está firmada no ceticismo-filosófico, mais sim nos
métodos-filosóficos. Campenhause reconhece que o objetivo do autor não é o de
desprezar capacidade humana de raciocínio. Tertuliano não tem a intenção de
negá-los sua crítica se concentra nos métodos filosóficos, sobre isso ele mesmo
diz: “Miserável Aristóteles! Foi ele quem lhe ensinou [aos pagãos] a dialética,
arte de construir e de demolir, mutável nas opiniões, forçada nas conjecturas
nas argumentações” (prescription, 7.12) Em resumo, Tertuliano opõe-se a toda
especulação, como bem afirma Gonzalez: “Para falar de Deus, usando nossas
próprias especulações, é perder o tempo e arriscar-se a cair no erro. 18 ” o
que na verdade Tertuliano está valorizando é a suficiente superioridade da
revelação especial, em relação à filosofia. Ele diz: “Buscarás até que
encontres, e uma vez que haja encontrado, há de crer.” (prescription, 9), esse
foi o grande diferencial de Tertuliano em relação aos seus contemporâneos,
pois, enquanto Justino e Clemente via na filosofia uma revelação diferente mais
qualitativamente semelhante a todos Judeus, Tertuliano não compartilhava da
mesma ideia, para ele somente na bíblia esta a revelação, e em nem um outro
lugar. ou seja, o homem de fé se apega àquilo que Deus tem revelado a bíblia,
enquanto o filosofo vive sobre a ilusão de que é capaz de resolver por si
mesmo.
Essa é a critica que
Tertuliano faz a filosofia, a fé se firma na rocha que é Cristo, a filosofia na
arenosidade das construções e desconstruções dialéticas. Em Tertuliano a
filosofia só teve sentindo na busca pela verdade, enquanto a verdade (Cristo)
não havia se manifestado, todavia na medida em que ela se manifestou, todo
conhecimento filosófico perdeu-se o sentido de existir. 17 CAMPENHAUSEN
(pp.190-191) 18 GONZALEZ J. A Era dos Mártires. São Paulo 2001 Vida Nova
(pp.122-123) Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9)
www.monergismo.com VI.
A
Teologia Sistemática
Tertuliano também nos
legou uma riquíssima herança nos principais dogmas da fé cristã. Basta ler
alguns de seus escritos para perceber a presença de vários temas de caráter
teológico-sistemático. Nesse afã, Tertuliano pode ser perfeitamente considerado
“pensador originário” ele foi o primeiro a tratar a Teologia como uma “ciência”
autônoma, capaz de formatar seus próprios conceitos e métodos. Se pararmos para
pensar Tertuliano dentro do ponto de vista da teologia sistemática, logo vamos
perceber que o mesmo também dá um passo enorme no desenvolvimento de vários
dogmas:
1. Da Bibliologia:
Tertuliano sempre tratou as escrituras com maior estima. Para ele a Bíblia era
não somente a maior revelação de Deus, como também a única a ser confiável. Ao
que parece, o mesmo não demonstrava nenhuma afinidade como qualquer tipo de
revelação natural. O apego demonstrado pelas escrituras foi tão acentuado em
Tertuliano, que o mesmo chegou a considerar a bíblia como patrimônio da Igreja,
e somente ela, e mais ninguém poderia manuseá-la.
2. Da Trindade: Do dogma, Trinitário; ele nos
deixou a linguagem adequada em latim para expressar este grande mistério,
introduzindo os termos de <> e <> esse termo não
somente, proporcionou uma definição eficaz sobre o mistério Pai, Filho e
Espírito Santos, como também foram decisivo nos conflitos posteriores com o
arianismo.
3. Da Cristologia: Ele
Também desenvolveu uma linguagem correta para expressar a dupla natureza de
Cristo, o mistério de Cristo, filho de Deus e verdadeiro homem. Essa na verdade
era o argumento que Tertuliano sempre defendia. Ou seja, para ele os cristão não
deixavam de adoravam os deuses pagãos, simplesmente por deixar, mais o faziam
na certeza de terem encontrado o verdadeiro Deus, Cristo Jesus o senhor. Como
isso, toda a síntese proposta no credo de Nicéia, devem com certeza as
contribuições de Tertuliano. 19 Não há duvida que a Teologia Sistemática, como
conhece hoje e quantitativamente diferenciada, de muitos dos argumentos de
Tertuliano, no entanto, não a como negar a influência (benéfica) do autor sobre
esses mesmo. As concepções da Trindade foram ao logo da historia da teologia,
tomando formas mais adequada de definição, porém Tertuliano é sem duvida seu
patrono. Essa terminologia (Trindade) foi a principal arma contra o arianismo.
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9)
4. Da Pneumatologia: O
autor africano fala do Espírito Santo, demonstrado seu caráter pessoal e divino
o mesmo diz: “Cremos que, segundo sua promessa, Jesus Cristo enviou por meio do
pai o Espírito Santo, o paráclito, o santificado da fé de que crê: no Pai, no Filho
e no Espírito Santo” (apologética 2) em Tertuliano o <> não era
um emanação da divindade, ou quem sabe uma espécie de “força ativa” de seu
poder, como mais tarde afirmaria os “Testemunhas de Jeová”, mais sim a terceira
pessoa da trindade, portanto Deus. VII. VIDA CRISTÃ Tertuliano Também é lembrar
como um Teólogo do “espírito”.
Ou seja, sua
religiosidade não se detinha simplesmente no âmbito acadêmico, mais sobre tudo
também para pratica do evangelho. Seus escritos são importantes, por que os mesmos
refletem toda uma tendência inerentemente viva na comunidade cristã primitiva,
principalmente sobre o valor agregado, no matrimonio, na confissão dos pecados,
na oração, na pureza e santidade. Em especial, naqueles períodos de intensa
perseguição, onde o pânico poderia prevalecer, Tertuliano exorta à esperança
que, segundo seus escritos, não é simplesmente uma virtude, mais sobre tudo, um
estilo de vida que envolve cada um dos aspectos da existência cristã.
Em seu famoso tratado sobre Oração (De Oratione)
é absolutamente possível, perceber isso, sobre a pratica da oração ele diz: “A
lembrança dos preceitos divinos abre a oração o caminho do céu.” [...] “Que
melhor momento para trocar com os irmãos o dom da paz, senão quando a nossa
oração se torna mais agradável a Deus?” (Oratione 12,28,2) no continuo
exercício da confissão de pecados: “è óbvio que, depois de venera a
generosidade de Deus, roguemos também a sua clemência” (ibidem 7,1)
Como isso, Tertuliano
tentou expressar de maneira cada vez mais convincente a <>
através de uma busca continua, profunda e fecunda. Sempre na certeza e no
reconhecimento de que, falar de Deus é antes de tudo experimentar a Deus. Para
isso, o cristão, não poderá desenvolver sua religiosidade simplesmente no
terreno acadêmico, ou especulativo, muito pelo contrario, sua religiosidade só
poderá ser genuína, estiver recalcada também com a pratica. 21 Para saber mais
sobre Teologia Sistemática-THIESSEN, H. Palestra em Teologia Sistemática. São
Paulo 1994 Impressa Batista Regular ou BANCROFT, E.H. Teologia Elementar. São
Paulo 1975 Ibidem. 22 TERTULINO (De Oratione) Monergismo.com – “Ao Senhor
pertence a salvação” (Jo 2:9) www.monergismo.com
Avaliação - Em se
tratando da teologia apologética de Tertuliano, acredito que raramente um
discurso de defesa cristão conhecerá semelhante precisão de argumentos
jurídicos, recheadamente composta de rudeza irônica, aspereza de lógica e
formulas martelantes. Sobre isso o Teólogo A.Hamman disse: “Se não bastasse
convencer o adversário Tertuliano o arrasa-o, pisa-o, humilha-o” mesmo não
sendo oficialmente contratado, Tertuliano agiu como se tivesse recebendo
honorário.
Todavia, fica aqui uma
pequena ressalva. Se o advogado Tertuliano usou sua ferramenta de trabalho (o
direito) para defender o evangelho de maneira magistral, quem nos garante que a
ferramenta de trabalho dos Filósofos, Clemente e Origines, não faria o mesmo? O
fato é que, pela sua atuação polemista, Tertuliano mostrou que assim pensava.
Sobre a critica acirrada feita por Tertuliano a Filosofia, eu particularmente
não concordar, Por pelo menos dois motivos.
Primeira pela
<> do autor sobre disciplina. (Tertuliano é advogado e não
filosofo) Segundo pela <> Teológica de uma revelação Natural.
Observe bem: Se fizermos uma leitura de Tertuliano despreconceituosa vamos
perceber, logo de inicio, que o autor fez uma avaliação míope e unilateral
sobre o assunto. Ele realmente acertou ao “reconhecer” o elemento
<> (construção e des-contrução) na filosofia. No entanto, o mesmo
não foi capaz de perceber que justamente esse movimento dialético, de tese,
antítese e Síntese. Ou seja, a filosofia só existe dentro do processo de
construir e descontrair idéias, a partir do momento que ele deixa de ser
dialética, ele se tornará qualquer outra coisa, menos a coisa que ele é.
A dialética é a arte da
“discussão” é por meio dela que o filósofo propõe perguntas e resposta A
dialética é a “ferramenta de trabalho” que ele utiliza para discutir e
argumentar. Seu objetivo não é a promoção do <>, (não
conhecimento da verdade) como argumenta Tertuliano, mais sim à tentativa de
demonstração da <> (possibilidade de se chegar à verdade) Esse
método de avaliação só pode ser operado, através de opiniões contrarias.
Na dialética
predominam-se três elementos:
a) A Tese = argumento.
b) Antítese =
refutação.
c) Síntese = tentativa
de se fundir os dois primeiros, sem que percam suas individualidades.
Como esse processo não
ocorre nas primeiras confrontações, e como o mesmo nunca se dá por estático,
geralmente dão se o nome de Construção e des-contrução. É verdade que muitos
heréticos se CAMPENHAUSE, (pp. 24 Para saber mais sobre dialética e epistemologia
CHAUI, (pp.497500).
No século XVIII o
filosofo alemão Georg Hegel. (1770-1831) tentou usar o processo, dialético para
dizer que a religião cristã é um dos momentos conclusivo da dinâmica dialética
do Absoluto. – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jo 2:9) apropriava da
dialética, para levar suas heresias. No entanto, essa não era, a principio, o
objetivo da Filosofia. Como advogado formado em uma cultura Romana, Tertuliano
acabou por “incorporar” a própria ideologia Romana pragmática e
anti-especulativa.
Para ele, já que a
revelação esta completa em Cristo, não há razão nenhuma para a dialética ser
praticada no cristianismo. O grande problema, que talvez o nosso autor africano
não perceba, foi que durante toda a sua vida acadêmico-teológica, o mesmo sempre
foi um teólogo dialético. Em sua apologetcus, elementos como: argumentação,
refutação, conclusão e lógica são predominantes, antagonicamente a tudo aquilo
que dizia ocasionalmente ele disse: “É claro que não negaremos que os filósofos
às vezes pensam as mesmas coisas que pensamos” (Treatise on the soud 2).
Contradição? Talvez,
para os críticos, toda critica que Tertuliano vazia a filosofia era mais por
uma questão pessoal (inveja dos contemporâneos alexandrino26 , que dominavam a
filosofia) do que por questões teológicas propriamente ditas. Sem segundo lugar
Tertuliano não somente demonstrou sua profunda inaptidão à filosofia, como
também omitiu, através dessa, de maneira desenfreada a possibilidade de uma
revelação natural. No entanto, a palavra de Deus é clara em nos afirmar
dizendo: “os Céus manifestam a gloria de Deus, o firmamento anuncia a obra de
suas mãos”. Um dia faz declaração há outro dia, sem linguagem, sem fala
ouvem-se suas vozes (Sal. 19:1-3).
Para o apostolo Paulo
própria natureza tem em sim mesmo um poder pedagógico fantástico de legitimar a
essência da espiritualidade humana. Sem profeta, religião ou cerimônias
místicas, ela (natureza) tenta novamente “reconduzir” á humanidade pós-queda ao
seu estado original. Que é de um verdadeiro adorador! Bem dizia Tomás de
Kempis: “Não há na natureza criatura tão
pequena e vil que não represente a bondade de Deus”.
Agostinho bispo de
Hipona dizia: “Todas as coisas milagrosas, que acontece nesse mundo, não são
tão milagrosas como o próprio universo” Para ele todos os “milagres” que o
homem possa realizar através do seu engenho ou ciência jamais serão maiores que
o milagre da criação.
Um dos grandes
defensores dessa ideia foi o teólogo medieval Tomais de Aquino. Para Aquino a
natureza tem um pode essencialmente pedagógico para nos, Sendo assim Deus usa a
natureza para denunciar que não somos fruto de um acaso evolutivo darwinista
mais que há no universo o dedo de um sábio e santo construtor Isto é um fato.
Algum especialista pode confirmaram isso como o pesquisador e antropólogo, Fr.
Schimid diz em uma expedição feita à África: <> o mesmo também
foi dito por David Livigstone, fundador e diretor do Instituto de Ciência e
Psicologia Evolutiva da Inglaterra << A crença de que existe um
Deus, e de uma vida futura a pós a morte, é reconhecida pôr dota a
África>>.
Na verdade o que se
percebe em Tertuliano é uma pessoa de personalidade moral e intelectual muito
forte, em toda a sua vida, ele ofereceu-se de maneira sacrificial, dando como
certeza, uma contribuição grandiosa ao pensamento cristão. No entanto, a vida
de Tertuliano me faz refletir. Seja pela filosofia, ou pelo seu envolvimento
com o movimento montanista. Na verdade mesmo com todos os talentos que tinha
nosso mestre Africano, vê-se no final que lhe faltava a simplicidade, a
humildade para integra-se, seja na compreensão de novas disciplinas como a
filosofia, seja na própria realidade eclesiástica, quando o mesmo se deslocou
para o montanismo. Tertuliano demonstrando uma habilidade “invejável” mais com
certeza, tinha profundas fraquezas, para ser “tolerante” como os outros e
consigo mesmo. Em definitivo que deixar uma frase do “papa” Bento XVI “Quando
só se vê seu próprio pensamento em sua grandeza, no final se perde esta grandeza”.
(por: Elias Gomes da
Silva TEMA: O Pensamento Teológico de Tertuliano Ribeirão Preto-Sp
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9) www.monergismo.com
2 “O coração tem razões”, que a própria Razão desconhece” Blasé Pascal1)
BIBLIOGRAFIA 1.
AGOSTINHO, O Livre- Arbítrio. São Paulo: Paulus 1995 2. BANCROFT, E.H. Teologia
Elementar. São Paulo: Impressa Batista Regular 1979. 3. CAMPENHAUSE, H.V. Os
Pais da Igreja. Rio de Janeiro: CPAD 2005 4. CAIRNS, E.E. O Cristianismo
Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova 2006. 5. CHAUI, M. Introdução à
História da Filosofia V1. São Paulo: Companhia da Letras-Edição Revista e
Ampliada. 2006. 6. GEISLER, N. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Vida
2005. 7. GOMES, C. F Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas 1975. 8.
GOMES, E. Vencendo o Sentimento de Culpa. São Paulo: Edição do autor 2001. 9.
GONZALES, J.L. A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova 2005. 10. _____________
A Era dos Gigantes. São Paulo: Vida Nova 2006. 11. KEMPIS, T. Imitação de
Cristo. São Paulo: Martin Claret 2005 12. MELLO, L. Antropologia Cultural. Rio
de Janeiro: Vozes 1983 13. MONDIM, B. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus
2005. 14. __________ Os Grandes Teólogos do Século Vinte. São Paulo: Paulinas
1987. 15. __________ Antropologia Teologia. São Paulo: Edições Paulinas, 1979.
16. OLSON, R. História da Teologia Cristã. São Paulo: Vida 2005. 17. SUANA, M.
História da Igreja. São Paulo: IBAD 2005. 18. TERTULIANO, S. Apologeticus.
Cartago. www.agnusdei..cjb.net 2005 19. ______________ De Oratione. Cartago.
www.veritas.com, 2005 20. THIESSEN, H. Palestras em Teologia Sistemática. São
Paulo: Impressa Batista Regular 1994.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Figura contraditória e
polêmica - mas de capital importância no contexto da Igreja primitiva - pouco
se sabe dos dados biográficos de Tertuliano, em especial as datas de nascimento
e morte. Sabe-se apenas que, como boa parte dos Pais da Igreja, Tertuliano era
africano, nascido em Cartago (estima-se que por volta do ano 155 d.C.), e
segundo Jerônimo relata, era filho de um centurião, o mais alto grau que um não
romano podia atingir na hierarquia político-militar romana. Os cartagineses,
desde os tempos de Aníbal e das Guerras Púnicas, 3 séculos antes de Cristo,
nutriam uma especial aversão a Roma, e o cristianismo, nos seus primórdios, foi
um fator aglutinador também do sentimento anti-romano. É nesse contexto que
nasceu e viveu Tertuliano. Outra certeza que se tem a respeito dele é que suas
obras foram escritas entre os últimos anos do século II e as duas primeiras
décadas do século III.
O evangelho chegou à
África provavelmente logo após o Pentecostes, já que, entre os ouvintes de
Pedro naquele dia havia alguns judeus que habitavam “no Egito e em partes da
Líbia” (Atos 2:10), e escavações na cidade de Hadrumeto (hoje na Tunísia)
descobriram um cemitério judaico em que havia túmulos cristãos datados dos anos
50 e 60 d.C. O historiador Paul Johnson descreve a Igreja de Cartago como
“entusiasmada, imensamente corajosa, completamente desafiadora perante as
autoridades seculares, muito perseguida, intransigente, intolerante, virulenta
e, de fato, violenta em suas controvérsias. Há evidências de que Cartago e
outras áreas do litoral africano tenham sido evangelizadas por essênios e
zelotes cristãos, demonstrando, desde o princípio, uma tradição de militância e
resistência à autoridade e à perseguição. Tertuliano corporificava essa
tradição.” (“História do Cristianismo”, Ed. Imago, 2001, pág. 63).
A igreja africana, apesar das grandes
contribuições que trouxe à Igreja primitiva, era conhecida pela sua
combatividade prática e por seu silêncio literário, já que pouco se escrevia a
seu respeito, talvez em função da forte perseguição das autoridades romanas. O
primeiro documento que se conhece da Igreja africana são as Atas dos mártires
de Scilli – sete homens e cinco mulheres – que foram condenados pelo procônsul
de Cartago a “morrer pela espada” em 17 de julho de 180. Os mártires de Scilli
(um povoado pequeno e nunca mais identificado) conheciam e usavam uma tradução
latina das cartas de Paulo, que levavam consigo numa “capsa” (caixa), e as Atas
de seu martírio são referidas por Tertuliano em sua obra “Ad Scapulam 3” (vide
trecho em destaque abaixo), o que comprova a forte influência que recebeu da
primitiva Igreja africana. O fato dos mártires se valerem da versão latina das
cartas paulinas revela outra faceta da Igreja africana: embora, muito
provavelmente, tenha sido formada a partir das Igrejas orientais, foi nos laços
com Roma que ela se solidificou, abandonando, pouco a pouco, suas referências
helênicas.
(TRECHO DE “OS
MÁRTIRES DE SCILLI”)
Saturnino leu a
sentença na tabula: “Speratus, Nartzalus, Cittinus, Donata, Vestia, Secunda e
todos os outros confessaram que vivem segundo o rito cristão. Visto que lhes
foi oferecido o retorno à religião romana, e eles o recusaram com obstinação,
nós os condenamos a morrer pela espada”.
Speratus: “Nós damos
graças a Deus”.
"Os mártires de
scilli, Tertuliano"
Sabe-se que Tertuliano
recebeu sólida formação intelectual, sobretudo em direito e retórica, e, muito
provavelmente, foi em Roma que viveu boa parte de seus estudos e primeiros
passos na vida profissional, ainda jovem. Tertuliano teve uma juventude tempestuosa,
pelo que se depreende de seus escritos. Chegou a se casar e supõe-se, com boa
dose de certeza, que foi o exemplo dos mártires, não só os de Scilli, mas os de
outras tantas perseguições perpetradas pelos romanos, que foi decisivo na
conversão de Tertuliano, aos 40 anos de idade, que imediatamente integrou-se à
já sólida Igreja africana, levando a ela o seu fervor de neófito, a sua
genialidade e a instabilidade do seu temperamento, que não raro o fazia cometer
excessos.
O historiador Paul
Johnson chama Tertuliano de “um mestre da prosa, a prosa do retórico e do
polemista. Estava em casa tanto no latim quanto no grego, mas costumava fazer
uso do primeiro – o primeiro teólogo cristão a fazê-lo. Sua influência, de
fato, foi imensa, precisamente por ter criado uma latinidade eclesiástica,
dotou-os de sentenças inesquecíveis e influentes: ‘o sangue dos mártires é a
semente da igreja’; ‘a unidade dos hereges é o cisma’, ‘creio porque é absurdo’
(“História do Cristianismo”, Ed. Imago, 2001, pág. 63). Fortemente
anti-gnóstico, foi Marcião o seu primeiro adversário nesta seara, a quem
deplorava suas tentativas de conciliar a doutrina cristã com a filosofia grega:
“o que tem Atenas a ver com Jerusalém? Que relação há entre a Academia e a
Igreja? O que os hereges têm com os cristãos? Nossas instruções vêm do pórtico
de Salomão, que ensinou, ele mesmo, que o Senhor deve ser procurado na
simplicidade de coração. Fora com todas as tentativas de criar um cristianismo estoico,
platônico e dialético!” (citado por Paul Johnson, ob. cit.). Contra Marcião,
Tertuliano revela também o seu estilo irônico, ou, porque não dizer,
sarcástico: “Quem sois vós? Desde quando existis? Quem vos deu o direito, ó
Marcião, de serdes lenhador no meu bosque? Essa terra é minha, tenho os títulos
autênticos, recebidos dos proprietários, a quem essa terra pertenceu: sou
herdeiro dos apóstolos” (citado por Adalbert – G. Hamman em “Os Padres da
Igreja”, Ed. Paulus, 1995, pág. 72).
O Dicionário Patrístico
e de Antiguidades Cristãs (Ed. Paulus e Ed. Vozes, 2002, págs. 1348/9) traz uma
lista de suas principais obras, dividindo-as em três categorias - os escritos
apologéticos, os doutrinais e os polêmicos - mas estabelecendo uma ordem
cronológica:
“A 197 remontam as duas
obras apologéticas mais conhecidas, o “Ad nationes” em 2 livros e o
“Apologeticum”, dirigidas contra as acusações dos pagãos à nova religião; nelas
a defesa e a ilustração dos costumes e das doutrinas cristãs se alternam com o
ataque à conduta e às crenças dos gentios. Incerta é a colocação do “Ad
martyras”, breve, mas intensa exortação aos co-irmãos para que afrontem
corajosamente a perseguição. Esta está posta no início de 197 ou no curso deste
mesmo ano ou em 200-203: nesse caso, os destinatários seriam os mártires
conhecidos através de um outro documento antigo, a “Passio Perpetuae et
Felicitatis”, um texto atribuído às vezes, pelo redator, ao próprio
Tertuliano... não menos problemática a data atribuída ao “Adversus Iudaeos”,
que se apresenta como o complemento de uma disputa não terminada entre um
cristão e um prosélito judaico e que expõe os pontos principais da controvérsia
judaico-cristã. A obra, cuja autenticidade foi longamente discutida, remontaria
a 200 dC ou, segundo outros, a antes de 197. Pouco antes de 200 parece ter sido
composto o “De testimonio animae, escrito apologético em que se recorre ao
testemunho da alma para demonstrar a existência de Deus e outras verdades
afirmadas pela doutrina cristã. Entre 200 apr. E 206, coloca-se uma importante
série de tratados morais, exatamente: o “De spetaculis” (condenação dos jogos
do circo, do estádio e do anfiteatro e proibição para os cristãos de neles
participar), o “De oratione (sobre a oração e, especialmente, sobre o
Pai-nosso), o “De patientia” (sobre a importância da “patientia” cristã, da
qual Jesus deu o exemplo), o “De paenitentia” (sobre a primeira “penitência”
necessária para se receber o batismo, e sobre a segunda, depois do sacramento
da iniciação, que precede a reconciliação eclesiástica), o “De cultu feminarum”
(sobre as vestes e os ornamentos das mulheres e a necessidade da modéstia), em
2 livros, o “Ad uxorem” (espécie de testamento espiritual em que se recomenda à
esposa não passar para segundas núpcias), em 2 livros. Ao mesmo período
pertencem três outras obras importantes: o “De baptismo”, contra a seita dos
cainitas (sobre o batismo, sua necessidade, seus efeitos, invalidade do batismo
administrado pelos hereges), o “De praescriptione haereticorum” (sobre o
direito de possuir e, por conseguinte, de interpretar as Sagradas Escrituras,
reservado não aos hereges, mas somente à Igreja, que é sua herdeira por via de
transmissão legítima, tendo ela recebido as Escrituras de Cristo através dos
apóstolos; sobre os motivos pelos quais as heresias estão no erro. O termo “praescriptio”
de nosso autor foi entendido em pelo menos dois sentidos: com valor
propriamente jurídico e com valor retórico e dialético), e, enfim, o “Adversus
Hermogenem” (uma defesa da doutrina cristã da criação contra aqueles, entre os
gnósticos, que consideravam a matéria como eterna).
Nos tratados compostos
a começar de 207, nota-se uma influência sempre mais nítida do montanismo, o
movimento religioso frígio, nascido na segunda metade do séc. II, ao qual
Tertuliano está para aderir. De 207 a 212 sucedem-se vários escritos de cunho
doutrinal e antignóstico: os quatro primeiros livros do “Adversus Marcionem”;
trata-se da terceira edição de uma obra já elaborada anteriormente (contra
Marcião e contra sua tentativa de separar o Deus do AT daquele do NT), o “Adversus
Valentinianos” (exposição e refutação da doutrina dos gnósticos valentinianos),
o “De anima” (em torno da natureza, da origem, do desenvolvimento e do destino
da alma, que é ao mesmo tempo refutação de doutrinas heréticas), o “De carne
Christi” (sobre a Encarnação do Senhor), o “De resurrectione mortuorum” (sobre
a segunda vinda de Cristo, a salvação do elemento corporal, destinado a
reconjugar-se com a alma, a exigência do Juízo e a necessidade da
ressurreição), o V livro do “Adversus Marcionem”. Nesta grande empresa
doutrinal, Tertuliano parece querer expor os pontos essenciais da ‘regula
fidei’ numa moldura que, de propósito, tem presente as dificuldades e as
objeções dos heréticos, e, mais em geral, a mentalidade e a cultura de seu
tempo. Outras obras, compostas neste período de sua atividade literária, a mais
intensa e fecunda, têm caráter moral e prático, e de modo claro revelam a
tendência montanista do escritor: como acontece com o “De exhortatione
castitatis” (ainda sobre as segundas núpcias, e com atitude mais rígida), com o
“De virginibus velandis” (sobre a necessidade de que as virgens tragam o véu
não apenas na igreja, mas em todo lugar público), com o “De corona” (diz
respeito à incompatibilidade entre cristianismo e serviço militar), com o
“Scorpiace” ou remédio contra a mordida do escorpião, quer dizer, contra a
heresia gnóstica, em que se exalta o valor do martírio, negado pelos hereges. O
“Ad Scapulam” é como uma carta aberta, de natureza apologética, endereçada ao
procônsul da África Scapula que, por volta de 211, havia começado a perseguir
os cristãos. Sobre o “De idolatria” (contra toda prática idolátrica e contra
toda atividade e profissão que esteja em contato com ela), os pareceres sobre
sua data estão divididos: se muitos historiadores consideram ter sido composto
pouco antes de 212, outros propõe 197 ou os anos imediatamente posteriores (é o
caso também de “De pallio”, uma resposta polêmica e amarga do escritor,
dirigida a todos aqueles seus concidadãos que dele zombavam por haver deixado a
toga romana para vestir a capa dos filósofos: em sua brevidade e obscuridade,
foi classificado ora como o primeiro, ora como o último dos tratados de
Tertuliano, ou foi colocado em período intermédio).
No terceiro e último
período vemos o escritor africano já militando, contra a Grande Igreja, no
partido dos montanistas. Interrogou-se acerca do caráter do montanismo africano
comparado com aquele da Frigia; e se alguns críticos supuseram diferenças,
outros as negaram, identificando o primeiro com o chamado movimento
tertulianista (cf. D. Powell, ‘Tertullianists and Cataphrygians’, p. 33s). A
partir de 212-213, enumeram-se o “De fuga in persecutione” (sobre a
inadmissibilidade de fuga durante a perseguição), o “Adversus Praxeam” (contra
o patripassiano Práxeas expõe-se a doutrina sobre a Trindade), o “De monogamia”
(ainda contra as segundas núpcias, com textos mais radicais e tons mais duros),
o “De ieiunio adversus Psychicos” (defesa da prática montanista sobre o jejum e
ataque aos ‘psychici’, isto é, aos católicos, acusados de serem laxistas) e o
“De pudicitia”, onde se nega à Igreja o direito de perdoar os pecados,
reservando-o aos “homens espirituais”, quer dizer, aos apóstolos e aos
profetas; afirma-se que alguns pecados gravíssimos (idolatria, fornicação,
homicídio) não têm perdão de ninguém e se tem em mira um bispo que, a respeito
do último ponto, expressou opinião oposta. A parábola religiosa de Tertuliano
chegou assim a seu termo: a polêmica posta em ato por ele está em seu cume,
tanto que várias ideias que se leem nas últimas obras estão em contradição com
outras, de obras precedentes.
Jerônimo (cf. De vir.
Ill. 53) assinala um motivo de difícil verificação que teria levado o escritor
africano para a órbita do montanismo: a invidia e as contumeliae que o clero de
Roma teria manifestado contra ele num conflito de que ignoramos todas as
minúcias e que, se realmente existiu, se pode supor ter-se relacionado
justamente com questões disciplinares; nem se pode, a este respeito, esquecer
do rancor que Jerônimo tinha para com o clero de Roma. Com probabilidade,
circunstâncias exteriores e afinidades interiores o induzem a aderir ao
movimento montanista, permitindo-lhe levar às extremas consequências um ideal
de vida rígido e sem meias medidas, para o qual sempre havia sentido uma
propensão; solução esta favorecida certamente pela concepção que Tertuliano tem
da moral: seu espírito ascético e rigorista era fustigado pelas noções de
justiça, retribuição, temor, também esperança, mas não parece inspirado
suficientemente pelo amor. Neste sentido, o montanismo havia apenas acelerado
um processo iniciado bem antes, brotado da profunda esperança pessoal do
homem.”
Apesar de suas
contradições, as obras de Tertuliano são decisivas para a formação e consolidação
da Igreja primitiva. Primeiramente, ele valeu-se de seus estudos jurídicos para
enriquecer o vocabulário teológico com termos, por assim dizer, importados do
Direito, como “sacramentum”, que originalmente significava a entrega de uma
soma para um processo e, depois, o juramento militar do recruta. Tertuliano
cria um neologismo para essa palavra, aplicando-a ao engajamento batismal a
serviço de Cristo. Por “persona” ele traduz o grego “hypostasis” (substância)
ou “prosopon” (máscara, pessoa), em que a pessoa representa um papel sem perder
sua individualidade, para usar a palavra para as pessoas da Trindade.
Seu livro “A Oração”
(“De oratione”) foi o encanto de gerações, onde ele comentava o Pai-Nosso,
desenvolvendo as condições e as características da oração cristã. Eis o
preâmbulo (Adalbert – G. Hamman em “Os Padres da Igreja”, Ed. Paulus, 1995,
pág. 73):
De Deus o espírito,
E de Deus a palavra,
E de Deus a sabedoria,
E o Espírito dos dois.
Jesus Cristo, nosso Senhor,
Aos discípulos novos do
Novo Testamento
Ordenou uma forma nova
de oração.
"A Oração -
Tertuliano"
Em sua obra
“Apologeticum”, Tertuliano faz as vezes de um advogado ao defender o
Cristianismo. Assim, por exemplo, referindo-se à carta na qual Trajano ordenou
a Plínio que condenasse aqueles cristãos acusados diante dele, mas que não
perseguisse aqueles que não eram acusados, Tertuliano escreve:
“Ó miserável
pronunciamento – de acordo com as necessidades do caso, uma incoerência! Proíbe
de irem à procura deles como se fossem inocentes, e ordena que sejam punidos
como se fossem culpados. É ao mesmo tempo misericordioso e cruel; ao mesmo
tempo, ignora e pune. Por que fazes um jogo de palavras contigo mesmo, Ó
Julgamento? Se condenas, porque também não inquires. Se não inquires, por que
também não absolves?”
"Justo L.
González, “Uma História do Pensamento Cristão”, Ed. Cultura Cristã, 2004, vol.
I, pág. 168"
Prova de sua
inteligência argumentativa é também a sua “Praescriptione haereticorum”
(“Prescrição contra os hereges”), em que usa a palavra “prescrição”
principalmente no seu sentido jurídico, valendo-se de um argumento definitivo:
“se os hereges não têm direito de usar as Escrituras, torna-se impossível para
eles discutir com aqueles que possuem e defendem a ortodoxia, a fim de
desviá-los da verdadeira fé. A “praescriptio” é total: os hereges estão excluídos
de qualquer discussão; somente as igrejas ortodoxas e apostólicas têm o direito
de determinar o que é e o que não é doutrina cristã” (Justo L. González, “Uma
História do Pensamento Cristão”, Ed. Cultura Cristã, 2004, vol. I, pág. 173).
Entretanto, é na sua
obra “Adversus Praxean” (“Contra Práxeas”), que Tertuliano atingiu o cume de
suas formulações teológicas, ao defender a doutrina da Trindade. Pouco se sabe
sobre Práxeas, a não ser que ele parece ter vindo da Ásia Menor, onde conhecera
tanto o monarquianismo como o montanismo, acabando por aceitar o primeiro e
rejeitar o último. Chegando em Roma, Práxeas foi bem recebido, combatendo o
montanismo e expandindo o monarquianismo, com ênfase no patripassianismo (o
sofrimento e morte do Deus Pai), a ponto de Tertuliano atribuir-lhe essa infame
dupla função: “fez um duplo serviço para o diabo em Roma: ele afugentou a
profecia, e introduziu a heresia; ela afastou o Espírito e crucificou o Pai”.
Ainda valendo-se da
terminologia jurídica que lhe era própria e familiar, Tertuliano desenvolveu a
doutrina da Trindade, como Justo L. González expõe:
“De acordo com ele,
Práxeas afirma que a distinção entre o Pai e o filho destrói a “monarquia” de
Deus, mas não compreende que a unidade da monarquia não requer que ela seja
sustentada por uma só pessoa. “Monarquia”, este termo tão acalentado por
Práxeas e seus seguidores, significa simplesmente que um governo é único, e
nada impede o monarca de ter um filho ou de administrar sua monarquia como lhe
aprouver – o que Tertuliano chama de “economia” divina. Além do mais, se o pai
assim quiser, o filho pode participar na monarquia sem com isso destruí-la.
Portanto, a monarquia divina não é razão para se negar a distinção entre o Pai
e o Filho, como alegado pelos “simples, na verdade, eu não quero chamá-los de
insensatos e ignorantes”, que negam tal distinção.
Mas isto não é
suficiente para refutar Práxeas, pois é necessário explicar como é possível que
o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam um só Deus e que eles, contudo, sejam
diferentes. Aqui Tertuliano apela novamente para sua formação legal e introduz
dois termos que a igreja continuaria usando por muitos séculos: “substância” e
“pessoa”. O termo “substância” deve ser entendido aqui, não num sentido
metafísico, e sim num sentido legal. Dentro deste contexto, “substância” é a
propriedade e o direito que uma pessoa tem de fazer uso dessa propriedade. No
caso da monarquia, a substância do Imperador é o Império, e é isto que torna
possível para o Imperador partilhar sua substância com seu filho – como de fato
era comum no Império Romano. “Pessoa”, por outro lado, deve ser entendida como
“pessoa jurídica” e não no sentido comum. “Pessoa” é alguém que tem uma certa
“substância”. É possível que várias pessoas participem de uma substância, ou
que uma pessoa tenha mais de uma substância – e essa é a essência da doutrina
de Tertuliano a respeito não apenas da Trindade, mas também a respeito da
pessoa de Cristo.
Com base nesses
conceitos de substância e pessoa, Tertuliano afirma a unidade do Pai, do Filho
e do Espírito Santo sem negar sua distinção: os três compartilham uma única e
indivisível substância, mas isto não os impedem de serem três pessoas
diferentes:
Três, no entanto, não
em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em
aspecto; todavia de uma substância, e de uma condição, e de um poder, porque
ele é um Deus, de quem três graus e formas e aspectos são contados, sob o nome
de Pai, de Filho e de Espírito Santo.”
"Justo L.
González, “Uma História do Pensamento Cristão”, Ed. Cultura Cristã, 2004, vol.
I, pág. 174/5"
Como lembra Paul
Tillich (“História do Pensamento Cristão”, Ed. Aste, 2000, pág. 61), “a palavra
‘trinitas’ aparece pela primeira vez nos escritos de Tertuliano. Embora Deus
seja um só, ele nunca está só. Diz Irineu: “Estão sempre com ele a palavra e a
sabedoria, o Filho e o Espírito, por meio dos quais tudo fez livre e
espontaneamente”. Deus é sempre Deus vivo. Não está só. Não é uma identidade
morta. Mantém em si para sempre a palavra e a sabedoria. Palavra e sabedoria
são símbolos de sua vida espiritual, da sua auto-manifestação e da sua
auto-realiação. O motivo da doutrina da trindade é esse falar de Deus em termos
de Deus vivo, para tornar compreensível a presença do divino como fundamento
vivo e criativo do mundo. Segundo Irineu, esses três são um só Deus porque
possuem uma só ‘dynamis’, um só poder de ser, uma só essência, a mesma
potencialidade. “Potencialidade” e “dinâmica” são termos latinos e gregos para
significar o que expressamos em nossa língua pelo termo “poder de ser”.
Tertuliano falava da substância divina uma desenvolvida na economia triádica.
“Economia” significa “construção”. A divindade se constrói eternamente em
unidade. Rejeita-se definitivamente qualquer interpretação politeísta da
trindade. Por outro lado, Deus se estabelece como ser vivo, em contraposição à
identidade morta. Assim Tertuliano empregou a fórmula “una substantia, três
personae”, para falar de Deus”.
Entretanto, não foi só
quanto à doutrina da Trindade que “Adversus Praxean” foi de suma importância
para a formulação teológica da Igreja primitiva. Também no campo da
Cristologia, uma frase “solta” do capítulo 27:11, “videmus duplicem statum, non
confusum sed coinunctum in uma persona, deum et hominem Iesum” (“vemos o duplo
estado, não confuso mas unido em uma só pessoa, o Deus e homem Jesus”) foi de
vital importância para a definição da natureza de Jesus no Concílio de
Calcedônia, em 451 d.C. Ainda que essa fórmula tenha passada quase
desapercebida por mais de 200 anos, e tenha encontrado em Agostinho o seu, por
assim dizer, recuperador, defensor e aperfeiçoador, chama a atenção o fato de
Tertuliano tê-la colocado mais de dois séculos à frente do símbolo calcedônio,
o que revela o quanto era avançado para o seu tempo.
Ainda são nebulosas as
razões que teriam levado Tertuliano a aderir ao partido dos montanistas.
Supõe-se que tenham sido decisivos para esta adesão o crescente poder da
hierarquia eclesiástica e a sua tolerância em lidar com os pecadores
arrependidos (principalmente aqueles que negavam a Cristo para fugir à
perseguição e depois queriam retornar à Igreja). Jerônimo cita um motivo
difícil de se comprovar, que teria levado Tertuliano às trincheiras
montanistas: um suposto conflito dele com o clero de Roma. Considerando-se que
o próprio Jerônimo vivia às voltas com crises com o clero romano, suas palavras
devem ser recebidas com o cuidado da dúvida.
Entretanto, Paul
Johnson afirma em seu livro “História do Cristianismo” (ob. cit., págs.
99/100), que:
“A gota d’água para
Tertuliano ocorreu, segundo ele, quando um “grande bispo” (provavelmente
Calixto de Roma) decidiu que a Igreja tinha o poder de conceder a remissão de
pecados após o batismo, mesmo de pecados sérios como o adultério ou mesmo a
apostasia.
Foi essa reivindicação em benefício do clero – para ele, inconcebível – que fez do antigo flagelo dos hereges, por assim dizer, o primeiro protestante. E, uma vez tendo renegado os direitos clericais a esse respeito, Tertuliano foi levado, paulatinamente, a questionar os clamores clericais em favor da discriminação de status na Igreja. Em seus tempos de ortodoxia, atacara os hereges montanistas por ‘conferirem até à laicidade as funções do sacerdócio’. Agora, tendo repudiado o poder penitencial, tornou-se ele próprio montanista, pedindo, em “De Exhortatione Castitatis”: ‘não somos também sacerdotes leigos? (...) a diferença entre a ordem e as pessoas deve-se à autoridade da Igreja e à consagração de sua categoria pela reserva de um ramo especial para a ordem. Porém, onde não há assento de clero, você oferece e batiza e é seu único sacerdote. Pois, onde houver três, existirá uma igreja, ainda que sejam leigos (...) você tem os direitos de um sacerdote em sua própria pessoa, quando surgir necessidade.’
Foi essa reivindicação em benefício do clero – para ele, inconcebível – que fez do antigo flagelo dos hereges, por assim dizer, o primeiro protestante. E, uma vez tendo renegado os direitos clericais a esse respeito, Tertuliano foi levado, paulatinamente, a questionar os clamores clericais em favor da discriminação de status na Igreja. Em seus tempos de ortodoxia, atacara os hereges montanistas por ‘conferirem até à laicidade as funções do sacerdócio’. Agora, tendo repudiado o poder penitencial, tornou-se ele próprio montanista, pedindo, em “De Exhortatione Castitatis”: ‘não somos também sacerdotes leigos? (...) a diferença entre a ordem e as pessoas deve-se à autoridade da Igreja e à consagração de sua categoria pela reserva de um ramo especial para a ordem. Porém, onde não há assento de clero, você oferece e batiza e é seu único sacerdote. Pois, onde houver três, existirá uma igreja, ainda que sejam leigos (...) você tem os direitos de um sacerdote em sua própria pessoa, quando surgir necessidade.’
Desse modo, Tertuliano
atacava bispos que apresentavam o que ele denominava ‘brandura’ no perdão dos
pecadores e decaídos. Apelava para o ‘sacerdócio de todos os crentes’ contra os
direitos ‘usurpados’ de determinados oficiantes, o ‘senhorio’ não-espiritual, a
‘tirania’ dos clérigos. Mesmo uma mulher, se falasse com o espírito, tinha mais
autoridade, nesse sentido, que o maior dos bispos. Este representava um ofício
vazio; ela, o espírito vivo. A divisão era bem delineada – entre uma Igreja de
devotos, que administravam a si próprios, e uma imensa ralé de devotos e
pecadores, que tinha de ser administrada por um clero profissional. Como
poderia tal Igreja ser equacionada com a doutrina clara de S. Paulo? Tertuliano
leu Romanos, como fez Lutero. O Espírito, a seu ver, não relaxa seu rigor;
julga sem parcialidade nem leniência e jamais perdoará alguém em pecado
mortal.”
O seja, Tertuliano não
aceitava o poder do sacerdote ordenado de perdoar os pecados porque para ele
uma vez a pessoa que fosse batizado não podia mais pecar. Com isso ele entrou
em contradição consigo mesmo já que se tornou herege também não podia ser
perdoado. Para ele só Deus podia perdoar os pecados e nenhum outro homem.
Contrariando assim o próprio Evangelho onde em Jo20, 23 Jesus deu aos apóstolos
o poder de perdoar os pecados. Ele também negava a autoridade dos bispos
acreditando num sacerdócio comum entre os fiéis, como acontece hoje no meio do protestantismo.
Tertuliano defendia que uma pessoa que cometeu pecado mortal jamais seria
perdoado, contrariando a Sagrada Escritura que afirma que Deus perdoa qualquer
pecado, desde que seja esteja de coração sincero arrependido, com exceção do
pecado contra o Espírito Santo, pois, este consiste em não aceitar a Jesus como
Senhor e Salvador. Com isso, ele entra em contradição, pois, tendo se tornado
um herege estava em pecado mortal. Logicamente se fosse como ele pensa também
não podia ser perdoado.
A Igreja ensina que
qualquer um de nós pode perdoar os pecados uns dos outros, mas, o Sacramento da
confissão existe para que busquemos diante de Deus o perdão dos pecados que O
ofende diretamente. O sacerdote, representando a Igreja, dá a absolvição em
nome de Cristo. E não se pode pedir perdão para Deus sem antes perdoar-se a si
mesmo e ao próximo.
A Confissão necessita
de:
a) Exame de
consciência;
b) Dizer os pecados;
c) Pedido de perdão;
d) Gesto de
arrependimento e propósito de emenda.
“De pudicitia”, uma das
últimas obras de Tertuliano (aprox. 217-222) marca o fim do, por assim dizer,
‘rastreamento’ da sua passagem pelo planeta. Depois disso, nada mais se sabe do
seu paradeiro ou de seu fim. Provavelmente morreu em Cartago, já que os
registros dão conta de que fez uma única viagem a Roma na juventude, não saindo
mais da cidade natal. O bispo de Cartago, Cipriano, morto em 258, conhece as
obras de Tertuliano, mas não o menciona. Jerônimo esconde-se atrás de um
prudente “diz-se que...” para dizer que Tertuliano viveu até idade avançada. No
seu “Manual de Patrologia” (Ed. Vozes, 2003, pág. 161), Hubertus R. Drobner
afirma que “apesar de tudo Tertuliano foi lido até a Idade Média, sendo
considerado tão importante que, segundo o relato de Jerônimo (“De viris
illustribus 53”), Cipriano lia diariamente suas obras, e, quando queria tê-las
à mão, bastava que dissesse a seu notarius: ‘Traze-me o mestre’”. Agostinho,
por fim, afirma que Tertuliano se colocou bem depressa em desacordo com os
montanistas e formou pequenos grupos próprios, existentes em Cartago no tempo
em que Agostinho vivia (“De haeres. 86”). Desta forma, contribuiu para que
Tertuliano fosse reabilitado e reconciliado postumamente com a ortodoxia da
Igreja.
TERTULIANO : APOLOGIA
De: José
Fernandes VIDAL & amp; Luiz Fernando Karps Pasquotto
Certamente esta é a
obra mais importante de Tertuliano, escrita no ano 197 e dirigida aos
governantes do Império Romano. Tertuliano nasceu em Cartago no ano 155 dC e aí
exercia sua profissão de advogado quando, em 193, converteu-se ao Cristianismo,
passando a exercer também a atividade de catequista junto à Igreja.
Sua inteligência e
sólida formação jurídica foram claramente demonstradas nesta obra, em que
defende os cristãos, apelando por seu direito de liberdade religiosa, perante o
Império Romano cruel e perseguidor. Seus argumentos são expostos de forma
lógica e polêmica, visando o convencimento das autoridades a quem é dirigida,
questionando a "justiça" aplicada contra os cristãos, transportando a
apologética do terreno filosófico para o jurídico.
"Com admirável
habilidade, Tertuliano censura os processos jurídicos, em voga, do Poder do
Estado 'gentio' contra os cristãos: é suficiente o crime do 'nomem christianum'
(=nome 'cristão'), para acarretar a condenação. A todos os criminosos
concede-se o direito de defesa; aos cristãos, não. Àqueles, a tortura tenta
arrancar uma confissão; aos cristãos, uma apostasia. As suspeitas iníquas
espalhadas contra os cristãos, Tertuliano as repele como mentiras, expondo, em
contraposição, o essencial concernente à fé cristã e à vida das comunidades.
Concluindo, declara ser o Cristianismo uma filosofia; mas os filósofos gentios
não são obrigados, como os cristãos, a sacrificar e podem até negar os deuses
impunemente. Todavia, as crueldades gentílicas não prejudicarão os cristãos; ao
contrário, 'o sangue dos cristãos é como semente que brota'"
(B.Altaner/A.Stuiber).
"Raramente um
discurso de defesa cristão conhecera semelhante precisão de argumentos
jurídicos, semelhante rudeza de ironia, semelhantes aspereza de lógica, onde os
argumentos são desferidos como golpes certeiros, as fórmulas marteladas, os
dilemas inelutáveis, sem concessões à posição dos poderes públicos ou dos
filósofos. Para ele [Tertuliano] não basta convencer o adversário: arrasa-o,
pisa-o, humilha-o" (A.Hamman).
_____________________________________________________
Capítulo I - "A
Verdade só deseja uma coisa dos governantes da Terra: não ser condenada sem ser
conhecida"
Capítulo II - "Se
a lei proíbe que alguém seja condenado sem defesa, por que este direito é
negado aos cristãos?"
Capítulo III - "O
pai, que costumava ser tão paciente, deserda o filho, agora obediente.
Constitui grave ofensa alguém reformar sua vida por causa do nome detestável de
'cristão'..."
Capítulo IV -
"Vemos nossos perseguidores cometendo os mesmos crimes de que nos acusam à
luz do dia. Como também são culpados dos crimes de que somos acusados sem
sentido, são merecedores de castigo e caem no ridículo"
Capítulo V - "Que
qualidade de leis são essas que somente os ímpios e injustos, os vis, os
sanguinários, os sem sentimentos, os insanos, executam contra nós?"
Capítulo VI -
"Estais sempre louvando os tempos antigos e, contudo, a cada dia aceitais
novidades em vosso modo de vida"
Capítulo VII -
"Somos acusados de realizar um rito sagrado no qual imolamos uma
criancinha e então a comemos; e, após o banquete, praticamos incesto e nos
entregamos a nossas ímpias luxúrias na imoralidade da escuridão"
Capítulo VIII - "O
que fazer se houver cristãos sem parentes cristãos? Não será tido, então, por
um verdadeiro seguidor de Cristo, quem não tiver um irmão ou um filho?"
Capítulo IX - "As
duas cegueiras caminham juntas. Aqueles que não vêem o que acontece, pensam que
veem o que não acontece"
Capítulo X - "Vós
nos acusais: 'Não adorais os deuses e não ofereceis sacrifícios aos
imperadores'"
Capítulo XI - "Já
que não ousais negar que essas vossas divindades foram homens e deveis aceitar
que foram elevadas à divindade após sua morte, examinemos no que isso
implica"
Capítulo XII -
"Não fazemos certamente injúrias àqueles que estamos certos de serem
nulidades. O que não existe está em sua inexistência livre do sofrimento"
Capítulo XIII -
"Constatando que apenas adorais um ou outro deus, certamente ofendeis
àqueles que não adorais. Não podeis dar preferência a um sem desprezar o outro,
pois a seleção de um implica na rejeição do outro"
Capítulo XIV -
"Voltando a vossos livros dos quais tirais vossos ensinamentos de
sabedoria e os nobres deveres da vida, que coisas ridículas ali
encontro..."
Capítulo XV - "É
certamente entre os devotos de vossa religião que sempre se encontram os
perpetradores de sacrilégios; porque os cristãos não entram em vossos templos
nem mesmo durante o dia"
Capítulo XVI -
"Não podemos de boa vontade deixar passar nenhum boato contra nós sem
refutação"
Capítulo XVII - "O
objeto de nossa adoração é um Único Deus que, por sua palavra de ordem, sua
sabedoria ordenadora, seu poder Todo-Poderoso, tirou do nada toda a matéria de
nosso mundo"
Capítulo XVIII -
"Um dia, tais coisas foram para nós, também, tema de ridículo. Nós somos
de vossa geração e natureza: os homens se tornam, não nascem cristãos!"
Capítulo XIX -
"Vossos próprios deuses, vossos próprios tempos, oráculos e ritos sagrados
são menos antigos do que a palavra de um único profeta"
Capítulo XX -
"Tudo aquilo que vos cerca, estou na vossa dianteira anunciando. Tudo o
que vos cerca e agora vedes foi previamente anunciado. Tudo o que agora vedes
já foi anteriormente predito aos ouvintes humanos"
Capítulo XXI -
"Além da questão da idade, não concordamos com os judeus em suas
particularidades com respeito à alimentação, aos dias sagrados, nem mesmo no
seu bem conhecido sinal da circuncisão, nem no uso de um nome comum"
Capítulo XXII -
"Também afirmamos, com certeza, a existência de certos seres espirituais,
cujos nomes não vos são desconhecidos"
Capítulo XXIII -
"Zombai como gostais de fazer, mas juntai-vos aos demônios, se assim
quereis, em vossas zombarias. Que eles neguem que Cristo virá para julgar cada
alma humana que já existiu"
Capítulo XXIV -
"Se está claro que vossos deuses não existem, não há religião, no caso. Se
não existe religião, somos certamente inocentes de qualquer ofensa contra a
religião"
Capítulo XXV -
"Mas que loucura agora é atribuir a grandeza do nome romano aos méritos da
religião, já que foi depois que Roma se tornou um Império que a religião que
ela professa promoveu seu progresso!"
Capítulo XXVI - "A
Roma de simplicidade rural dos tempos primitivos é mais velha do que muitos de
seus deuses. Ela reinou antes que seu orgulhoso e imenso Capitólio fosse
construído"
Capítulo XXVII -
"Porque, embora todo o poder dos demônios e maus espíritos nos esteja
sujeito, contudo, como escravos, indispostos muitas vezes, estão cheios de
medo: assim são eles também"
Capítulo XXVIII -
"Entre vós, o povo também jura falso mais facilmente pelo nome de todos os
deuses, do que pelo nome do supremo Imperador"
Capítulo XXIX -
"Mas sois ímpios a tal ponto que procurais a divindade onde não está, que
a procurais naqueles que não a possuem"
Capítulo XXX -
"Que o imperador faça guerra ao céu, que leve o céu cativo em seu triunfo,
que ponha guardas no céu, que imponha taxas ao céu! Ele não pode!"
Capítulo XXXI -
"Aquele de vós que pensa que não nos importamos com o bem-estar de César,
investigue as revelações de Deus, examine nossos livros sagrados, os quais nós
não escondemos e que por muitas maneiras acabam parando nas mãos daqueles que
não são dos nossos"
Capítulo XXXII -
"Enquanto nos recusamos jurar pelo gênio de César, nós juramos por sua
segurança, a qual é muito mais importante que todo seu gênio. São vocês
ignorantes do fato de que esses gênios são chamados “Daimones”, e que o
diminutivo “Daimonia” é aplicado a eles?"
Capítulo XXXIII -
"Nunca irei chamar o imperador de Deus, e isso porque não está em mim ser
culpado de falsidade; ou porque eu não me atrevo a expô-lo ao ridículo; ou
porque ele mesmo não desejará ter esse alto nome a ele aplicado. Se ele é
somente um homem, é do seu interesse como homem dar a Deus seu alto posto"
Capítulo XXXIV -
"Cessem também de atribuir o nome sagrado àquele que necessita de Deus. Se
essa adulação mentirosa não é vergonhosa, chamando divino um homem, deixe que
ele tenha pavor pelo menos do mau presságio o qual ele suporta"
Capítulo XXXV -
"Se não estou enganado, os senadores eram romanos; isto é, eles não eram
cristãos. Ainda todos eles, na véspera de suas traições, ofereceram sacrifícios
pela vida do imperador, e juraram por ele; uma coisa em profissão e outra em
seus corações; e eles tinham o hábito de denominar os cristãos de inimigos do
Estado"
[...]
______________________________________________________
» CAPÍTULO I
» CAPÍTULO I
Governantes do Império
Romano:
Se, sendo constituídos
para a administração da justiça em vosso elevado Tribunal, sob os olhares de
todos os cidadãos, ocupando ali a mais elevada posição no Estado, vós não
podeis abertamente inquirir e perscrutar, diante de todo o mundo, a verdade
real com respeito às perseguições feitas contra os Cristãos
Se, somente nesse caso,
tendes receio ou ficais inibidos para exercer vossa autoridade, fazendo uma
inquirição pública com os cuidados que promovem a justiça
Se, finalmente, os
extremos rigores usados para com nosso povo, recentemente, em julgamentos
privados, são para nós obstáculo para defender-nos perante vós
então, seguramente não
podeis impedir de a Verdade chegar aos vossos ouvidos pelas vias secretas de um
silencioso livro.
A Verdade não tem como
apelar para vos fazer verificar sua condição, porque isso não promove vossa
curiosidade por Ela. Ela sabe que não é senão uma transeunte na terra, e que
entre estranhos, naturalmente encontra inimigos. E, mais do que isso, sabe que
sua origem, sua habitação natural, sua esperança, sua recompensa, sua honra
estão lá em cima. Uma coisa, enquanto isso, Ela deseja ansiosamente dos
governantes terrestres: não ser condenada sem ser conhecida. Que dano pode
causar às leis - supremas em seu poder - conceder-lhe ser ouvida? Absolutamente
nada lhe prejudicaria e sua supremacia não seria mais distinguida ao
condená-la, mesmo depois que Ela apresentasse sua defesa? Mas se for
pronunciada uma sentença contra Ela, sem ter sido ouvida, ao lado do ódio de
uma injusta ação, vós incorrereis na suspeita merecida de assim agirdes com
alguma intenção que é injusta, como não desejando ouvir o que vós não estais
capacitados a ouvir e a condenar.
Colocamos isto ante vós
como primeira argumentação pela qual insistimos que é injusto vosso ódio ao
nome de "Cristão". E a verdadeira razão que parece escusar esta
injustiça (eu diria ignorância) ao mesmo tempo a agrava e a condena. Pois que o
que é mais injusto do que odiar uma coisa da qual nada sabeis, mesmo se pensais
que ela mereça ser odiada? Algo é digno de ódio somente quando se sabe que é
merecido. Mas sem esse conhecimento, por que se reivindicar justiça? Pois se
deve provar, não pelo simples fato de existir uma aversão, mas pelo
conhecimento do assunto. Quando os homens, portanto, cultivam uma aversão
simplesmente porque desconhecem inteiramente a natureza da coisa odiada, quem
diz que não se trata de uma coisa que exatamente não deveriam odiar?
Assim, confirmamos que
tanto são ignorantes enquanto nos odeiam, e odeiam descabidamente, quanto
quando continuam em sua ignorância, sendo uma coisa o resultado da outra, se
não o instrumento da outra. A prova de sua ignorância, ao mesmo tempo
condenando e se escusando de sua injustiça, é esta - odeiam o Cristianismo
porque não conhecem nada sobre ele nem querem conhecê-lo antes de pôr a todos
debaixo de sua inimizade.
Quantos, se antes foram
seus inimigos, tornam-se seus discípulos. Simplesmente aprendendo sobre eles,
logo começam a odiar o que antes tinham sido e a professar o que antes tinham
odiado. E o número destes é tão grande que atraem a vossa preocupação. O clamor
é de que o Estado está cheio de cristãos - que estão nos campos, nos vilarejos,
nas ilhas; levantam-se lamentações, como se por alguma calamidade, pessoas de
ambos os sexos, de todas as idades e condições, mesmo de classe alta, estão se
convertendo à profissão de fé cristã.
Entretanto, não ocorre
a ninguém o pensamento de que estão deixando de ver alguma coisa boa. Não se
permitem que nenhum pensamento mais justo chegue à sua mente, não desejam fazer
um julgamento mais correto. Somente neste caso fica adormecida a curiosidade da
natureza humana. Preferem ficar ignorantes, embora aos outros o conhecimento
tenha trazido a felicidade.
Anacarse reprova o
estúpido prazer de criticar os cultos. Quanto mais não reprovaria ele o
julgamento daqueles que sabe que podem ser denunciados por homens que são
inteiramente ignorantes! Porque deles precocemente não gostam, não querem saber
mais. Assim, prejulgam aquilo que não conhecem até que, caso venham a
conhecê-lo, deixem de lhe ter inimizade. Mas isso desde que pesquisem e nada
encontrem digno de sua inimizade, quando deixam, então, certamente de ter uma
aversão injusta. Entretanto, se seu mau caráter se manifesta, em vez de
abandonarem o ódio encontram mais uma forte razão para perseverarem nesse ódio,
mesmo sob a própria autoridade da justiça.
Mas argumenta alguém:
uma coisa não é boa simplesmente porque as multidões se convertem a ela, pois
que quantos são por sua natureza inclinados para o que é mal?! Quantos se
desviam para os caminhos do erro?! Isso é verdade, sem dúvida. Contudo uma
coisa completamente má, nem mesmo aqueles que a ela são levados ousam
defendê-la como boa. A natureza encobre tudo o que é mau com um véu, seja de
medo seja de vergonha. Por exemplo, vedes que criminosos ficam ansiosos para se
esconderem eles mesmos, evitam de aparecer em público, ficam tremendo quando
são caçados, negam sua culpa quando são acusados e, mesmo quando são submetidos
à tortura, não confessam facilmente, nem sempre chegam a confessar; e quando
não há dúvidas sobre sua culpa, lamentam o que fizeram. Em suas confissões
admitem terem sido impelidos por disposições malignas, até põem a culpa seja no
destino, seja nas estrelas. São incapazes de reconhecerem que aquilo veio
deles, porque eles próprios sabem que aquilo é mau.
Mas o que tem isso de
semelhante com o caso dos cristãos? Eles se envergonham ou se lamentam de não
terem sido cristãos há mais tempo. Se são apontados cristãos, disso se gloriam.
Se são acusados, não oferecem defesa. Interrogados, fazem uma confissão
voluntária. Condenados, agradecem... Que espécie de mal é este que não
apresenta as peculiaridades comuns do mal, do medo, da vergonha, do
subterfúgio, do arrependimento, do remorso? Que mal, que crime é este de que o
criminoso se alegra? Serem acusados cristãos é seu mais ardente desejo, serem
punidos por isso é sua felicidade! Vós não podeis chamar isto de mal - vós que
continuais convictos de nada saberdes do assunto.
» CAPÍTULO II
Se, repetindo, é certo
que somos os mais malévolos dos homens, por que nos tratais tão diferentemente
de nossos companheiros, ou seja, de outros criminosos, sendo justo que o mesmo
crime deva receber o mesmo tratamento? Quando os ataques feitos contra nós são
feitos contra outros, a esses são permitidos falarem ou contratar advogados
para demonstrar sua inocência. Eles têm plena oportunidade de resposta e de
discussão.
De fato, é contra a lei
condenar alguém sem defesa e sem audiência. Somente os cristãos são proibidos
de dizerem algo em sua defesa, na salvaguarda da verdade, para ajudar ao juiz
numa decisão de direito. Tudo o que é levado em conta é que o público, com
ódio, pede a confissão de um "nome", não o exame da acusação,
enquanto em vossas investigações ordinárias judiciais, no caso de um homem que
confessa assassinato, ou sacrilégio, ou incesto, ou traição - para se ter idéia
do crime de que são acusados - vós não vos contentais em imediatamente emitir
uma sentença. Não o fazeis até que examinais as circunstâncias da confissão,
qual é o tipo do crime, quantas vezes, onde, de que maneira, quando ele o fez,
quem estava com ele e quem tomou parte com ele no crime.
Nada semelhante é feito
em nosso caso, embora as falsidades disseminadas a nosso respeito devessem
passar pelo mesmo exame para saber quantas crianças foram mortas por cada um de
nós, quantos incestos cometemos cada um de nós na escuridão, que cozinheiros,
que biltres foram testemunhas de nossos crimes. Ó que grande glória para os
governantes que trouxessem à luz alguns cristãos que tivessem devorado uma
centena de crianças. Mas, em vez disso, constatamos que mesmo uma inquisição,
no nosso caso, é proibida.
Plínio, o Moço, quando
era governador de uma província, tendo condenado alguns cristãos à morte, e
abalado outros em sua firmeza, mas ficando aborrecido com o grande número
deles, procurou, em última instância, o conselho de Trajano, o imperador
reinante, para saber o que fazer com eles. Explicou a seu senhor que, com
exceção de uma recusa obstinada de oferecer sacrifícios, nada encontrou em seus
cultos religiosos a não ser reuniões de manhã cedinho em que cantavam hinos a
Cristo e a Deus, confirmando que, em suas casas, seu modo de vida era um geral
compromisso de ser fiel a sua religião, proibido-se assassínios, adultério,
desonestidade e outros crimes. A respeito disso, respondeu Trajano que os
cristãos não deveriam de modo algum ser procurados, mas se fossem trazidos
diante dele, Plínio, deveriam ser punidos.
Ó miserável libertação
- de acordo com o caso, uma extrema contradição! Proíbe-se que sejam
procurados, na qualidade de inocentes, mas manda-se que sejam punidos como
culpados. É ao mesmo tempo misericordioso e cruel. Deixa-os em paz, mas os
pune. Por que entrais num jogo de evasão convosco mesmo, ó julgamento? Se vós
os condenais, por que também não os inquiris? Se não quereis inquiri-los, por
que não os absolveis?
Postos militares estão
espalhados através de todas as províncias para prenderem ladrões. Contra
traidores e inimigos públicos, todo cidadão é um soldado. Buscas são feitas
mesmo de seus aliados e auxiliares. Somente os cristãos não devem ser
procurados, embora possam ser levados e acusados diante do juiz, se uma busca
tiver um resultado diferente do previsto. Deste modo, condenais um homem que
ninguém deseja perseguir, quando ele vos é apresentado e que, nem por isso,
merece punição. Suponho que não por sua culpa, mas porque, embora seja proibido
persegui-lo, ele foi encontrado.
Novamente, neste caso,
não concordais conosco sobre os procedimentos ordinários de julgamento de
criminosos, porque, no caso de negarem, aplicais a tortura para forçar uma
confissão. Aos cristãos somente torturais para fazê-los negarem. É como se
considerásseis que se somos culpados de algum crime, nós o negaríamos, e vós
com vossas torturas nos forçaríeis a uma confissão. Mas não podeis pensar assim
pois, na verdade, nossos crimes não requerem tal investigação simplesmente
porque já estais cientes por nossa confissão do nome de nosso crime. Estais
diariamente acostumados a isso, sabendo de que crime se trata porque senão
exigiríeis uma confissão completa de como o crime foi executado.
Deste modo, agis com a
máxima perversidade quando verificando nossos crimes comprovados por nossa
confissão do nome de Cristo, nos levais à tortura para obter nossa confissão
que não consiste senão em repudiar tal nome, e que logo deixais de lado os
crimes de que nos acusais quando mudamos nossa confissão. Suponho que, embora
que acreditando que sejamos os piores dos homens, não desejais que morramos.
Não há dúvida de que, por conseguinte, estais habituados a compelir o criminoso
a negar e a ordenar o homem culpado de sacrilégio a ser torturado se ele
persevera em sua confissão. É esse o sistema? Mas, então, não concordais que
sejamos criminosos, e nos declarais inocente, e como inocentes que somos,
ficais ansiosos para que não perseveremos na confissão que sabeis que vos fará
assumir uma condenação por necessidade, não por justiça.
"Sou cristão"
- o homem brada. Ele está lhe dizendo o que é. Vós, porém, desejaríeis ouvi-lo
dizer que não o é. Assumindo vosso cargo de autoridade para extorquir a
verdade, fazeis o máximo para ouvir uma mentira nossa. "Eu sou o que me
perguntais se eu sou" - ele diz. Por que me torturais como criminoso? Eu
confesso e vós me torturais. O que me faríeis se tivesse negado? Certamente a
outros vós não daríeis crédito se negassem. Quando nós negamos, vós logo
acreditais. Essa perversidade vossa faz suspeitar que há um poder escondido no
caso, sob a influência do qual agis contra os hábitos, contra a natureza da
justiça pública, até mesmo contra as próprias leis. Pois que - salvo se estou
errado - as leis obrigam a que os malfeitores sejam procurados e não que sejam
acobertados. A lei foi feita para que as pessoas que praticarem um crime sejam
condenadas, e não absolvidas. Os decretos do Senado, as instruções dos vossos
superiores expõem isso claramente. O poder do qual sois executores é civil, não
uma tirânica dominação. Entre tiranos, de fato, os tormentos são utilizados
para serem aplicados como punições; entre vós são mitigados como um instrumento
de interrogatório. Guardai vossa lei como necessária até que seja obtida a
confissão. E se a tortura é antecipada pela confissão, não há necessidade dela.
A sentença foi passada. O criminoso deve ser entregue ao castigo devido e não
libertado.
De acordo com isso,
ninguém anseia pela absolvição do culpado, não é certo desejar isso, e assim
ninguém nunca deve ser compelido a negar. Bem, julgais um cristão um homem
culpado de todos os crimes, um inimigo dos deuses, do Imperador, das leis, da
boa moral de qualquer natureza. Contudo vós o obrigais a negar, porque, assim,
podeis absolvê-lo, o que sem sua negação não podeis fazê-lo. Vós agis rápido e
desmereceis as leis. Quereis que ele negue sua culpa, porque podeis sempre,
mesmo contra sua vontade, isentá-lo de censura e livrar-lhe de toda culpa em
referência a seu passado. De onde vem essa estranha perversidade da vossa
parte? Como não refletis que uma confissão espontânea é mais digna de crédito
do que uma negação obrigada? Considerai que, quando compelido a negar, a
negação de um homem pode ser feita de má fé, e se absolvido, ele pode, agora e
ali, logo que o julgamento termine, rir da vossa hostilidade; e um cristão
igualmente.
Vendo, então, que em
tudo agis conosco diferentemente de que com outros criminosos, preocupados por
um único objetivo - o de obter de nós o nosso nome (na verdade, não nos cabe
dizer que os cristãos não existam) - fica perfeitamente claro que não há crime
de nenhuma espécie nesse caso, mas simplesmente um nome que um determinado
sistema - mesmo indo contra a verdade - persegue com sua inimizade. E age assim
principalmente com o objetivo de se assegurar que os homens não venham a ter
como certo o que conhecem como certo e de que esse sistema é completamente
desconhecedor.
Consequentemente,
também, acontece que eles acreditam em coisas sobre nós das quais não têm
prova, sobre as quais não estão inclinados a pesquisar, incomodados com as
perseguições. Eles gostariam mais de confiar, pois está provado que nada há de
fundamentado contra os cristãos. Com esse nome tão hostil àquele poder rival -
seus crimes sendo presumidos, não provados - eles poderiam ser condenados
simplesmente por causa de sua própria confissão. Assim, somos levados à tortura
se confessamos e somos punidos se perseveramos, mas se negamos somos absolvidos
porque toda a hostilidade é contra o nome.
Finalmente, por que
ides constar em vossas listas que tal homem é cristão? Por que não também que
ele é um criminoso, por que não um culpado de incesto ou de outra coisa vil de
que nos acusais? Somente em nosso caso, ficais incomodados ou envergonhados de
mencionar os nomes verdadeiros de nossos crimes. Se ser chamado
"Cristão" não implica em nenhum crime, esse nome é seguramente muito
odiado quando por si só constitui crime.
» CAPÍTULO III
Que pensarmos disto: a
maioria do povo tão cega bate suas cabeças contra o odiado nome de
"Cristão"? Quando dão testemunho de alguém, eles confundem com
aversão o nome de quem testemunham. "Gaio Seius é um bom homem" - diz
alguém... "só que é cristão". E outro: "Fico atônito como um
homem inteligente como Lúcio pode de repente se tornar cristão". Ninguém
considera necessário apreciar se Gaio é bom ou não, e Lúcio, inteligente ou
não. O que conta no caso é se é cristão ou se é cristão embora sendo
inteligente e bom. Eles louvam o que conhecem e desprezam aquilo que não
conhecem. Baseiam seu conhecimento em sua ignorância embora, por justiça,
preferencialmente se deva julgar o que é desconhecido pelo que é conhecido e
não o que é conhecido pelo que é desconhecido.
Outros, no caso de
pessoas a quem conheceram antes de se tornarem cristãos, que conheciam como
mundanas, vis, más, aplicam-lhes a marca da qualidade que verdadeiramente
apreciam. Na cegueira de sua aversão, tornam-se grosseiros em seu próprio
julgamento favorável: "Que mulher era ela! Que temerária! Como era alegre!
Como ele era jovem! Que descarado! Como era amigo do prazer! - E pena, se
tornaram cristãos!".
Assim, o nome odiado é
usado preferencialmente a uma reforma de caráter. Alguns até trocam seus
confortos por este ódio, satisfazendo-se em cometer uma injúria para livrarem
sua casa dessa sua mais odiosa inimizade. O marido, agora não mais ciumento,
expulsa de sua casa a esposa, agora casta. O pai, que costumava ser tão
paciente, deserda o filho, agora obediente. O patrão, outrora tão educado,
manda embora o servo, agora fiel. Constitui grave ofensa alguém reformar sua
vida por causa do nome detestado. Bondade é de menos valor do que o ódio aos
Cristãos.
Bem, então, se tal é a
aversão pelo nome, que censura podeis vós aplicar a nomes? Que acusação podeis
levantar contra simples designações, a não ser que o nome indique algo bárbaro,
algo desgraçado, algo vil, algo libidinoso. Mas Cristão, tanto quanto indica o
nome, é derivado de "ungido". Sim, e mesmo quando é pronunciado de
forma errada por vós, "Chrestianus", - por vós que não sabeis
precisamente o nome que odiais - ele lembra doçura e benignidade.
Odiais, portanto,
gratuitamente, um nome inocente.
Mas o especial motivo
de desagrado com a seita é que lembra o nome de seu Fundador. Existe novidade
numa seita religiosa que dá a seus seguidores o nome de seu Mestre? Não são os
filósofos designados com o nome dos fundadores de seus sistemas: Platônicos, Epicuristas,
Pitagóricos? Não são os Estóicos e Acadêmicos assim chamados também por causa
dos lugares nos quais se reuniam e permaneciam? Não são os médicos chamados por
nome derivado de Erasistrato, os gramáticos, de Aristarco, e também os
cozinheiros, de Apício? E, contudo, a exibição do nome, derivado do fundador
original, ou qualquer nome designado por ele, não ofende a ninguém. Não há
dúvida de que se a seita se comprova maléfica, e, igualmente, mau seu fundador,
isso nos leva a considerar maléfico o nome e nos merece aversão o caráter seja
da seita, seja do autor. Antes, contudo, de assumir uma aversão ao nome, sois
obrigados a julgar a seita pelo que é o autor, ou o autor pelo que é a seita.
Mas, no caso em
questão, sem nenhum exame ou conhecimento de ambos, o simples nome se torna
objeto de acusação; o simples nome é atacado, e somente uma palavra leva à
condenação da seita e de seu autor, conquanto a ambos desconheceis, mas apenas
porque eles têm tal e tal nome, não porque foram julgados por algo errado.
» CAPÍTULO IV
Assim, tendo feito
essas observações como se fossem um prefácio, pelo qual mostro em verdadeiras
cores a injustiça do nosso inimigo público, posso agora fundamentar o argumento
da nossa inocência. E poderei não somente refutar as coisas de que nos acusam,
como também replicar aos nossos acusadores, para que assim todos saibam que os
Cristãos estão inocentes desses muitos crimes que os acusadores sabem existirem
entre eles mesmos, mas que, em suas acusações contra nós, consideram vergonhosos.
São acusações - eu não
saberia dizer - dos piores homens contra os melhores, pois eles mesmos praticam
tais crimes; [acusam] contra aqueles que, no caso, apenas seriam seus
companheiros de pecado!
Poderemos refutar a
acusação dos variados crimes de que nos acusam cometer em segredo, já que os
vemos cometendo-os à luz do dia. Como são culpados dos crimes de que somos
acusados sem sentido, são merecedores de castigo, caindo no ridículo.
Mas, mesmo que nossa
verdade vos refute com sucesso em todos os pontos, vem se interpor a autoridade
da lei, como um último recurso, e alegais que suas determinações são
absolutamente conclusivas, que devem ser obedecidas, embora de má vontade, e
preferidas à verdade.
Assim, nesse assunto
das leis, me entenderei primeiramente convosco como sendo elas vossos
protetores escolhidos. Em primeiro lugar, quando rigidamente as aplicais em
vossas declarações: "Não é legal a vossa existência", e, com rigor
sem hesitações, ordenais que assim continue, estais demonstrando a dominação
violenta e injusta de uma simples tirania, afirmando que algo é ilegal
simplesmente porque quereis que seja ilegal e não porque deva ser ilegal. Mas
se quereis que seja ilegal porque tal coisa não merece ser legal, sem dúvida
não deve ser dada permissão da lei para o que é prejudicial.
Deste modo, de fato, já
está definido que o que é benéfico é legítimo. Bem, se eu verificar algo que em
vossa lei proíba ser bom porque alguém concluiu assim por opinião prévia, não
perdeu seu poder de me proibi-la, embora se tal coisa fosse má poderia me
proibi-la?
Se vossa lei incidiu em
erro, é de origem humana, julgo. Ela não caiu do céu. Não é admirável que um
homem possa errar ao fazer uma lei ou cair em seus sentidos e rejeitá-la? Os
Lacedemonios não emendaram as leis do próprio Licurgo, daí causando tal
desgosto a seu autor que ele se calou, e se condenou a si próprio à morte por
inanição? Não estais, a cada dia, fazendo esforços para iluminar a escuridão da
antiguidade, eliminando e aparando com os novos machados das prescrições e
editos todos os galhos obsoletos e emaranhados das vossas leis?
Severo, o mais resoluto
dos governantes, não acabou somente ontem com as leis do ridículo Pápias, que
compeliam as pessoas a terem filhos antes que as leis de Juliano as permitissem
contrair matrimônio e isso embora tivessem a autoridade da idade a seu favor?
Houve leis, também, antigamente, legislando que as partes contra as quais havia
sido dada uma decisão, podiam ser cortadas aos pedaços por seus credores.
Contudo, por consenso
comum, aquela crueldade foi posteriormente retirada dos regimentos, e a pena
capital se transformou numa marca de vergonha. Adotando o plano de confiscar os
bens dos devedores, obteve-se mais tingindo de rubor suas faces do que fazendo
jorrar seu sangue. Quantas leis permanecem escondidas fora das vistas que ainda
necessitam ser reformadas! Para isso, nem o número de seus anos, nem a
dignidade de seus legisladores é que as recomendam, mas simplesmente se são
justas; e, portanto, quando sua injustiça é reconhecida, são merecidamente
condenadas.
Até mesmo os
governantes as condenam. Então, por que os chamamos injustos? Não apenas! Se
eles punem simples nomes, podemos chamá-los de irracionais. Mas, eles punem
atos! Por que, em nosso caso, castigam atos somente com fundamento num nome
enquanto nos outros casos exigem que eles sejam provados não apenas por um
nome, mas pelo mal feito?
Eu sou praticante de
incesto (assim o dizem): por que não fazem uma investigação sobre isso? Eu sou
um matador de crianças, por que não aplicam a tortura para obterem de mim a
verdade? Eu sou culpado de crimes contra os deuses, contra os Césares. Por que?
Ora, eu sou capaz de me defender, por que sou impedido de ser ouvido em minha
própria crença?
Nenhuma lei proíbe
examinar minuciosamente os crimes que condenam, porque um juiz nunca aplica um
castigo adequado se não está bem seguro de que foi cometido um crime, nem
obriga um cidadão às justas cominações da lei, se não sabe a natureza do ato
pelo qual está sendo punido. Não é suficiente que a lei seja justa, nem que o juiz
esteja convencido da sua justiça. Aqueles dos quais se espera obediência
deverão estar convencidos disto também.
Não apenas! Uma lei
fica sob forte suspeita se não se preocupam que ela mesma seja examinada e
aprovada. É realmente uma má lei se, não homologada, tiranizar os homens.
» CAPÍTULO V
Para mencionar algumas
palavras sobre a origem de tais leis das quais estamos agora falando, cito um
antigo decreto que diz que nenhum deus deve ser instituído pelo imperador antes
que primeiramente seja aprovado pelo Senado.
Marco Emílio passou por
essa experiência com relação a seu deus Alburno. E assim, também, acontece em
nosso caso, porque entre vós a divindade é deificada por julgamento dos seres
humanos. A não ser que os deuses dêem satisfação aos homens, não lhe é
reconhecida a divindade: Deus deve ser propício ao homem.
Tibério, em cujos dias
surgiu o nome Cristão no mundo, tendo recebido informações da Palestina sobre
os acontecimentos que demonstraram claramente a verdade da divindade de Cristo,
levou, adequadamente, o assunto ante o Senado com sua própria decisão a favor
de Cristo. O Senado rejeitou sua proposta porque não fora ele mesmo que dera
sua aprovação. O imperador manteve sua posição ameaçando com sua ira todos os
acusadores dos cristãos.
Consultai vossas
histórias. Verificareis que Nero foi o primeiro que atacou com seu poder
imperial a seita Cristã, fazendo isso, então, principalmente em Roma. Mas nós
nos gloriamos de termos nossa condenação lavrada pela hostilidade de tal
celerado porque quem quer que saiba quem ele foi, sabe que nada a não ser uma
coisa de especial valor seria objeto da condenação de Nero.
Domiciano, igualmente,
um homem do tipo de Nero em crueldade, tentou erguer sua mão em nossa
perseguição, mas possuía algum sentimento humano; logo pôs um fim ao que havia
começado, chegando a restituir os direitos daqueles que havia banido.
Assim, como foram
sempre nossos perseguidores, homens injustos, ímpios, desprezíveis, dos quais
vós mesmos nada tendes de bom a dizer, vós tendes por costume revalidar suas
sentenças sobre nós, os perseguidos. Mas entre tantos príncipes daquele tempo
até nossos dias, dotados de alguma sabedoria divina e humana, assinalem um
único perseguidor do nome Cristão. Bem pelo contrário, nós trazemos ante vós um
que foi seu protetor, como podereis ver examinando as cartas de Marco Aurélio,
o mais sério dos imperadores, cartas nas quais ele dá seu testemunho daquela
seca na Germânia que terminou com as chuvas obtidas pelas preces dos cristãos,
as quais permitiu que os germânicos fossem atacados. Como não pôde suspender a
ilegalidade dos cristãos por lei pública, contudo, a seu modo, ele a colocou
abertamente de lado e até acrescentou uma sentença de condenação, esta da maior
severidade, contra os seus acusadores.
Que qualidade de leis
são essas que somente os ímpios e injustos, os vis, os sanguinários, os sem
sentimentos, os insanos, executam contra nós? Que Trajano por muito tempo
tornou nula proibindo procurar os cristãos? Que nem Adriano, embora dedicado no
procurar tudo o que fosse estranho e novo, nem Vespasiano, embora fosse o
subjugador dos Judeus, nem Pio, nem Vero, jamais as puseram em prática?
Certamente, seria
considerado mais natural homens maus serem aniquilados por bons príncipes, na
qualidade de seus naturais inimigos, do que o serem aqueles possuidores de
espirito assemelhado com o desses últimos.
» CAPÍTULO VI
Eu gostaria de ter
agora esses protetores inteligentes e defensores das leis e instituições de
seus ancestrais, em atenção à sua fidelidade, à honra e à submissão que
demonstraram às instituições ancestrais; eles que partiram do nada; eles que em
nada se afastaram das antigos normas; eles que nada relegaram do que é mais
útil e necessário, como normas de uma vida virtuosa.
O que aconteceu com as
leis que reprimiam os caros e ostensivos modos de vida? Que proibiam gastar
mais do que cem asses num jantar, e mais do que uma ave para se sentar à mesa
por algum tempo, e essa não engordada... Que expulsavam severamente um patrício
do Senado, como se conta, porque ambicionava ser demasiado poderoso, porque
tinha lucrado 10 libras de prata... Que fechavam os teatros logo que começassem
a debochar das maneiras do povo... Que não permitiam que a insígnia de
dignidades de oficial ou de nobre nascimento fossem precipitadas ou impunemente
usurpadas...
Pois eu vejo os
jantares de uma centena de asses se apresentarem agora, não como de uma centena
de asses, mas que gastam um milhão de sestércios*. Vejo que minas de prata são
feitas em cinzas (isso, aliás, é pouco se fossem apenas os senadores que
fizessem tal, e não também os libertos ou também os simples espoliadores).
E vejo, também, que um
simples teatro não é o suficiente, nem há teatros descobertos: não há dúvidas
que isso é em busca desse imoderado luxo, que poderia até não ser desprezível
no inverno, pois que os Lacedemonios inventaram seus capotes de lã para os jogos.
Vejo agora que não há
diferença entre as vestes das senhoras e das prostitutas. Com respeito às
mulheres, na verdade, aquelas leis de vossos pais, que costumavam ser de
encorajamento à modéstia e à sobriedade, caíram também em desuso. Então, uma
mulher não sabia o que era possuir, com suas economias, ouro no dedo que não
fosse o do anel nupcial com que seu marido tinha, de forma sagrada, se
comprometido.
Então, a abstinência
das mulheres quanto ao vinho era levada tão a sério que uma senhora, por abrir
o compartimento da adega de vinho, foi condenada à morte por inanição pelos
seus amigos. No tempo de Rômulo, Mecênio matou sua esposa simplesmente por
testar um vinho, nada sofrendo por conta dessa morte. Com referência a isso,
também, era costume das mulheres beijar seus parentes porque eles podiam ser
conhecidos por seu hálito.
Onde está a felicidade
da vida de casado, sempre tão desejável, que distinguiam nossos antigos
costumes e por consequência dos quais por cerca de 600 anos não houve entre nós
um único divórcio?
Agora, as mulheres têm
cada membro do corpo carregado com ouro, beber vinho é tão comum entre elas que
nunca dão o beijo espontaneamente, e para forçar o divórcio, elas sonham com
ele como se fosse a consequência natural do casamento.
As leis de vossos
antepassados em sua sabedoria regulavam a respeito dos próprios deuses, as
quais, vós, seus descendentes, revogaram.
Os cônsules, por
autoridade do Senado, baniram o Pai Baco e seus cultos, não simplesmente da
cidade, mas de toda Itália. Os cônsules Piso e Gabínio, decerto não cristãos,
impediram os deuses Serápis, Ísis e Arpocrates, com seu amigo cabeça de cão, de
serem admitidos no Capitólio, cassando-os de imediato da assembleia dos deuses,
destruindo seus altares, expulsando-os do país, ansiosos de evitarem que se
espalhassem os vícios em que se baseavam, bem como sua religião lasciva. A
esses vós restaurastes e lhes conferistes as mais elevadas honras.
O que aconteceu com
vossa religião, que venerava os vossos ancestrais? Em vossas vestes, em vossos
alimentos, em vosso estilo de vida, em vossas opiniões, e, por último, em
vossos ensinamentos, renunciastes aos vossos progenitores!
Estais sempre louvando
os tempos antigos e, contudo, a cada dia aceitais novidades em vosso modo de
vida. Falhastes em manter o que devíeis, fazeis isso claramente, porque
enquanto abandonastes os bons costumes de vossos pais, retendes e guardais
aquilo que não devíeis.
Ainda que pareçais
defender tão fielmente a tradição verdadeira, na qual encontrais a principal
razão de acusação contra os Cristãos - quero dizer, o zelo na adoração aos
deuses, ponto principal no qual os antigos incidiram em erro, embora tenhais
reconstruído os altares de Serápis, agora uma divindade romana, e a de Baco,
agora tornado um deus da Itália, a quem ofereceis vossas orgias - demonstrarei
na ocasião adequada, contudo, que desprezais, negligenciais e destruís a
autoridade dos antigos, pondo-a inteiramente de lado.
Vou, por enquanto,
responder àquela infame acusação de crimes secretos, trazendo as coisas à luz
do dia.
*1 sestércio = 2,5
asses.
» CAPÍTULO VII
Monstros de maldade,
somos acusados de realizar um rito sagrado no qual imolamos uma criancinha e
então a comemos, e no qual, após o banquete, praticamos incesto, e os cães,
nossos alcoviteiros, pois não, apagam as luzes para a imoralidade da escuridão
nos entregarmos a nossas ímpias luxurias!
Isto é o que
constantemente usais para nos perseguir, embora não tenhais tido o cuidado de
elucidar a veracidade de tais coisas de que somos acusados há tanto tempo.
Tragam, então, esse assunto à luz do dia, se acreditais nisso, ou não lhes deis
crédito, se nunca investigastes a respeito. Com base nesse dissimulado jogo,
somos levados a vos esclarecer que não é verdade um fato que não ousais
investigar.
Determinais aos
executores, no caso dos Cristãos, um processo bem diferente de investigação:
não lhes cabe fazer-nos confessar o que praticamos, mas fazer-nos negar o que
somos.
Datamos a origem de
nossa religião, como antes já mencionamos, do tempo do reino de Tibério. A
verdade e a aversão à verdade vieram ao mundo juntas. Assim que a verdade
apareceu, foi olhada como inimiga. Nesse processo há tantos loucos quantos
desconhecedores dele: os Judeus, como se deve pensar, levados por um espirito
de rivalidade; os soldados, levados pelo desejo de extorquir dinheiro; nossos
domésticos, levados por sua natureza. Somos diariamente atacados por ensandecidos,
diariamente traídos, somos muitas vezes surpreendidos em nossas assembleias ou
cultos.
Quem encontrou algo por
pequeno que seja sobre uma criança chorando, de acordo com o boato popular?
Quem procurou o juiz porque encontrou, de fato, as ensanguentadas faces dos
Ciclopes e das Sereias? Quem achou quaisquer traços de impureza em nossas
viúvas? Onde está o homem que quando encontrou tais atrocidades as ocultou? Ou
será que no ato de levar os culpados à presença do juiz foi subornado para não
proceder a acusação?
Se sempre mantemos
nossos segredos, quando se tornaram conhecidos do público nossos atos? Então,
por quem poderiam ter sido desvendados? De certo não pelos próprios acusados,
mesmo porque há o conceito de fidelidade ao silêncio que é sempre própria dos
mistérios. Por acaso, os Samotrácios e os Eleusínios não escondem o quanto
procuram manter silêncio a respeito do que verdadeiramente são, em seus
segredos, promovendo castigos humanos oportunos e ameaçando com a futura ira
divina?
Se, então, os Cristãos
não são eles próprios os denunciadores de seus crimes, conclui-se que são os
estranhos. E como têm conhecimento deles, quando é também um costume universal
nas iniciações religiosas manter os profanos à distância e se precaver de
testemunhas? A menos que aconteça que esses que são tão perversos tenham menos
medo do que seus vizinhos!
Todo mundo sabe que
coisa é o boato. Diz um de vossos provérbios: "Dentre todos os males nada
voa mais depressa do que o boato". É porque ele dá informações? Ou é
porque ele é tremendamente mentiroso? Não é uma coisa que nem mesmo quando diz
alguma verdade, apresenta uma mancha de falsidade, seja detratando, seja
aumentando, seja mudando o fato em si? E não faz parte de sua natureza
sobreviver somente enquanto mente, e viver somente enquanto não há provas? Pois
que quando se tem a prova, ele deixa de existir.
Tendo feito seu
trabalho de simplesmente espalhar uma notícia, ele conta algo que daí em diante
passa a ser um fato e a ser chamado um fato. Então, já ninguém diz, por
exemplo: "Dizem que aconteceu em Roma", ou "Há um boato de que
ele ganhou uma província", mas "Ele ganhou uma província", e
"Aconteceu em Roma". Boato é a verdadeira designação da incerteza,
não sobrevive quando o fato é comprovado.
Ninguém exceto um louco
confia nele, não é? Um homem prudente nunca acredita naquilo que é duvidoso.
Todo mundo sabe como
ele se espalha com afinco, como sobrevive com uma afirmação sem limites, como é
apenas uma vez ou outra que mostra sua origem. Por isso, necessita se infiltrar
através das línguas e ouvidos. Uma pequena semente obscurece toda a história,
de modo que ninguém pode determinar se os lábios dos quais se originou, plantou
a semente da falsidade, como muitas vezes acontece, por um espirito de oposição
ou por um julgamento suspeito ou por um julgamento confirmado ou, como em
alguns casos, por um inato prazer em mentir.
É certo que o tempo
traz tudo à luz, como vossos provérbios e ditos testemunham, por um
procedimento da natureza da verdade que desvela as coisas de tal modo que nada
fica escondido por muito tempo, mesmo embora o boato não o faça.
É justamente, então, o
que deve acontecer, com essa fama tão duradoura que denuncia os crimes dos
cristãos.
Esse boato é a
testemunha que trazeis contra nós - boato que nunca foi capaz de provar a
acusação que vez ou outra se espalha e, ultimamente, por simples repetição se
fez opinião firmada no mundo.
Assim, confiantemente
apelo àquela natureza da verdade, sempre reveladora, contra os que infundadamente
levantam tais acusações.
» CAPÍTULO VIII
Atentai agora!
Apresentamo-vos a recompensa por essas monstruosidades: os Cristãos prometem a
vida eterna. Asseguram-na assim também como é de vossa própria convicção.
Pergunto-vos: se assim
crêem, não julgais que se farão dignos de obtê-la mantendo uma consciência
igual a que pretendeis ter? Vamos, enfiai vossa faca numa criança que não faz
mal a ninguém, toda inocência, amada por todos. Ou se isso é feito por outro,
simplesmente assisti de vosso lugar a um ser humano morrendo antes de ter
realmente vivido, esperai a partida da última alma, recebei o sangue fresco,
molhai com ele vosso pão, participai disso livremente. Enquanto vos reclinais à
mesa, vede os lugares que vossa mãe e vossa irmã ocupam. Guardai-os bem, de
modo que quando o cão trouxer a escuridão para vos envolver, não possais
cometer erro, porque sereis culpados de crime se não cometerdes uma ação de
incesto.
Iniciados e marcados em
semelhantes barbaridades, tendes a vida eterna! Dizei-me, imploro-vos, é a
eternidade digna disso? Se não é, então tais coisas não devem merecer crédito.
Mesmo se acreditastes,
nego essa vossa vontade. E mesmo se tivestes a vontade, nego a possibilidade.
Por que, então, outros poderiam fazê-lo? Por que não podeis se outros podem?
Suponho, então, que somos de uma natureza diferente. Somos Cães ou Monstros?
Sois homens tanto quanto os cristãos; se não podeis fazê-lo, não podeis
acreditar que outros o possam, porque os cristãos são humanos tanto quanto vós.
Mas os que desconhecem
essas coisas certamente estão decepcionados e se prevalecem disso. Estão
perfeitamente inscientes de que algo dessa natureza é imputado aos cristãos ou,
certamente, se informaram por si próprios e desvendaram o assunto.
Mas, em vez disso, é costume
das pessoas que desejam iniciação a ritos sagrados, penso eu, ir antes de tudo
ao Líder deles para que lhes possa explicar os preparativos que devem ser
feitos. Então, nesse caso, não há dúvidas que este diria: deveis levar uma
criança ainda de tenra idade, que não saiba o que é morrer, e possa sorrir sob
vossa faca; também, pão para aparar o sangue que correrá. Além disso,
candelabros, lâmpadas, e cães, com iscas para atraí-los ao apagar das luzes. E,
antes de tudo, deveis levar vossa mãe e vossa irmã convosco. Mas o que fazer se
a mãe e a irmã não quiserem ir? Ou se não tiver nem uma nem outra? O que fazer
se houver cristãos sem parentes cristãos? Não será tido, suponho, por um
verdadeiro seguidor de Cristo, quem não tiver um irmão ou um filho.
E o que acontecerá, se
essas coisas todas estiverem dispostas como dito, sem o conhecimento deles? No
máximo, depois que eles os virem, se afastam e os perdoam.
Temem - é de se
concluir - que pagarão por isso se divulgarem o segredo? De modo algum, antes irão,
em tal caso, pedir proteção. Preferirão mesmo - pode-se entender - morrer por
suas próprias mãos a viver sob o fardo de tão terrível conhecimento. Admitamos
que eles terão medo. Contudo por que eles iriam continuar com a coisa?
Pois é bastante claro
que vós não desejaríeis continuar sendo o que nunca quisestes ser, se tivésseis
tido prévio conhecimento do assunto.
» CAPÍTULO IX
Eis como posso refutar
tais acusações: mostrar-vos-ei práticas que vigoram entre vós, em parte
abertamente, em parte secretamente, que vos levaram, talvez, a nos acusar de
coisas semelhantes.
Os meninos eram
sacrificados abertamente na África a Saturno até o proconsulado de Tibério, que
expôs à vista do público os seus sacerdotes crucificados nas árvores sagradas,
que lançavam sombras sobre seus templos - tantas eram as cruzes nas quais a
justiça exigida aplicou o castigo por seus crimes, como os nossos soldados
podem ainda testemunhar, tendo sido, de fato, esta uma obra daquele Procônsul.
Até presentemente aquele criminoso culto continua a ser feito, secretamente.
Não seriam somente os
Cristãos, estais vendo, que vos menosprezariam, porque com isso tudo o que
fazeis nenhum crime foi inteiramente e permanentemente erradicado, nem nenhum
de vossos deuses reformou seus costumes. Se Saturno não poupou seus próprios
filhos, ele também não poupou os filhos dos outros, e os pais desses, na
verdade, tinham, eles mesmos, o hábito de fazer tal oferenda, atendendo
contentes ao pedido que lhes era feito, mantendo as crianças satisfeitas na
ocasião, para que não morressem aos choros.
Destacamos também que
há uma grande diferença entre homicídio e parricídio. Mas homens idosos eram
sacrificados a Mercúrio, nas Gálias. Tenho em mãos as lendas táuricas feitas
para vossos próprios teatros. Por que, mesmo nesta profundamente religiosa
cidade de piedosos descendentes de Enéias, há um certo Júpiter que em vossos
jogos é banhado com sangue humano? É o sangue de um lutador feroz, dizeis. Por
isso, o sangue de um homem se torna irrelevante? Ou não é mais infame o sangue
porque corre das veias de um homem mau? De qualquer modo, é sangue derramado
até a morte. Ó Júpiter, vós soi um Cristão, e de fato, por vossa crueldade,
digno filho de vosso pai!
Mas com respeito à
morte de uma criança, como se não interessasse se fosse cometido para um
sagrado culto, ou simplesmente por um impulso próprio (embora haja uma grande
diferença, como dissemos, entre parricídio e homicídio), me voltarei para o
povo em geral. A quantos - pensai nisso - desses aglomerados de pessoas
investindo em busca de sangue Cristão, a quantos, mesmo, de vossos governantes,
notáveis por sua justiça para convosco e por suas severas medidas para conosco,
posso acusar perante sua consciência do pecado de condenar sua descendência à
morte?
Se há alguma diferença
no tipo de assassinato, a forma mais cruel é certamente matar por afogamento ou
exposição ao frio, à fome e aos cães. Uma costume mais civilizado tem sempre
preferido a morte pela espada.
Em nosso caso, para os
cristãos, a morte foi de uma vez por todas proibida. Não podemos nem mesmo
destruir o feto no útero, porque, mesmo então, o ser humano retira sangue de
outras partes de seu corpo para sua subsistência. Impedir um nascimento é
simplesmente uma forma mais rápida de matar um homem, não importando se mata a
vida de quem já nasceu, ou põe fim a de quem está para nascer. Esse é um homem
que está se formando, pois tendes o fruto já em sua semente.
Com relação a alimentos
de sangue e de outros tão macabros pratos - Eu não estou seguro onde li isto,
em Heródoto, penso - o sangue tirado dos braços e bebido por ambas as partes,
constituía um aval ao tratado entre algumas nações. Não estou certo se foi
assim bebido no tempo de Catilina. Dizem, também, que entre algumas tribos
citas os amigos são comidos por seus amigos. Mas estou indo longe demais de
casa.
Atualmente, mesmo entre
vós, o sangue consagrado a Bellona, sangue retirado da coxa perfurada e então
partilhada, sela a iniciação aos ritos daquela divindade. Que dizer daqueles,
também, que nos espetáculos dos gladiadores, para a cura da epilepsia, bebem
com gananciosa sede o sangue dos criminosos mortos na arena, assim que corre
fresco de seus ferimentos, apressando-se para chegarem aos que lhes pertencem?
E daqueles, também, que fazem alimentos no sangue de feras selvagens no lugar
dos combates - que têm agudo apetite por ursos e veados? Na luta, esse urso foi
molhado com o sangue do homem dilacerado por ele; aquele veado rolou no sangue
do gladiador ferido pelas suas chifradas. As entranhas das próprias feras,
embora misturadas com indigestas vísceras humanas, são muito procuradas. E de
vossos homens disputando carne nutrida por carne humana?
Se vós partilhais de
alimentos como esses, em que vossos repastos diferem daqueles de que acusais a
nós, cristãos? Aqueles que, com luxúria selvagem, disputam corpos humanos,
cometem menor mal porque devoram os vivos? Estão menos contaminados do sangue
humano porque degustam aquilo que está para se tornar sangue? Eles se
alimentam, isto é evidente, não tanto de crianças, como de adultos.
Ruborizai-vos por
vossos vis costumes perante os cristãos, que não têm sequer o sangue de animais
entre seus alimentos, alimentos que são simples e naturais, que se abstêm de
animais estrangulados ou que morrem de morte natural. E isso pela única razão de
que eles não querem se contaminar, nem mesmo de sangue contido nas vísceras.
Para encerrar o assunto
com um simples exemplo, vós tentais os cristãos com lingüiças de sangue,
exatamente porque estais perfeitamente cientes de que assim tentais fazê-los
transgredir o hábito que eles consideram ilegal. E como é irracional acreditar
que aqueles sobre os quais bem sabeis que olham com horror a idéia de beber o
sangue de bois, estejam ansiosos por sangue de homens. Isso a não ser que vós
tenhais saboreado o sangue humano e o achastes mais gostoso!
Sim, realmente, eis
aqui um teste que podereis aplicar para descobrir os cristãos, bem como a
panela e o censor. Eles poderiam ser testados pelo seu apetite por sangue
humano, tanto quanto por sua recusa de oferecer sacrifícios. E assim como
poder-se-ia afirmar serem cristãos por sua recusa de beber sangue e sua recusa
de oferecer sacrifícios, não haveria necessidade de sangue de homens, tão
solicitado como é nas torturas e na condenação dos prisioneiros cristãos.
Ora, quem se entrega
mais ao crime de incesto do que aqueles que seguem as instruções do próprio
Júpiter? Césio nos diz que os persas mantêm relação carnal ilícita com suas
mães. Os macedônios, igualmente, são suspeitos do mesmo; porque ouvindo pela
primeira vez a tragédia de Édipo, eles coroaram com mirto o incesto, com
exclamações em sua língua.
Ainda atualmente,
reflitam quantas oportunidades existem para erros que vos levem a uniões
incestuosas - vosso promíscuo relaxamento fornece essas oportunidades. Antes de
tudo, abandonais vossas crianças que podem ser levadas por qualquer transeunte
compadecido, para os quais elas são totalmente desconhecidas; ou as entregais
para serem adotados por aqueles que podem cumprir melhor para elas o papel de
pais. Bem, com algum tempo toda a memória do parentesco alienado pode ser
esquecida; e quando se faz um erro, a transmissão do incesto poderá até ocorrer
- o parentesco e o crime caminhando juntos. Pois, mais tarde, onde estejais, em
casa ou fora, nos mares - vossa luxúria está à vossa disposição, com
indulgência geral, ou mesmo com uma menor indulgência, e podeis facilmente, e
não propositadamente, procriar em algum lugar uma criança, de modo que dessa
maneira um parente lançado na corrente da vida poderá vir a ter relação carnal
com aqueles que são de sua própria carne, sem ter noção que está ocorrendo
incesto no caso.
Uma castidade
perseverante e firme nos tem protegido de algo assim, pois, resguardando-nos,
como fazemos, de adultérios e todas as infidelidades após o matrimônio, não
estamos expostos a infortúnios incestuosos. Alguns de nós - tornando o assunto
ainda mais seguro - nos abstemos inteiramente do pecado sensual, pela
continência virginal; mesmos meninos nossos tomam tal decisão quando ficam
adultos. Se tiverdes notícia de que tais pecados que mencionei existem entre
vós, examinem e vejam que eles não existem entre os cristãos.
Os mesmos olhos poderão
constatar ambos os fatos. Mas as duas cegueiras caminham juntas. Aqueles que
não vêem o que acontece, pensam que vêem o que não acontece. Demonstrarei como
ocorre assim em qualquer assunto. Mas, por enquanto deixai-me falar de assuntos
que são mais importantes.
» CAPÍTULO X
Vós nos acusais:
"Não adorais os deuses e não ofereceis sacrifícios aos imperadores".
Sim, não oferecemos
sacrifícios a outros pela mesma razão pela qual não os oferecemos a nós mesmos,
ou seja, porque vossos deuses não são, de modo algum, referenciais para nossa
adoração. Por isso, somos acusados de sacrilégio e de traição. Esse é o principal
fundamento de vossa perseguição contra nós. Sim, é toda a razão de nossa
ofensa. É digna, então, de exame a respeito, se não forem nossos juizes a
prevenção e a injustiça, pois a prevenção não leva a sério descobrir a verdade,
e a injustiça a rejeita simples e totalmente.
Não adoramos vossos
deuses porque sabemos que não existem tais divindades. Eis o que, portanto,
deveríeis fazer: deveríeis nos intimar a demonstrar a inexistência delas, e,
então, provar que elas não merecem adoração, pois somente se vossas divindades
fossem comprovadamente verdadeiros deuses, haveria toda obrigação de lhes serem
rendidas homenagens divinas.
Punição, igualmente,
mereceriam os cristãos, se ficasse evidente que aqueles aos quais recusam
adoração são verdadeiramente divinos. Vos dizeis: são deuses. Nós negamos e
apelamos para vosso próprio entendimento a respeito. Que ele nos julgue, que
ele nos condene, se é incapaz de negar que todas essas vossas divindades não
passam de pessoas humanas.
Se vosso entendimento
se atreve a negar isso, será refutado por vossos próprios livros de histórias
primitivas, pelos quais tomou ciência delas, pois esses livros se constituem
incontestáveis testemunhas até nossos dias, seja das cidades onde elas
nasceram, seja das regiões nas quais elas deixaram marcas de suas andanças, bem
como, comprovadamente elas foram enterradas.
Examinarei agora, um
por um, a esses vossos deuses tão numerosos e tão diferentes, novos e antigos,
gregos, romanos, estrangeiros, de escravos e de adotados, privados e públicos,
machos e fêmeas, rurais e urbanos, marítimos e militares? Não. É inútil até pesquisar
todos os seus nomes, de modo que me contento com um resumo, e isso não para
vossa informação, mas para que tenhais em mente o que colocastes em vossa
coleção, porque indubitavelmente agis como se tivésseis esquecido tudo sobre
eles.
Nenhum de vossos deuses
é mais antigo do que Saturno. Dele fizestes provir todas as vossas divindades,
mesmo aquelas de maior dignidade e mais conhecidas. O que, então, puder ser
provado sobre o primeiro, poderá ser aplicado àqueles que dele provieram.
De tempos tão primitivos
quanto nos informam os livros, nem o grego Diodoro ou Thallos, nem Cássio
Severo nem Cornélio Nepos, bem como nenhum outro escritor que escreveu sobre as
coisas sagradas primitivas, se aventurou a dizer que Saturno era alguém mais
senão um homem. Tanto quanto esse assunto depende dos fatos, nada mais encontro
digno de fé do que isso: sabemos o local no qual Saturno se estabeleceu na
própria Itália, após muitas expedições e após compartilhar da hospitalidade da
Ática, obtendo cordiais boas vindas de Jano ou Janis como os Sálicos o
chamavam. A montanha na qual ele morou foi chamada Satúrnio. A cidade que ele
fundou foi denominada Satúrnia até aos nossos dias. Por fim, toda a Itália,
após ter surgido com o nome de Enótria, foi chamada Satúrnia por causa dele.
Foi ele que por primeiro vos ensinou a arte de escrever e de cunhar moedas.
Daí, aconteceu que ele passou a governar o Tesouro Público.
Mas, se Saturno foi um
homem, teve, sem dúvida, uma origem humana e tendo uma origem humana não foi
rebento nascido do céu e da terra. Como seus pais eram desconhecidos, não era
incomum que tenha se chamado filho desses elementos dos quais nós todos
parecemos nos originar.
Quem não fala do céu e
da terra como de um pai e de uma mãe numa forma de veneração e homenagem? Não
há até o costume, ainda existente entre nós, de dizer que alguém que nos é
estranho ou que surgiu inesperadamente em nosso meio caiu dos céus? Do mesmo
modo, aconteceu com Saturno, onde apareceu como um hóspede repentino e
inesperado - porque o hóspede recebe em todo o lugar a designação de nascido do
céu. Mesmo a tradição popular chama de filhos da terra as pessoas de parentesco
desconhecido.
Eu não sei quantos
homens naqueles tempos primitivos eram levados a assim procederem quando
admirados pela visão de alguém estranho que surgia em seu meio, considerando-o
divino, já que naquelas eras distantes até homens de cultura transformavam em
deuses pessoas que eles sabiam terem morrido como homens, um dia ou dois antes,
movidos pela tristeza geral que lhes acometia.
Que essas observações
de Saturno, tão concisas como são, sejam suficientes. Assim, também, pode-se
provar que Júpiter era certamente homem, já que nascido de homem, e que uma
após outra, todas essas divindades eram mortais como o primitivo rebento.
» CAPÍTULO XI
Já que não ousais negar
que essas vossas divindades foram homens e deveis aceitar que foram elevadas à
divindade após sua morte, examinemos no que isso implica.
Antes de tudo deveis
confirmar a existência de um Deus Altíssimo - alguém possuidor da divindade -
que concedeu a tais homens a divindade. Pois que eles não poderiam assumir uma
divindade que não lhes pertencesse e somente um Deus que a possuísse poderia
conferi-la a alguém. Se não houvesse Alguém para criar divindades, seria
inútil, também, sonhar em divindades criadas pois não existiria o seu Criador.
Certamente, se elas
pudessem se tornar divindades por si mesmas, com uma divindade superior
governando-as, elas nunca teriam se tornado homens.
Se, então, há Alguém
que é capaz de criar divindades, eu volto a examinar qual razão que a levaria a
criá-las. Não encontro outra razão senão de que o Deus Supremo precisava de
administradores e ajudantes para exercer os ofícios de Deus. Mas,
primeiramente, é uma idéia indigna pensar que Ele precisasse de ajuda de um
homem, e, ainda, de um homem morto. Se Ele tivesse necessidade de assistência,
poderia mais apropriadamente ter criado uma divindade desde seu nascimento.
Depois, nem sequer vejo algum motivo para tal.
Pois todo esse universo,
se existente por si mesmo e incriado, como afirma Pitágoras, ou criado por
forças de um Criador, como afirmou Platão, foi, incontestavelmente, já, em sua
organização original, programado, dotado, ordenado e governado com uma
sabedoria perfeita. Não poderia ser imperfeito Alguém que tudo fez perfeito.
Ninguém estaria
esperando por Saturno e sua raça para assim fazê-lo. Os homens ficam loucos
quando se recusam a acreditar que o primeiríssimo impulso nasceu do céu, e,
então, as estrelas piscaram, a luz brilhou, os trovões rugiram, e o próprio
Júpiter temeu os relâmpagos que pondes em suas mãos. O mesmo aconteceu com
Baco, Ceres e Minerva, e não somente com o primeiro homem, quem quer que tenha
sido, ante os quais toda espécie de frutos brotaram abundantemente do interior
da terra, providenciados tão somente para prover e sustentar o homem que depois
disso pôde existir.
Em consonância, dizem
que essas necessidades da vida foram descobertas, não criadas. As coisas que
alguém descobre, já antes existem, e o que tem uma preexistência não deve ser
visto como pertencente àquele que o descobriu mas àquele que o criou, porque certamente
esse Ser existia antes daquilo que poderia ser descoberto.
Se Baco foi elevado à
divindade porque foi o descobridor do vinho, entretanto Lúculo que primeiro
introduziu a cerejeira do Ponto na Itália não o foi porque, como descobridor de
uma nova fruta, não se arrogou o mérito de ter sido seu criador nem de se
galardoar com honras divinas.
Portanto, se o universo
existiu desde o início provido de seu sistema, agindo sob determinadas leis
para a execução de suas funções, não há nenhuma razão para constituir a
humanidade em divindade, porque as situações e poderes que atribuís a vossas
divindades existiram desde o começo, exatamente como deveriam ser, embora não
as tenhais nunca deificado.
Mas apontais outra
razão, dizendo-nos que a atribuição de divindade foi um meio dignificá-las. E
daí sois concordes, concluo, de que o Deus que é Deus é de transcendente
retidão - Alguém que não quer nem insensata, nem inadequada, nem
desnecessariamente outorgar uma recompensa tão grande.
Pediria que, então,
considerásseis se as atitudes de vossas divindades são de tal qualidade que as
elevassem aos céus e não antes as submergissem no mais profundo do Tártaro - o
lugar que considerais, como a maioria, como um cárcere de punições eternas.
Ora, pois que nesse lugar temível são dignos de ser lançados todos aqueles que
pecam contra a piedade filial, assim como os culpados de incesto com irmãs e
sedutores de viuvas, os raptores de virgens e corruptores de menores, os homens
de temperamentos furiosos, os assassinos, os ladrões, os enganadores, todos, em
resumo, que seguem os exemplos de vossas divindades.
Não, porém, alguém que
pode provar estar inocente de crimes e vícios, a não ser o de afirmar que essas
divindades foram sempre humanas. Além de não poderdes negar isso, tendes,
também, em seus desalmados crimes mais uma razão para não acreditardes que
tenham sido elevados à divindade após sua morte. Porque se legislais com
verdadeiro propósito de punir tais crimes, se cada homem virtuoso dentre vós se
nega a ter qualquer correspondência, conversa, intimidade com os culpados e
vis, como, diferentemente, o Deus Altíssimo os tomaria seus pares para
compartilhar de sua Majestade? Em que posição ficaria se fosse companheiro
daqueles aos quais adorais?
Vossas deificações é
uma afronta aos céus. Deificais vossos mais vis criminosos quando quereis
agradar vossos deuses. Vós os honrais concedendo honras divinas a seus
companheiros.
Mas para não mais falar
de uma maneira de agir tão indigna, há homens virtuosos, puros e bons. Contudo,
quantos desses homens nobres não relegastes às regiões da condenação? Como
fizestes a Sócrates, tão renomado por sua sabedoria; Aristides, por sua
justiça; Temístocles, por sua boa sorte; Creso por sua riqueza; Demóstemes por
sua eloquência. Qual dos vossos deuses é mais notável por sua seriedade e
sabedoria do que Catão; mais justo e combatente do que Cipião? Qual deles mais
magnânimo do que Pompeu; mais próspero do que Silas; de maior riqueza do que
Creso, mais eloqüente do que Túlio?
Quão mais digno seria
para o Deus Supremo esperar que Ele pudesse tomar tais homens para serem seus
pares celestes, sabedor como Ele deve ser de suas mais dignas qualidades! Ele
está em vexame, suponho, e fechou os portões celestes. Agora, certamente sente
vergonha por cauda dessas sumidades que estariam a murmurar, nas regiões
infernais, contra sua escolha.
» CAPÍTULO XII
Mas, deixo de lado
essas observações, porque sei e vou mostrar o que vossas divindades não são,
mostrando o que realmente são. Com referência, então, a eles, examinarei
somente nomes de homens falecidos dos tempos antigos. Ouvi histórias fabulosas.
Reconheci ritos sagrados cercando simples mitos. Relacionando-os às imagens
atuais, vejo-os como simples peças materiais assemelhadas aos vasos e utensílios
de uso comum entre vós, ou mesmo consagrados por uma malfadada troca com
aqueles úteis objetos nas mãos de descuidada arte, que no processo de
transformação os tratou com absoluto desprezo, se não, com verdadeiro ato de
sacrilégio.
Dessa forma não poderíamos
ter o menor conforto em todos os nossos castigos, padecendo como padecemos por
causa desses mesmos deuses, porque em sua formação sofreram como nós sofremos.
Pondes os cristãos em cruzes e estacas: Que estátua não é primeiro formada de
barro e depois plasmada numa cruz ou numa estaca? O corpo de vosso deus é
primeiro consagrado num estrado. Dilacerais os corpos dos cristãos com vossas
garras, mas no caso de vossos próprios deuses, machados, plainas e limas são
utilizadas mais vigorosamente em cada membro de seus corpos. Colocamos nossas
cabeças sobre o cepo. No entanto, o prumo, a cola e os pregos são utilizados em
vossas divindades que de início não têm cabeça. Somos lançados às feras
selvagens, enquanto as pondes juntas a Baco, Cibele e Celeste. Somos queimados
no fogo; assim também eles, em seu original material. Somos condenados às
minas; delas provieram vossos deuses. Somos banidos para as ilhas; é comum a
vossos deuses nelas nascerem ou morrerem.
Se este é o meio pelo
qual se faz uma divindade, segue-se que são punidas enquanto são deificadas e
serão torturadas para serem declaradas divindades. Mas é evidente que esses
objetos de vossa adoração não sentem as injúrias e as desgraças antes de sua
consagração, como também não tomam consciência das honras que lhes são
prestadas.
Ó palavras ímpias! Ó
acusações blasfemas! É de ranger os dentes contra nós - espumem com louca raiva
contra nós - somos as pessoas, sem dúvida, que censuraram um certo Sêneca que
falou de vossas superstições longamente e muito mais agudamente! Numa palavra:
se recusamos nossa homenagem a estátuas e imagens frígidas, de fato uma
reprodução de seus originais falecidos, com os quais convivem falcões, ratos e
aranhas, não merece isso louvor em vez de castigo? Que rejeitemos isso que
acabamos de examinar é erro? Não fazemos certamente injúrias àqueles que
estamos certos de serem nulidades. O que não existe está em sua inexistência
livre do sofrimento.
» CAPÍTULO XIII
"Mas eles são
nossos deuses", dizeis. Como pode ser isso, pois com absoluta
inconsistência, estais cientes de vossa ímpia, sacrílega e irreligiosa conduta
para com eles; menosprezais aqueles que imaginais que existam, destruindo
aqueles que são objetos de vosso medo, fazendo pouco caso daqueles cuja honra
quereis vingar?
Vede se agora estou
mentindo. Em primeiro lugar, certamente, constatando que apenas adorais um ou
outro deus, certamente ofendeis àqueles que não adorais. Não podeis dar
preferência a um sem desprezar o outro, pois a seleção de um implica na
rejeição do outro. Desprezais, portanto, aqueles que rejeitais, porque na vossa
rejeição a eles se evidencia que não temeis em ofendê-los.
Como já demonstramos,
toda divindade vossa depende da decisão do Senado quanto à sua deificação.
Ninguém seria deus a não ser que o homem em seu próprio arbítrio não o tivesse
desejado; assim, igualmente, rejeitado. Às divindades da família que chamais
"Lares" concedeis uma autoridade doméstica, orando a elas,
vendendo-as, trocando-as, fazendo às vezes fogo com Saturno, alimentando um
braseiro com Minerva, se acontece que um ou outro esteja estragado ou quebrado
por seu longo uso sagrado, ou se o chefe da família está premido por alguma
necessidade familiar mais sagrada.
Assim, também, por lei
pública, levais à desgraça vossos deuses oficializados, colocando-os no
catálogo de leilão, tornando-os fontes de renda. Os homens sobem ao Capitólio,
como vão ao mercado popular levados pela voz do pregoeiro, fazendo o lance do
leilão, com o registro do questor. A divindade é leiloada e arrematada pela
mais alta oferta. Mas, certamente, só terras oneradas com impostos são de menor
valor, só homens sujeitos à avaliação de impostos são menos nobres, porque bens
assim indicam estado de servidão.
No caso das divindades,
por outro lado, a santidade é grande em proporção aos tributos que sobre elas
são cobrados. Quanto mais sagrada a divindade, maior a taxa que paga. A
majestade se torna uma fonte de ganho. A Religião procede como os pedintes de
tavernas. Cobrais preço pelo privilégio de ficar num templo, por acesso aos cultos
sagrados, não se recebe conselhos gratuitos de vossas divindades - necessitais
comprar seus favores.
Que honras lhes
concedeis que não concedais aos mortos? Possuís templos tanto para uns como
para outros, construís altares tanto para uns como para outros. Suas estátuas
são vestidas da mesma maneira, com as mesmas insígnias. Assim como os falecidos
tinham sua idade, sua arte, suas ocupações, assim as tinham vossas divindades.
Em que a festa de funeral difere da festa de Júpiter? O símbolo das divindades daquele
dos manes? Ou o empreiteiro do funeral do vaticinador, se, realmente, o último
também trata de mortos?
Com perfeita
propriedade dais honras divinas a vossos imperadores quando morrem, já que os
adorais em vida. Os deuses ficam em dívida convosco, pois é causa de grande
regozijo entre eles que seus mestres sejam constituídos em seus pares.
» CAPÍTULO XIV
Desejaria rever agora
vossos ritos sagrados. Deixo passar sem censuras o fato de em vossos
sacrifícios ofertardes coisas estragadas, imprestáveis, podres, quando separais
a gordura, as partes sem uso, tais como a cabeça e os cascos, que em vossas
casas destinais aos escravos ou aos cães; quando do dízimo de Hércules não
colocais sequer um terço sobre o altar.
Sou levado mais a
louvar vossa sabedoria em aproveitá-las para não as jogar fora. Mas, voltando a
vossos livros dos quais tirais vossos ensinamentos de sabedoria e os nobres
deveres da vida, que coisas ridículas ali encontro: que os deuses troianos e
gregos brigaram entre eles como gladiadores, que Vênus foi ferida por um homem
porque ela queria resgatar seu filho Êneas, quando estava ameaçado de perigo de
vida pelo próprio Diomedes; que Marte definhou preso por treze meses; que
Júpiter foi salvo pela ajuda de um monstro de padecer a mesma violência nas
mãos de outros deuses; que ele agora lamenta o destino de Sarpédon, ora
cortejando loucamente sua própria irmã, lhe falando sobre antigas amantes, não
tão amadas como ela.
Depois disso, que poeta
não imita o exemplo de seu Mestre? Um entrega Apolo ao rei Admeto para cuidar
de suas ovelhas; um outro aluga o trabalho de construtor de Netuno a
Laomedonte. Um conhecido poeta lírico, também, Píndaro, aliás, canta sobre
Esculápio merecidamente ferido com um raio por pratica incorreta de sua arte, por
ambição. Uma má ação foi essa de Júpiter: se arremessou um raio desnaturado
contra seu avô, demonstrando sentimento de inveja contra o médico. Coisas
semelhantes não deveriam ser tornadas públicas, se verdadeiras; e, se falsas,
não deviam ser levadas ao povo, que professa um grande respeito pela religião.
Nem também, certamente, os escritores, trágicos ou cômicos, deveriam denunciar
os deuses como origem de todas as calamidades e pecados das famílias.
Não examinarei os
filósofos, contentando-me com uma referência a Sócrates que, por desprezo aos
deuses, tinha o hábito de jurar por um carvalho, por uma cabra ou por um cão.
De fato, exatamente por isso, Sócrates foi condenado à morte, pois subestimava
a adoração aos deuses. Num tempo ou noutro, ou seja, sempre, a verdade não é
amada. Contudo, quando sentiram remorso pelo julgamento de Sócrates, os
atenienses aplicaram punição a seus acusadores, e ergueram uma imagem de ouro
dele num templo; a condenação foi nessa ocasião reconsiderada, e a inocência
dele restaurada em seus anteriores méritos.
Diógenes, igualmente,
zombou de Hércules; e o cínico romano Varro se fez proceder de trezentas
imagens de Júpiter, que foram conhecidas todas como sem cabeças.
» CAPÍTULO XV
De vossos escritores,
outros, em seus desregramentos sempre vos proporcionam prazeres vilipendiando
os deuses. Vede aquelas encantadoras farsas de Lêntulo e Hostílio se nas
brincadeiras e facécias não são os bufões e as divindades que vos causam
divertimentos. Farsas assim, penso, levam-nos ao ridículo, como a de Anúbio, o
adúltero, Luna, do sexo masculino, Diana debaixo do chicote, as interpretações
dos desejos de Júpiter falecido e os três famigerados Hércules.
Vossa literatura
dramática, igualmente, retrata as vilezas de vossos deuses. O Sol lamenta seus
filhos expulsos do céu e vós ficais cheios de júbilo. Cibele procura seu
insolente namorado e vós não corais. Levais à cena o recital dos delitos de
Júpiter, e do pastor que julga Juno, Vênus e Minerva.
Novamente, quando a
máscara de um deus é posta na cabeça de um ignominioso e infame miserável,
quando alguém impuro e experimentado na arte de toda efeminação que seja
representa Minerva ou Hércules, não é a majestade de vossos deuses insultada e
sua divindade desonrada? Contudo vós não somente assistis a isso, como
aplaudis.
Sois, suponho, mais
devotos na arena quando sob a mesma forma vossas divindades dançam sobre o
sangue humano, sobre os ferimentos causados pelas punições infligidas, como se
interpretassem suas histórias e aventuras, cedendo sua vez aos pobres
condenados, com a diferença de que esses muitas vezes se colocam como a
divindade e no momento representam os próprios deuses.
Temos visto
presentemente uma representação da mutilação de Átide, o famoso deus de
Pessino, e de um homem queimado vivo como Hércules. Faz-se gozação em meio a
burlescas crueldades na exibição do meio-dia, com Mercúrio examinando os corpos
dos mortos com sua lança ardente. Temos testemunhado o irmão de Júpiter, com
malho na mão, rebocando os cadáveres dos gladiadores.
Mas quem pode assistir
a tudo isso? Se por tais coisas a honra da divindade é atacada, se estão a
macular qualquer traço de sua majestade, temos de entender isso como desprezo
com os quais os deuses tratados por aqueles que ora fazem tais coisas e,
igualmente, por aqueles para cujo divertimento são feitas. Isto, todavia,
dizem, é tudo brincadeira.
Mas, acrescento - todos
sabeis e admitis prontamente como fatos que nos templos são arranjados adultérios,
que nos altares são praticadas alcovitices, que muitas vezes nas casas dos
guardas dos templos e dos sacerdotes, sob os ornamentos de sacrifícios, sob
sagradas tiaras e sob as vestimentas púrpuras, em meio das ondas de incenso,
são praticados crimes de licenciosidade.
Então, não estou
seguro, mas vossos deuses têm mais razão de se queixarem de vós do que dos
cristãos. Ë certamente entre os devotos de vossa religião que sempre se
encontram os perpetradores de sacrilégios; porque os cristãos não entram em
vossos templos nem mesmo durante o dia.
Talvez queirais,
também, ser exploradores dos deuses, já que os adorais. O que , então, vos
levam a adorar, uma vez que os objetos de adoração são diferentes de vós? Fica,
de fato, logo evidenciado como corolário de vossa rejeição à hipocrisia, que
rendeis homenagem à verdade. Não perseverais no erro que criastes pelo simples
fato de reconhecerdes que isso é um erro.
Aceitai isso, antes de
mais nada, e após termos apresentado uma refutação preliminar de alguns
conceitos falsos, continuaremos apresentando todo nosso sistema religioso.
» CAPÍTULO XVI
Juntamente como outros,
estais na ilusão de que nosso Deus é uma cabeça de asno. Cornélio Tácito foi o
primeiro a divulgar tal noção entre o povo. No 5o livro de sua História, começa
a narrativa da guerra judaica com um relato da origem da nação, teorizando a
seu bel prazer sobre essa origem, tanto quanto sobre o nome e sobre a religião
dos judeus. Declara que tendo sido libertados ou ainda, em sua opinião,
expulsos do Egito, cruzando as vastas planícies da Arábia, onde a água era
escassa, os judeus enfrentaram a sede extrema, mas, tomando por guia asnos
selvagens que, imaginavam, podiam estar procurando água depois de se
alimentarem, descobriram uma fonte. Desde então, em sua gratidão, passaram a
sacralizar a cabeça de um animal dessa espécie.
Como a cristandade está
aliada ao judaísmo, por isto, suponho, aceitastes gratuitamente que nós também
éramos devotos adoradores da mesma imagem. Mas o citado Cornélio Tácito (em
completa oposição ao significado de seu nome - ficar calado e não contar
mentiras), informa, na obra já mencionada, que quando Cneio Pompeu capturou
Jerusalém, penetrou no templo para ver os segredos da religião dos judeus, mas
não encontrou nenhuma imagem ali. Contudo, certamente, se adoração era rendida
a algum objeto visível, o lugar exato de sua exibição deveria ser no santuário.
Tudo o mais além da adoração, embora irracional, não se fazia necessário ali
para causar medo a crentes do exterior, pois que só aos sacerdotes era
permitido entrar no lugar sagrado, enquanto toda visão era impedida aos demais
por um cortinado cerrado.
Não podeis negar,
contudo, que todas as bestas de carga e não partes delas, mas animais inteiros,
são com sua deusa Epona objetos de vossa adoração. É isso, talvez, que vos
desagrada em nós, porque enquanto vossa adoração aqui é a todos, nós prestamos
homenagem somente ao asno.
Se alguns de vós
pensais que rendemos adoração supersticiosa à cruz, nessa adoração estais
compartilhando conosco. Se dais homenagem a uma peça de madeira, importa pouco
qual ela seja, porque a substância é a mesma: a forma é diferente, se nela
tendes, de fato, o corpo de Deus. Entretanto, quão diferente é do madeiro da
cruz Palas Atenas ou Ceres, quando levantadas para venda numa simples estaca
bruta, peça de madeira sem forma!? Cada estaca fixada em posição vertical é um
pedaço da cruz. Nós rendemos nossa adoração, se quereis assim, a um Deus
inteiro e completo.
Mostramos antes que
vossas divindades são feitas de formas modeladas na cruz. Mas vós também
cultuais as vitórias, porque em vossos troféus a cruz é o sustentáculo do
troféu. A religião dos acampamentos romanos é toda dirigida ao culto de
estandartes, uma coleção de estandartes acima de todos os deuses. Bem, aquelas
imagens mostradas nos estandartes são ornamentos de cruzes que as sustentam.
Todas aquelas coisas penduradas em vossos estandartes e bandeiras são vestes
das cruzes. Eu louvo vosso zelo: vós não prestais culto a cruzes desvestidas e
desornadas.
Outros, de novo,
certamente com mais informação e maior veracidade, acreditam que o sol é nosso
deus. Somos confundidos com os persas, talvez, embora não adoremos o astro do
dia pintado numa peça de linho, tendo-o sempre em sua própria órbita. A idéia ,
não há dúvidas, originou-se de nosso conhecido costume de nos virarmos para o
nascente em nossas preces. Mas, vós, muitos de vós, no propósito às vezes de
adorar os corpos celestes moveis vossos lábios em direção ao oriente.
Da mesma maneira, se
dedicamos o dia do sol (Domingo) para nossas celebrações, é por uma razão muito
diferente da dos adoradores do sol. Temos alguma semelhança convosco que
dedicais o dia de Saturno (Sábado) para repouso e prazer, embora também
estejais muito distantes dos costumes judeus, os quais certamente ignorais.
Mas, ultimamente a nova
versão de nosso Deus foi dada a conhecer ao mundo nessa grande cidade:
originou-se com um certo homem desprezível que tinha costume de se dedicar a
trapacear com feras selvagens, e que exibiu uma pintura com esta inscrição: O
Deus dos Cristãos nasceu de um asno. Ele tem orelhas de asno, tem casco num pé,
segura um livro e usa uma toga. Tanto o nome como a figura nos provoca risos.
Mas nossos inimigos
devem ter sido levados a logo prestar homenagem a essa divindade biforme,
porque eles conhecem deuses com cabeça de cachorro e de leões, com chifres de
bode e carneiro - como um corpo com pernas de dragão, com asas nas costas ou
patas. Tais coisas temos esclarecido exaustivamente, porque não podemos de boa
vontade deixar passar nenhum boato contra nós sem refutação.
Tendo explicado
exaustivamente sobre nós mesmos, voltamos agora a uma demonstração de como é
realmente nossa religião.
» CAPÍTULO XVII
O objeto de nossa
adoração é um Único Deus que, por sua palavra de ordem, sua sabedoria
ordenadora, seu poder Todo-Poderoso, tirou do nada toda a matéria de nosso
mundo, com sua lista de todos os elementos, corpos e espíritos, para glória de
Sua majestade. A essa criação, por tal razão, também os gregos lhe deram o nome
de Cosmos.
Os olhos não podem
vê-Lo, embora seja (espiritualmente) visível. Ele é incompreensível, embora
tenha se manifestado pela graça. Está além de nosso mais elevado entendimento,
embora nossas faculdades humanas o concebam. Ele é, portanto, igualmente real e
magnífico. Mas o que, pelo senso comum, pode ser visto, percebido e concebido,
é inferior ao que Ele é, ao que d'Ele se percebe, ao que d'Ele as faculdades
vislumbram.
Mas o que é infinito é
conhecido somente por Ele mesmo. Assim, damos alguma noção de Deus, enquanto,
contudo, ele permanece além de todas as nossas concepções - nossa real
incapacidade de completamente compreendê-Lo permite-nos ter a idéia do que Ele
realmente seja. Ele se apresentou ao nosso conhecimento em sua transcendental
grandeza, sendo conhecido e sendo desconhecido.
E tal coisa é a suma
culpa dos homens, porque eles não querem reconhecer o Único a quem não podem
ignorar. Poderíeis ter a prova pelas obras de Suas mãos, tão numerosas e tão
grandes, que igualmente vos contém e vos sustentam, que proporciona tanto vosso
prazer quanto vos comove com temor. Ou poderíeis melhor senti-lo pelo
testemunho de vossa própria alma?
Embora sob o opressivo
cativeiro do corpo, embora transviada por costumes depravados, embora
enfraquecida pela concupiscência e paixões, embora na servidão de deuses
falsos, contudo, quando a alma O procura, libertando-se do tédio e do torpor,
movida por uma doença, e consegue um pouco de sua pureza natural, ela fala de
Deus, não usando nenhum outro nome, porque este é o nome próprio do verdadeiro
Deus. "Deus é imenso e bom", "Que possa Deus dar", são as
palavras que brotam de cada boca. Dão testemunho d'Ele, também, quando
exclamam: "Deus vê", "Eu me recomendo a Deus" e "Deus me
recompensará".
Ó nobre testemunho da
alma, por natureza cristã! Então, igualmente, usando palavras semelhantes a
essas, a pessoa olha não para o Capitólio mas para os céus. Ela sabe que ali
está o trono do Deus vivo, como se d'Ele e dali tudo proviesse.
» CAPÍTULO XVIII
Mas, porque podemos
alcançar um maior e mais autorizado conhecimento tanto d'Ele mesmo quanto de
Seus apelos e desejos, Deus acrescentou uma revelação escrita para o proveito
de todos aqueles cujos corações se colocam à sua procura, que procurando podem
encontrá-lO e encontrando acreditar e acreditando obedecer-Lhe.
Porque primeiro Ele
mandou mensageiros ao mundo - homens cuja pura retidão os tornaram dignos de
conhecer o Altíssimo e de revelá-Lo - homens abundamtemente iluminados pelo
Santo Espírito, que alto proclamaram que há um só Deus que fez todas as coisas,
que formou o homem do pó da terra. Ele é o verdadeiro Prometeu que ordenou o
mundo, estabelecendo as estações em seu curso.
Aqueles homens mais
provas ainda nos deram. Deus mostrou Sua majestade em seus juízos, por inundações
e fogo, nos mandamentos indicados por Ele para se obter seu favor, assim como a
retribuição guardada para quem os ignora, os renega ou os guarda, pois que
quando chegar o fim de todas as coisas, julgará seus adoradores para a vida
eterna e os culpados para a mansão do fogo eterno e inextinguível,
ressuscitando todos os mortos desde o início dos tempos, reformando-os e
renovando-os com o objetivo de premiá-los ou castigá-los.
Um dia, tais coisas
foram para nós, também, tema de ridículo. Nós somos de vossa geração e
natureza: os homens se tornam, não nascem cristãos! Os pregadores dos quais
temos vos falado são chamados profetas, por causa do ofício que lhes pertence
de predizer o que virá. Por sua palavras, tanto quanto pelos milagres que
fizeram, esses homens podem merecer fé em sua autoridade divina.
Conservamos, ainda, em
tesouros literários que permanecem disponíveis a todos, o que eles
transmitiram. Ptolomeu, dito Filadelfo, o mais letrado de sua raça, uma homem
de vasto conhecimento em toda a literatura, que se iguala, acho, pelo seu amor
aos livros, com Pisístrato, entre outros, sobreviveu aos tempos, e, seja por
sua antigüidade, seja por seu peculiar interesse, se tornou famoso. Esse
Ptolomeu, por sugestão de Demétrio de Falero, que foi reconhecido superior a
todos os gramáticos de seu tempo, lhe entregou a tarefa de tratar do assunto
relacionado aos escritos dos judeus. Isto é, aos característicos escritos dos
judeus e de sua língua, que somente eles falavam, como povo querido de Deus,
demonstrado isso na salvação de seus antepassados, povo do qual os profetas
sempre se provieram e ao qual sempre pregavam.
Nos tempos antigos, o
povo que chamamos judeus usavam o nome de hebreus e falavam o hebraico, língua
em que foram redigidos seus escritos. Mas como para o entendimento de seus
livros assim se fizesse necessário, os judeus pediram a Ptolomeu que lhe
deixassem indicar setenta e dois tradutores, homens que o filósofo Menedemos,
reconhecido como indicado por uma Providência, aceitou com respeito, já que
compartilhava de seus pontos de vista.
A mesma história é
contada por Aristos. Assim, o rei desvendou aquelas obras a todos, na língua
grega. Até nossos dias a biblioteca de Ptolomeu se encontra à disposição de
todos, no templo de Serápis, na qual estão também os originais idênticos
hebreus.
Os judeus, por sua vez,
lêem esses livros publicamente. Pagando uma taxa de liberação, têm o hábito de
ir ouvi-los todos os sábados. Quem quer que tenha ouvidos neles encontrará
Deus, quem quer que se aplica em entendê-los, será levado a crer.
» CAPÍTULO XIX
A grande antigüidade,
antes de tudo, dá autoridade àqueles escritos. Vossa religião, também, pede fé
baseada no mesmo fundamento. Sim, todas as substâncias, todos os materiais, as
origens, classes, conteúdos de vossos mais antigos escritos, além da maioria
das nações e cidades ilustres que recordam o passado e são notáveis por sua
antigüidade nos livros de anais, as próprias formas de vossas cartas, tudo que
revela e conserva os acontecimentos, e - penso que falo coerentemente - vossos
próprios deuses, vossos próprios tempos, oráculos e ritos sagrados são menos
antigos do que a palavra de um único profeta, no qual encontrareis o tesouro da
integral religião judia e, consequentemente, da nossa.
Caso tenhais ouvido
falar de um certo Moisés, digo-vos que ele é muitíssimo mais antigo do que o
argeu Ínaco, em aproximadamente quatrocentos anos. Ele é anterior a Dânaos,
vosso mais antigo nome. Antecedeu por um milênio a morte de Príamo. Posso
afirmar, também, que viveu quatrocentos anos antes de Homero, existindo
fundamentos para essa afirmação. Os outros profetas, também, embora de datas
posteriores, são, mesmo os mais recentes, tão antigos quanto o primeiro de
vossos filósofos, legisladores e historiadores.
Aqui faço apenas uma
afirmação, não apresentando as provas, não tanto porque isso é difícil, mas
devido à amplitude da apresentação de toda a fundamentação. O trabalho não
seria somente árduo, mas sobretudo tedioso. Requereria o apressado estudo de
muitos livros, os dedos ocupados em folheá-los.
As histórias das mais
antigas nações, tais como dos Egípcios, dos Caldeus, dos Fenícios teriam de ser
exploradas. Igualmente teriam de ser consultados para apresentarem seus
testemunhos homens dessas várias nações, com suas informações. Mâneto, o
Egípcio, Beroso, o Caldeu, e Hierão, o Fenício, rei de Tiro, assim como seus
sucessores, Ptolemeu o Mendesiano, Demétrio de Falero, O Rei Juba, Apião,
Thallo, e o crítico de todos eles, Josefo, da própria nação judia, o
pesquisador da história antiga de seu povo, que os confirma ou os refuta.
Igualmente, deveriam
ser postas lado a lado as listas dos censores gregos, e esclarecidas as datas
dos acontecimentos, para que as conexões cronológicas pudessem ser feitas, bem
como usadas as narrativas dos vários anais para lançar mais luz sobre o
assunto. Deveríamos seguir aprofundando as histórias e literaturas de todas as
nações. Mas, de fato, já vos trouxemos a prova parcial, fornecendo-vos as
sugestões de como o estudo poderia ser realizado.
Parece-nos melhor
deixarmos para outra ocasião a discussão disso tudo, com receio de que em nossa
pressa não possamos aprofundá-lo suficientemente, ou de que no manuseio disso
tudo façamos uma digressão demasiadamente extensa.
» CAPÍTULO XX
Para concluir nossa
digressão, transmitimo-vos isto de maior importância. Apontamo-vos o poder de
nossas Escrituras, se não por sua antigüidade, no caso de duvidardes que sejam
tão antigas como dizemos, pela prova que damos de que são divinas. Assim,
podereis vos convencer disso de uma vez por todas, sem que nos estendamos mais.
Vossos mestres, o
mundo, a antigüidade e os acontecimentos estão todos à vossa vista. Tudo aquilo
que vos cerca, estou na vossa dianteira anunciando. Tudo o que vos cerca e
agora vedes foi previamente anunciado. Tudo o que agora vedes já foi
anteriormente predito aos ouvintes humanos. A destruição de cidades da terra, a
submersão de ilhas pelos mares, guerras que trouxeram convulsões internas e
externas, o embate de reinos contra reinos, as epidemias de fome e de pestes,
os massacres em certos lugares, as desolações disseminadas das mortalidades, a
exaltação dos pobres e humildes sobre os orgulhosos, a decadência da
honestidade, a disseminação do pecado, os instrumentos da ambição deslavrada
dos bens, as próprias estações e atividades elementares naturais escapando a
seus normais cursos, monstros e prodígios tomando o lugar de formas naturais -
isso tudo foi previsto e predito antes que acontecesse. Enquanto sofremos as
calamidades, estamos lendo sobre elas nas Escrituras. Se verificarmos, elas
estão sendo confirmadas.
Sim, a verdade de uma
profecia, julgo, é a demonstração de seu acontecimento posterior. Daí termos
entre nós uma fé confirmada a respeito do eventos que vêm como coisas já
confirmadas, porque foram preditas e igualmente cumpridas em nosso dia a dia.
Elas foram proferidas pelas mesmas vozes, escritas nos mesmos livros - o mesmo
Espírito as inspirou.
Constantemente há
alguém predizendo os acontecimentos futuros. O tempo é um só para a profecia
que prediz o futuro. Entre os homens, talvez, há uma distinção dos tempos, já
que o seu cumprimento vem depois. Sendo eventos do futuro, nós os consideramos
como presentes e, então, quando se fazem presentes, nós os consideramos como
pertencendo ao passado. Como podemos ser censurados, dizei-nos, porque
acreditamos nas coisas que virão como se já tivessem acontecido, com essas
provas para nossa fé nesses dois instantes.
» CAPÍTULO XXI
Agora, tendo confirmado
que nossa religião está fundamentada nas escrituras dos hebreus, as mais
antigas que existem, embora seja corrente e nós admitimos inteiramente que
nossa religião date de um período comparativamente recente - não anterior ao
reino de Tibério, talvez, devamos levantar a questão de suas bases, para não
parecer que ocultamos sua origem sob a sombra de uma ilustre religião, a qual
possui, sob todos os aspectos, indubitavelmente, a aceitação da lei.
Igualmente, além da
questão da idade, não concordamos com os judeus em suas particularidades com
respeito à alimentação, aos dias sagrados, nem mesmo no seu bem conhecido sinal
da circuncisão, nem no uso de um nome comum, o que, certamente, seria o caso,
já que prestamos homenagem ao mesmo Deus.
Igualmente, o povo
comum tem algum conhecimento sobre Cristo, mas não o considera senão um homem,
alguém que, de fato, os judeus condenaram, de modo que muitos naturalmente
imaginaram que somos adoradores de um simples ser humano.
Mas não estamos nem envergonhados
de Cristo - porque nos alegramos de sermos contados entre seus discípulos e de
sofrermos por seu nome - nem divergimos dos judeus com relação a Deus.
Faremos, portanto, uma
observação ou duas quanto à divindade de Cristo. Nos tempos antigos os judeus
muito gozaram do favor de Deus, quando os predecessores de sua raça se
notabilizaram por sua honestidade e fé. Assim foi que floresceram muitíssimo
como um povo e seu reino atingiu uma eminência sublime. Tão abençoados eram que
para sua instrução Deus lhes falou através de especiais revelações,
indicando-lhes antes de tudo como deviam se fazer merecedores de Seu favor e de
como evitar Seu desagrado.
Mas, caíram
profundamente no pecado, se ensoberbeceram na sua fé com a falsa confiança em
seus nobres ancestrais, desviando-se do caminho de Deus para um caminho de
transviada impiedade, e embora eles se neguem a reconhecer isso, sua ruína
nacional atual poderia ser prova suficiente do ocorrido.
Dispersos mundo afora,
como uma raça de errantes, exilados de sua própria terra e clima, vagam por
todo o mundo sem um rei humano ou divino, não possuindo nem mesmo o direito que
têm os estrangeiros de andarem em seu país nativo.
Os escritores sagrados,
contudo, lhes tinham advertido previamente dessas coisas, todos com igual
clareza, e até declararam que, nos últimos dias do mundo, Deus, de todas as
nações, povos e países, escolheria Seus próprios e mais fiéis adoradores, aos
quais conferiria Sua graça. Faria isso mais amplamente, preservando-os com o
poder de uma concessão mais sublime.
Fielmente, Ele apareceu
entre nós, conforme fora previamente anunciado, para renovar e iluminar a
natureza humana. Refiro-me a Cristo, o Filho de Deus. E assim o Senhor supremo,
o Ministrador dessa graça e modo de vida, o Iluminador e Mestre da raça humana,
Filho do próprio Deus, se fez anunciar como tendo nascido entre nós. Nascido,
porém, de forma a não se envergonhar do nome de Filho ou de Sua origem paterna.
Não foi seu destino
provir de Seu pai através de incesto com uma irmã, ou de violação de uma filha
ou da esposa de outro, um deus na forma de serpente, ou de boi, ou de pássaro,
ou de um amante, de modo que sua baixeza o transformasse no ouro de Dânaos.
Assim são vossas divindades sobre as quais recaíram tais crimes de Júpiter.
Mas o Filho de Deus não
teve mãe que, em nenhum sentido, fosse envolvida em impureza. Aquela que os
homens têm por Sua mãe, pelo contrário, nunca teve relacionamento nupcial. Mas,
primeiro, falarei sobre Sua natureza essencial e, então, a natureza de Seu
nascimento poderá ser compreendida.
Já afirmamos que Deus
fez o mundo e tudo o que ele contem, por Sua Palavra, Razão e Poder. É
plenamente aceito que vossos filósofos também têm em vista o Logos - isto é, a
Palavra e a Razão - como o Criador do universo. Zenão explicou que ele é o
criador, tendo feito todas as coisas de acordo com determinado plano, que seu
nome é o Destino, e Deus, e a alma de Júpiter, e a necessidade de todas as
coisas. Cleanto atribui tudo isso ao espírito que, segundo afirma, pervade o
universo.
E nós, de maneira
semelhante, afirmamos que a Palavra, a Razão e o Poder, com as quais
denominamos Deus tudo criou, é espírito com sua substância própria e essencial,
da qual a Palavra provem como expressão, e a razão habita para dispor e
arranjar, e o poder se sobressai para executar.
Aprendemos que a
Palavra procede de Deus, e nessa processão Ela é gerada, de modo que Ela é o
Filho de Deus, e é Deus, em unidade e em mesma substância com Deus. Em Deus,
igualmente, há um Espírito.
Mesmo quando o raio é
lançado do sol, é ainda parte da massa que o gerou. O sol ainda está no raio,
porque é um raio do sol. Não há divisão de substância mas simplesmente uma
extensão. Assim Cristo é Espírito do Espírito, Deus de Deus, Luz da Luz. O
material matriz permanece inteiro e não diminuído, embora dele derive qualquer
número de raios, possuindo suas qualidades.
Assim, também, Aquele
que provem de Deus é por sua vez Deus e Filho de Deus, e os dois são um só.
Dessa maneira, como Ele é Espírito do Espírito, Deus de Deus, Ele é gerado como
segundo no modo de existência - na posição, não na natureza. Ele não é criado
pela fonte original, mas dela foi gerado.
Este raio de Deus,
então, como foi sempre previsto nos tempos antigos, desceu sobre uma virgem, e
se fez carne em seu ventre; é em Seu nascimento juntamente Deus e homem. A
carne informada pelo Espírito é alimentada, cresce até tornar-se adulto, fala,
prega, trabalha - é o Cristo.
Acolha, por enquanto,
esta fábula se assim quiserdes chamá-la. É uma concepção vossa, enquanto
continuaremos a mostrar como a reivindicação de Cristo foi provada, e como as
versões de vosso conhecimento pelas quais tais fábulas foram apresentadas para
destruir a verdade, se assemelham.
Os judeus, também,
estiveram preocupados de que Cristo tivesse vindo, eles aos quais os profetas
falaram. Mas não, ainda agora Seu advento continua sendo esperado por eles. Não
há nenhuma dissensão entre eles e nós, senão que eles acreditam que o advento
ainda não aconteceu. Pois duas vindas de Cristo nos foram reveladas: a primeira
que já se cumpriu na baixeza do destino humano, uma segunda que pende sobre o
mundo, agora perto de seu fim, com toda a majestade da Divindade desvelada.
Por interpretarem mal a
primeira vinda, os judeus concluíram que a segunda - objeto de predição mais
manifesta, e na qual colocam suas esperanças - seria a única. Isto foi o
castigo devido a seus pecados - não compreenderem a primeira vinda do Senhor -
porque eles a tiveram, mas nela não quiseram acreditar. Se tivessem acreditado,
poderiam ter obtido salvação.
Eles próprios leram o
que foi escrito a seu respeito - que estão privados da sabedoria e do
entendimento - do uso de seus olhos e de seus ouvidos. Assim, então, sob a
força de sua rejeição se convenceram a si próprios desse seu baixo
procedimento: que Cristo não foi mais do que um homem, seguindo-se, como
conseqüência necessária, que tivessem Cristo na conta de mágico, devido aos
Seus poderes que demonstrou - expulsando demônios dos homens por sua palavra,
restaurando a visão aos cegos, limpando os leprosos, curando os paralíticos,
trazendo de novo à vida quem já estava morto, fazendo com que os próprios
elementos da natureza o obedecessem, amainando as tempestades e andando por
sobre o mar, provando que era o Logos de Deus, aquela primordial Palavra de
todo o sempre gerada, acompanhada pelo Poder e Razão e vinda pelo Espírito -
Aquele que agora faz todas as coisas pelo poder de sua Palavra e Aquele que fez
que do anterior proviesse um e o mesmo.
Mas os judeus ficaram
tão exasperados com seus ensinamentos, pelos quais seus governantes e chefes se
convenceram da verdade, principalmente porque muitíssimos O seguiram, que, por
último, O levaram ante Pôncio Pilatos, naquele tempo governador da Síria.
Então, pela violência de seus gritos contra Ele, obtiveram uma sentença
entregando-lhes Cristo para ser crucificado. O próprio Cristo havia predito
tudo isso, o que teria pouco sentido se não tivessem os profetas antigos dito a
mesma coisa.
E, no entanto, pregado
na cruz, Cristo manifestou muitas maravilhas admiráveis pelas quais Sua morte
foi diferente de todas as outras. Por Sua livre vontade, com uma palavra fez
entrega de seu Espírito, antecipando o trabalho dos carrascos. Na mesma hora,
também, a luz do dia feneceu, enquanto o sol naquele momento, exatamente,
estava fulgurando no seu meridiano. Aqueles que não estavam cientes de que isso
tinha sido predito sobre Cristo, pensaram, sem dúvidas, que era um eclipse. Vós
mesmos tendes ainda registro em vossos arquivos desse fenômeno da natureza.
Quando seu corpo foi
descido da cruz e colocado numa sepultura, os judeus em seu ansioso cuidado
cercaram-na com uma grande guarda militar, uma vez que Cristo havia predito Sua
ressurreição da morte no terceiro dia. Seus discípulos poderiam secretamente
retirar seu corpo e, assim, enganar os incrédulos. Mas, no terceiro dia houve
um repentino abalo de terremoto e a pedra que selava a sepultura rolou de seu
lugar. Os guardas fugiram com medo. Não havendo nenhum discípulo por perto, a
sepultura foi encontrada totalmente vazia exceto pelo sudário daquele que fora
ali sepultado.
Mas, assim mesmo, os
chefes dos judeus, a quem de perto interessava espalhar uma mentira e, por suas
crenças, conservar o povo sob tributos e submissão, disseram que o corpo de
Cristo tinha sido roubado pelos discípulos de Cristo. Quanto ao Senhor, vede,
não apareceu à vista do público, para que os culpados não se livrassem de seus
erros, porque a fé, também, merecedora de uma grande recompensa, se fundamenta
na dificuldade. Mas Ele ficou quarenta dias com muitos de Seus discípulos, na
Galiléia, uma região da Judéia, instruindo-os nas doutrinas que deveriam
ensinar aos outros.
Depois disso, tendo
lhes dado o encargo de pregarem a boa nova em todo o mundo, Ele foi cercado por
uma nuvem e subiu aos céus - um acontecimento muitíssimo mais certo do que as
afirmações de vossos procônsules a respeito de Rômulo.
Todas essas coisas
Pilatos fez a Cristo, e agora, realmente, os cristãos têm suas próprias
convicções. Pilatos escreveu sobre Cristo ao Imperador reinante que era, na
época, Tibério. Sim, e os Imperadores também teriam acreditado em Cristo, caso
os Imperadores não tivessem sido necessários ao mundo, ou se os cristãos
pudessem se tornar Imperadores.
Seus discípulos,
espalhando-se pelo mundo afora, fizeram o que Seu Divino Mestre dissera, e após
sofrerem muito, eles próprios, com as perseguições dos judeus, com generosidade
de coração, mantendo a fé na verdade, por último, semearam pela cruel espada de
Nero, com sangue cristão, a sede de Roma.
Sim, provarei que mesmo
vossos próprios deuses são testemunhas efetivas em favor de Cristo. Seria de
grande importância, para colocardes vossa fé nos cristãos, se eu pudesse vos
demonstrar a autoridade dos próprios seres por conta dos quais recusais
dar-lhes créditos.
Eis que vos desvendamos
a fé em que nos fundamentamos. Expusemos a origem e o nome de nossa seita, com
esse relato do Fundador do Cristianismo. Que ninguém, doravante, nos acuse com
infame maldade, que ninguém pense que algo seja diferente do que apresentamos,
para que ninguém possa fazer um falso conceito dessa religião.
Pois se alguém adora um
outro Deus, diferentemente do que diz, se torna culpado de negar o objeto de
sua adoração, transfere sua adoração e homenagem a outro, e nessa transferência
deixa de adorar o Deus que a repudia.
Afirmamos, clamamos
diante de todos os homens, e dilacerados, sangrando debaixo de vossas torturas,
gritamos: "Nós adoramos Deus por Cristo." Tende Cristo como um homem,
se assim vos agrada. Por Ele e n' Ele Deus desejaria ser conhecido e adorado.
Se os judeus objetam a
isso, respondemos que Moisés, que não foi senão um homem, foi quem lhes ensinou
sua religião. Contra os gregos argüimos que Orfeu em Piéria, as Musas em
Atenas, Melampo em Argos, Trofônio na Beócia, impuseram seus ritos religiosos.
Respondendo a vós próprios que costumais oscilar entre as nações, foi um homem,
Numa Pompílio, que impôs aos romanos um pesado fardo de custosas superstições.
Certamente Cristo,
então, tem direito de revelar a Divindade que era, de fato, Sua própria
essencial possessão, não com o objetivo de manipular ignorantes e selvagens com
o temor de uma multidão de deuses, cujos favores deveriam resultar numa
civilização, como foi o caso com Numa, mas como alguém que gostava de iluminar
os homens já civilizados e sob ilusões de sua própria cultura, para que eles
pudessem conhecer a verdade.
Pesquisai, pois, e vede
se a divindade de Cristo é verdadeira. Se é de tal natureza que o seu acolhimento
transforma o homem e o faz melhor, implicando isso no dever de renunciar como
falso o que se lhe opõe. Especialmente se oculta ele próprio, sob o nome e a
imagem da morte, seus esforços para convencer os homens de sua divindade,
através de sinais especiais, milagres e predições.
» CAPÍTULO XXII
Também afirmamos, com
certeza, a existência de certos seres espirituais, cujos nomes não vos são
desconhecidos. Os filósofos admitem que existem demônios. O próprio Sócrates
esperou pela vontade de um demônio. Por que não? Uma vez que se diz que um
espírito mau estava especialmente ao seu lado desde sua juventude - que, sem
dúvidas, desviava sua mente do que era bom. Todos os poetas estão, também, de
acordo com a existência dos demônios.
Mesmo o povo comum,
ignorante, costuma chamá-los quando praguejam. De fato, o povo chama por
Satanás, o líder dos demônios, em suas execrações, como se dele tivesse um
conhecimento instintivo. Platão admite a existência de anjos. Os que praticam a
magia, se apresentam como testemunhas da existência de ambas as espécies de
espíritos.
Somos instruídos,
ainda, por nossos livros sagrados, de como certos anjos, que se degradaram por
sua própria liberdade, originaram uma família de anjos maus, condenados por
Deus juntamente com os promotores dessa degradação. A tal líder, acima já nos
referimos. Isso seria suficiente para o momento, contudo, temos alguns relatos
de suas obras. A grande tarefa deles é levar à ruína os homens de boa vontade.
Assim, por sua própria maldade espiritual procuram nossa destruição.
Nesse sentido, infligem
males a nossos corpos e outras calamidades mortais, quando com violentos
ataques impelem a alma a repentinos e enormes excessos. Sua prodigiosa sutileza
e espiritualidade lhes dão acesso a ambas as partes de nossa natureza. Como
espíritos, não podem nos ferir; e porque, invisíveis e intangíveis, não tomamos
conhecimento de suas ações exceto por seus efeitos, assim como quando algum
desconhecido veneno na brisa arruina as maçãs e os grãos quando ainda em
floração, ou os matam no botão, ou os destroem quando alcançam a maturidade,
como se fosse por uma atmosfera corrompida por meios desconhecidos, espalhando
por toda a parte suas exalações pestilenciais.
De semelhante modo,
também, por uma influência igualmente obscura, os demônios sopram dentro das
almas e as incitam à corrupções com paixões furiosas e excessos vis, ou com
cruéis concupiscências, acompanhadas de vários erros, dos quais o pior é aquele
empenho pelos quais tais espíritos se dedicam a enganar e iludir os seres
humanos para obterem seu próprio alimento de carne, vapores e sangue que são
oferecidos às imagens dos ídolos.
Que alimento mais
perverso para o espírito do mal do que afastar as mentes humanas do verdadeiro
Deus com as ilusões de sua falsa divindade?
Aqui vos exponho como
tais ilusões são realizadas. Esses espíritos possuem asas. Essa é uma
propriedade comum tanto aos anjos como aos demônios. Assim, eles estão em todo
lugar, a cada momento; o mundo todo é um único lugar para eles. Tudo o que é
feito no espaço do mundo, para eles se torna fácil tanto de conhecer como de
relatar. Sua sutileza de movimento é tomada como coisa divina, porque sua
natureza é desconhecida. Assim eles são tidos, muitas vezes, como autores de
coisas que então proclamam. Muitas vezes, não há dúvida, as coisas ruins são de
sua autoria, nunca o bem.
Os propósitos de Deus,
igualmente, eles souberam pelos pronunciamentos dos profetas, logo que eles os
faziam. Eles os espionam ainda através de suas obras, quando os ouvem ler em
voz alta. Então, obtendo por essa fonte algumas afirmações sobre o futuro, se
posicionam como próprios rivais do Deus verdadeiro, enquanto se apropriam do
conhecimento divino. Vossos Creso e Pirro bem conhecem a habilidade com as
quais suas respostas parecem prever os acontecimentos. É assim que explicamos
porque Píton estava apto a declarar que eles estavam cozinhando uma tartaruga
com a carne de um cordeiro. Num segundo, ele estava na Lídia.
Porque moram nos ares e
por causa de sua proximidade das estrelas e suas comunicações com as nuvens,
eles têm meios de saber os processos preparatórios que ascendem a essas
elevadas regiões e, assim, podem prometer as chuvas, das quais já tinham
conhecimento. Muito hábeis, também, não há dúvidas, são com respeito a curar as
doenças. Primeiramente, eles vos fazem adoecer. Depois, para demonstrar um
milagre, ordenam a aplicação de remédios seja um remédio novo, seja um
inabitual, e rapidamente retirando sua influência mal-sã, se tornam conhecidos
como realizadores de uma cura.
Que necessidade, então,
de falar de seus outros artifícios ou poderes ilusórios que possuem como
espíritos, como daquelas aparições de Castor, da água carregada numa peneira,
de um navio que ultrapassa uma barreira, da barba irritada por um toque, tudo
feito com o propósito de mostrar que os homens deveriam acreditar na divindade
de pedras, e não procurar o único Deus verdadeiro?
» CAPÍTULO XXIII
Ainda mais, se
feiticeiras invocam espíritos, e mesmo fazem que apareçam as almas dos mortos,
se matam crianças com o propósito de obterem uma resposta dos oráculos, se com
suas ilusões de prestidigitação têm a pretensão de fazerem vários milagres, se
iludem com sonhos a cabeça do povo pelo poder de demônios, cuja ajuda pediram,
por cuja influência, igualmente, cabras e mesas se tornam algo divino - quanto
mais não é este poder do mal zeloso em fazer com todas as suas capacidades, a
favor de seu próprio propósito, e por seus próprios meios, o que serve aos
objetivos de outros!
Ora se anjos e demônios
fazem exatamente o que vossos deuses fazem, onde nesse caso está a preeminência
da divindade, a quem devemos considerar estar acima de todos em poder? Não
seria, então, mais razoável afirmar que esses espíritos se fazem de deuses,
apresentando como apresentam, provas reais que exaltam vossos deuses, do que
afirmar que os deuses são iguais aos anjos e demônios? Fazeis uma distinção de
lugares, suponho, olhando como deuses em seus templo aqueles cuja divindade não
reconheceis de modo algum. E observe-se a loucura de considerar como diferentes
um homem que sai dos templos sagrados e um outro que sai do templo ao lado. E
de se considerar sob domínio de um furor diferente aquele que corta seus braços
e intimidades e aquele que corta sua garganta. O resultado da loucura é o mesmo
e a forma de instigação também.
Mas há tempo estamos
argumentando somente com palavras. Agora trataremos de apresentar provas dos
fatos, pelas quais mostraremos que sob diferentes nomes tendes uma mesma e real
identidade. Leve-se uma pessoa que está inquestionavelmente sob possessão
demoníaca, ante vossos tribunais. O espírito mau ordenado a falar por um
seguidor de Cristo prontamente fará a confissão verdadeira de que ele é um demônio,
assim como, de outro modo, ele falsamente afirmará que é uma divindade. Ou, se
quereis assim, que a pessoa seja possuída por uma divindade, como supondes que
seja, a qual aspirando junto ao altar recebeu a divindade pelos vapores, quando
estava em ânsias de vômito, em espasmos de respiração.
Vede se a própria
Celeste, a prometera de chuva, que Esculápio descobridor de remédios pronto a
prolongar a vida de Socórdio, Tanácio e Asclepiódolo, agora no além, se eles
não confessariam, perante o sangue derramado do mais indigno seguidor de
Cristo, em seu medo de mentir a um cristão, que são demônios. O que seria mais
evidente do que uma tal comprovação? O que mais verdadeiro do que tal prova? A
simplicidade da verdade será então comprovada. Sua própria dignidade a
sustentará. Não haverá mais lugar para a mínima suspeita. Direis que isso será
feito por mágica, ou por algum truque - mas de que sorte?
Não podereis dizer nada
disso, se vos permitirdes o uso de vossos ouvidos e olhos. Que argumento
podereis levantar contra uma coisa que é exibida aos olhos em sua realidade
nua? Se, por outro lado, eles são realmente deuses, porque pretendem ser
demônios? É por medo de nós? Nesse caso, vossa divindade está sob sujeição dos
cristãos, e certamente nunca podeis chamar de divindade àquela que está sob a
autoridade do homem e de seu próprios inimigos (mesmo levando em conta a
desgraça da possessão).
Se, por outro lado,
eles são demônios ou anjos maus, por que sem provas para isso, ousam se
promoverem agindo com as prerrogativas dos deuses? E como seres que se promovem
como divindades, não poderiam nunca de boa vontade se confessarem demônios, se
fossem de fato divindades, porque não poderiam abdicar de sua dignidade. Esses
que sabeis ser não mais do que demônios, não ousariam agir como deuses, se
aqueles de cujos nomes se apropriam, usando-os, fossem realmente divinos. Pois
que não ousariam tratar com desrespeito a majestade suprema dos seres divinos,
cujo desagrado lhes seria temível.
Assim, essas vossas
divindades não são divindades, porque se fossem não iriam querer passar por
demônios, e não iriam querer ver negada sua divindade. Mas desde que de ambas
as partes há um conhecimento concorrente de que não são deuses, resta
concluirmos que não formam senão uma única família, ou seja, a família dos
demônios, a raça verdadeira de uns e outros.
Procurai, então,
doravante, deuses, pois que constatastes serem espíritos do mal aqueles que
tínheis imaginado serem deuses.
A verdade é, então,
como demonstramos de nosso próprio Deus, porque nem ele mesmo nem nenhum outro
reivindica sua divindade. Igualmente, podereis ver, então, de uma vez por todas
quem é realmente Deus, e se Ele é Aquele Único a quem nós cristãos servimos. E,
também, se estais dispostos a acreditar n'Ele e a adorá-Lo, como o fazemos em
nossa fé e disciplina cristãs.
Mas, então, dirão: Quem
é este Cristo com suas fábulas? É um homem comum? É um feiticeiro? Foi seu
corpo roubado por seus discípulos de seu túmulo? Está agora nos reinos
inferiores? Ou antes não está nos céus, de onde virá de novo, fazendo todo
mundo tremer, enchendo a terra com mortais clamores, fazendo todos, exceto os
cristãos, se lamentarem - como o Poder de Deus, o Espírito de Deus, a Palavra,
a Razão, a Sabedoria, como o Filho de Deus?
Zombai como gostais de
fazer, mas juntai-vos aos demônios, se assim quereis, em vossas zombarias. Que
eles neguem que Cristo virá para julgar cada alma humana que já existiu desde o
início do mundo, revestindo-os dos corpos deixados por ocasião da morte. Que
eles declarem isso, digo, ante vosso tribunal, porque este poder tem sido
atribuído a Minos e Radamanto, como Platão e os poetas afirmam. Que eles
afastem de si pelo menos a marca da ignomínia e da condenação.
Eles discordam de que
sejam espíritos impuros. Contudo temos isso como indubitavelmente provado por
seu gosto pelo sangue, pelos vapores e carcassas fétidas de animais
sacrificados, e mesmo pela linguagem vil de seus ministros. Que eles neguem
isso, porque por sua maldade já condenada, estão livres, de fato, daquele dia
do julgamento, com todos os seus adoradores e todas as suas obras.
Porque toda a
autoridade e poder que temos sobre eles vem do nome de Cristo, nossa
denominação, relembrando-lhes as desgraças com as quais Deus os ameaça pelas
mãos de Cristo como Juiz, e com as quais os cristãos esperam um dia
surpreendê-los. Temendo Cristo em Deus, e Deus em Cristo, os cristãos se tornam
submissos servos de Deus e Cristo.
Assim, ao nosso toque e
sopro, esmagados pelo pensamento e realização daquele fogo do julgamento,
deixarão sob nosso comando seus corpos, contra a vontade e desamparados, diante
de vossos próprios olhos expostos à vergonha pública. Acreditais neles quando
eles mentem. Dai crédito a eles quando falam a verdade acerca deles mesmos.
Ninguém diz mentira para trazer desgraça sobre sua própria cabeça, mas antes
pela salvação da honra.
Estais mais prontos a
afirmardes algo ao povo, mesmo fazendo confissões contra as divindades, do que
a negardes algo em interesse do próprio povo. Não é coisa rara que esses
testemunhos de vossas divindades convertam os homens ao Cristianismo. Pois que
acreditando plenamente neles, ficamos livres para acreditar em Cristo.
Sim, vossos próprios
deuses põem fé em nossas Escrituras, eles fizeram crescer nossa esperança. Vós
também os honrais, como sabemos, com o sangue dos cristãos. Despropositadamente
perdem aqueles que lhes são tão úteis e tão temerosos deles, ansiosos mesmo que
vos resistam, e a não ser num dia ou outro consigais desbaratá-los - como se
sob o poder de um seguidor de Cristo que deseja vos provar a Verdade, lhes
fosse possível de algum modo mentirem.
» CAPÍTULO XXIV
A explanação inteira
desse assunto pelas quais se deduz que eles não são deuses, e que não existe
senão um Deus - o Deus que adoramos - é perfeitamente suficiente para nos
isentar do crime de traição, principalmente contra a religião romana. Pois, se
está claro que tais deuses não existem, não há religião, no caso. Se não existe
religião - porque esses deuses não existem - somos certamente inocentes de
qualquer ofensa contra a religião.
Em vez disso, a
responsabilidade recai sobre vós. Por adorardes uma mentira, sois de fato
culpados do crime de que nos acusais, não simplesmente porque recusais a
verdadeira religião do verdadeiro Deus, mas porque ousais perseguí-Lo. Mas,
concedendo que esses seres objetos de vossa adoração sejam realmente
divindades, não se deve reconhecer universalmente que há um Deus mais elevado e
mais poderoso, como ordenador principal do mundo, dotado de poder e majestade
absolutos?
De modo usual, se
atribui a Deus um poder imperial e supremo, enquanto suas tarefas são
distribuídas por muitas divindades, como Platão descreve a respeito do supremo
Júpiter habitando nos céus, cercado por uma organização de divindades e
demônios. Convém-nos, portanto, mostrar igual respeito aos procuradores,
prefeitos e governadores do Império divino. E por maior crime que alguém
cometa, quando, entre nós, uma transgressão capital está restrita à apelação da
mais alta autoridade, ninguém além de César, tal pessoa delega seus esforços e
suas esperanças a outro, com o objetivo de obter um maior favor do Imperador.
Ele não sai declarando que o apelo a Deus ou ao Imperador depende somente do
Supremo Senhor.
Que um homem adore
Deus, outro a Júpiter; que um levante as mãos suplicantes para os céus, outro
para o altar de Fides; outro (se tendes esse ponto de vista) faça sua prece às
nuvens, outro aos objetos do teto; que um consagre sua própria vida a seu Deus,
e outro a uma cabra. Por ver que não dais importante valor à acusação de
irreligião, proibindo a liberdade religiosa ou a escolha livre de uma
divindade, não sei como não posso adorar de acordo com minha inclinação, mas
sou obrigado a adorar contra ela. Nem também um ser humano gostaria de receber
homenagem prestada a contragosto, e assim os próprios egípcios receberam
permissão para o uso legal de sua ridícula superstição, liberdade para fazer de
pássaros e feras seus deuses, assim como para condenar à morte quem quer que
mate um deus dessa espécie.
Mesmo cada província e
cada cidade tem seu deus. A Síria tem Astartéia, a Arábia tem Dusares, os
Nórdicos têm Beleno, a África tem sua Celeste, a Mauritânia também suas
próprias dignidades. Eu falei, penso, das Províncias Romanas, e contudo não
falei que seus deuses são romanos. Pois que eles não são adorados em Roma,
tanto quanto outros que são listadas como divindades em toda a própria Itália
por consagração municipal, como Delventino de Cassino, Visidiano de Narnia,
Ancária de Áusculo, Nórcia de Orvieto, Valência de Ocrículo, Hóstia de Sátrio,
o Pai Curls de Falisco, em honra do qual, também, Juno recebeu seu sobrenome.
De fato, somente nós
somos proibidos de ter uma religião própria nossa. Ofendemos aos romanos, somos
excluídos de direitos e de privilégios dos romanos porque não adoramos os
deuses de Roma. Seria bom que houvesse um único Deus para todos, do qual todos
fôssemos adoradores, quiséssemos ou não. Mas com vossa liberalidade permitis
adorar qualquer deus exceto o verdadeiro Deus, como se Ele não fosse o Deus que
todos devessem adorar, ao qual todos pertencem.
» CAPÍTULO XXV
Eu penso que ofereci
prova suficiente sobre a questão da falsa e da verdadeira divindade, mostrando
que a prova está não simplesmente fundamentada em debate ou argumento, mas no
testemunho dos próprios seres em quem pondes a vossa fé, de modo que esse
assunto não precisa mais de discussão.
Contudo, tendo começado
a naturalmente falar dos romanos, não posso evitar a controvérsia que é
provocada pela divulgada afirmação daqueles que afirmam que, como uma
recompensa de sua singular homenagem à religião, os romanos progrediram a tais
alturas de poder que se tornaram senhores do mundo. E, portanto, são certamente
divinas os deuses que adoram, porque prosperam acima dos outros aqueles que
sobrepujam todos os outros na honra às divindades. Isso, certamente, é o preço
que os deuses pagaram aos romanos por sua devoção. O progresso do Império deve
ser atribuído a Estérculo, a Mutuno e Larentina.
Pois que dificilmente
poderia pensar que deuses estrangeiros estivessem dispostos a favorecer mais
uma raça estrangeira do que à sua própria, e entregar sua própria terra, na
qual nasceram, na qual se tornaram adultos, ficaram famosos, e, enfim, foram
enterrados, em benefício de invasores do outras plagas. Assim Cibele, se põe
suas afeições na cidade de Roma, como herdeira da progênie troiana salva dos
exércitos da Grécia, ela própria sendo, certamente, da raça troiana - como se
previsse sua transferência para o povo vingador pelo qual a Grécia,
conquistadora da Frígia, seria subjugada, e o preferisse mais do que a seu país
natal conquistado pela Grécia.
Por que, igualmente, em
nossos dias, a Mãe Magna (Cibele) deu uma notável prova de sua grandeza,
conferindo como que uma dádiva à cidade, quando, logo após a perda da estátua
de Marco Aurélio, em Sírmio, no dia 17 antes das Calendas de Abril, o mais
sagrado de seus sacerdotes havia oferecido, uma semana depois, libações impuras
de sangue retirado de seus próprios braços, e ordenado que preces usuais
deveriam ser feitas pela saúde do imperador, já morto.
Ó mensageiros tardios!
Ó correio dorminhoco! Por cuja falta Cibele não recebeu uma notícia atualizada
da morte imperial, para que os cristãos não tivessem oportunidade de
ridicularizar uma divindade tão indigna. Júpiter, de novo, nunca deveria ter
permitido que sua própria Creta caísse, de repente, diante das forças romanas,
esquecido totalmente daquele caverna amada e dos címbalos das festas de Cibele,
e do doce odor daquela que ali o amamentou.
Não queria Júpiter que
seu próprio túmulo fosse exaltado sobre o Capitólio inteiro, porque,
preferencialmente, a terra que cobriu suas cinzas poderia vir a ser a senhora
do mundo? Desejaria Juno a destruição da cidade Púnica, amada a ponto de
negligenciar Samos, e isso por uma nação primitiva? Sim, eu sei, "aqui
estavam seus exércitos, aqui estava sua carruagem, este reino, porque permitam
os fados, a deusa desejava e sonhava ser a senhora das nações". A malfadada
mulher e irmã de Júpiter não tinha poder para prevalecer contra os fados!
"Júpiter mesmo foi ajudado pelo fado". E contudo os romanos nunca
prestaram tal homenagem aos fados! Eles que lhes deram Cartago contra o
propósito e a vontade de Juno, assim como da abandonada meretriz Larentina.
É indubitável que senão
poucos de vossos deuses tiveram poder na terra como reis. Se, então, eles agora
possuem mais poder de agraciar um Império do que quando eles mesmos eram reis,
de quem receberam suas honras reais? A quem Júpiter e Saturno adoravam? A um
Estérculo, suponho. Mas, os romanos primitivos junto com os nativos adoraram
depois também a quem nunca tinha sido rei? Nesse caso, então, estavam sob o
reinado de outros, a quem nunca sujeitaram, já que não se elevaram à liderança
divina. Esta, então, pertencia a outros, que podiam presentear os reinos, já
que havia reis antes daqueles deuses terem tido seus nomes no rol das
divindades.
Mas que loucura agora é
atribuir a grandeza do nome romano aos méritos da religião, já que foi depois
que Roma se tornou um Império, ou, se quiserdes, um reinado, que a religião que
ela professa promoveu seu imenso progresso! É agora o caso? Foi sua religião a
fonte da prosperidade de Roma? Embora Numa Pompílio tenha estabelecido com
ardor observâncias supersticiosas, contudo a religião entre os romanos não
constava, contudo, de imagens ou templos. Era frugal em seus modos, seus ritos
eram simples, não havia capitólios ascendendo aos céus; mas os altares eram
improvisados de turfa, os vasos sagrados eram utensílios de barro do Sâmnio,
deles vinha o odor de rosa, e não se viam imagens de Deus.
Naquele tempo a
habilidade dos Gregos e Toscanos na confecção de imagens não tinha ainda
chegado à cidade com os produtos de sua arte. Os romanos, portanto, não foram
conhecidos por sua devoção aos deuses antes de terem alcançado a grandeza.
Assim, sua grandeza não foi resultado de sua religião. Como poderia a religião
tornar grande um povo que deveu sua grandeza à sua irreligião?
Pois que, se não estou
errado, reinos e impérios são adquiridos pelas guerras, e são ampliados por
vitórias. Mais do que isso, vós não podeis conquistar guerras e vitórias sem a
presa e muitas vezes a destruição de cidades.
Isto é uma calamidade
na qual os deuses têm sua parte de responsabilidade. Casas e templos sofreram,
por isso, igualmente. Há um indiscriminado morticínio de sacerdotes e cidadãos.
A mão da rapina se dirige igualmente ao tesouro sagrado e ao tesouro do povo.
Assim os sacrilégios dos romanos são tão numerosos como seus troféus. Eles se
vangloriam tanto de triunfos sobre os deuses como sobre as nações. Apropriam-se
tanto de despojos de batalha, como de imagens das divindades cativas.
Os pobres deuses se
submetem a ser adorados por seus inimigos, e ainda proporcionam um Império
ilimitado àqueles de cujas mãos receberam por retribuição mais injúrias do que
homenagem simulada. Mas as divindades inconscientes são desonradas impunemente,
exatamente como são em vão adoradas.
Certamente nunca podeis
acreditar que a devoção à religião fez evidentemente progredir a grandeza um
povo que, como disse, cresceu seja por injuriar a religião, seja ter uma
religião injuriada por seu crescimento.
Igualmente, aqueles
cujos reinos se tornaram parte desse grande todo que é o Império do Romano, não
eram sem religião, quando seus reinos lhes foram tomados.
» CAPÍTULO XXVI
Examinai e vede se Ele
não é o dispenseiro dos reinos, aquele que é simultaneamente o Senhor do mundo,
por quem é governado, e que governa os próprios homens; se Ele não fez as
mudanças de dinastias, com suas indicadas seqüências, que existiu antes de
todos os tempos e determinou no mundo uma continuidade de tempos. Se o
soerguimento e a queda dos países não são Sua obra, sob cuja soberania a raça
humana primitivamente existiu sem nenhuma país.
Como explicais que
incidis em tal erro? Porque a Roma de simplicidade rural dos tempos primitivos
é mais velha do que muitos de seus deuses. Ela reinou antes que seu orgulhoso e
imenso Capitólio fosse construído. Os babilônios também se constituíram em
Império antes dos dias dos pontífices, e os medas antes dos qüindecênviros. Os
egípcios antes dos sálios. A Assíria antes de Lupércio, e as amazonas antes das
Virgens Vestais.
E para acrescentar
outro ponto: se as religiões de Roma lhe proporcionaram um Império, a antiga
Judéia nunca teve um, desprezando-o como fez com um e todos aqueles ídolos
divinizados; a Judéia cujo Deus, vós, romanos, certa vez honraram com vítimas,
com presentes de seu Templo, e com tratados de seu povo, ela nunca esteve sob
vosso cetro, senão por ocasião dessa última e final ofensa contra Deus, quando
rejeitaram e crucificaram Cristo.
» CAPÍTULO XXVII
Bastante já foi dito
nessas explicações para refutar a acusação de traição contra vossa religião e
porque não podemos ser considerados prejudiciais àqueles que não existem...
Portanto, quando somos convidados a sacrificar, recusamos resolutamente,
apoiados no conhecimento que temos, pelo qual estamos certos sobre a realidade
dos seres aos quais esses sacrifícios são oferecidos, sob a profanação de
imagens e a deificação de seres humanos.
Muitos, de fato, julgam
isso um ato de insanidade, pois estando em nosso poder oferecer logo o
sacrifício e nos livrarmos do castigo, mantemos nossas convicções; é que
preferimos uma persistência obstinada em nossa confissão, para nossa salvação.
Vós nos avisais, é certo, que assim estamos tirando vantagens de vós, mas
sabemos de quem procedem tais sugestões, quem está por trás disso, querendo
vencer nossa constância, e como faz todo esforço, agora com manhosa persuasão e
depois com perseguição sem piedade. Não é outro senão o espírito, meio demônio,
meio anjo que, nos odiando por causa de sua própria separação de Deus, levado
pela inveja do favor que Deus nos tem demonstrado, vira vossas mentes contra
nós com influências ocultas, moldando-as e instigando-as a todas as
perversidades no julgamento, e àquela crueldade indevida que mencionamos no
começo de nosso trabalho, quando iniciamos esta discussão.
Porque, embora todo o
poder dos demônios e maus espíritos nos esteja sujeito, contudo, como escravos,
indispostos muitas vezes, estão cheios de medo: assim são eles também. Por
medo, também inspiram ódio. Além disso, em sua condição desesperada, já que
estão condenados, causa-lhes algum conforto quando adiam o castigo e usufruem
de suas disposições malignas. No entanto, quando nossas mãos são levantadas
contra eles, ficam subjugados de repente, submissos a seu lugar; e àqueles a
quem se opõem à distância, reservadamente pedem misericórdia.
Assim, nas sedes
rebeladas, em prisões ou minas, ou em qualquer um desses locais para penas
escravas, são aqueles que se revoltam contra nós, seus senhores, sabendo sempre
que não são ameaça para nós e, exatamente por isso, de fato, se entregam mais
renhidamente à destruição. Nós lhes resistimos a contragosto, como se fossem
nossos iguais, e os enfrentamos perseverando naquilo que eles atacam.
Nosso triunfo sobre
eles nunca é mais completo do que quando somos condenados pela resoluta adesão
à nossa fé.
» CAPÍTULO XXVIII
Mas sendo evidente a
injustiça de compelir homens livres, contra sua vontade, a oferecer sacrifício
- porque mesmo em outros atos de serviço religioso se requer uma mente de boa
vontade - deveria ser tido por total absurdo um homem obrigar outro a dar
honras aos deuses, quando cada um deve voluntariamente, pelo sentido de sua
própria necessidade, procurar o favor deles, para que, na liberdade que é seu
direito, esteja pronto a dizer: "Não preciso dos favores de Júpiter, a
quem orais... Que Jano me venha com olhares tristes em qualquer uma de suas
faces, a que desejar... O que tendes a ver comigo?"
Vós sois levados, não
há dúvidas, por aqueles mesmos espíritos maus que vos compelem a oferecer
sacrifícios para o bem estar do imperador; e ficais compelidos à necessidade de
usar a força, da mesma forma como estamos sob a obrigação de enfrentar os
perigos disso. Somos conduzidos, agora, à segunda base da acusação: somos
culpados de traição contra a majestade muito augusta, porque cuidais de dar
homenagem com maior temor e a maior reverência ao Imperador do que a ao próprio
Júpiter Olímpico.
Mas - bem sabeis -
procedeis com diferentes fundamentos. É porque não há nenhum homem melhor do
que aquele temível, seja quem for? Mas isso não é feito por vós senão com base
num poder cuja presença vivamente sentis. Assim também nisso sois culpados de
impiedade para com vossos deuses, visto que mostrais uma maior reverência ao
soberano humano do que aos deuses. Daí, entre vós, o povo também jura falso
mais facilmente pelo nome de todos os deuses, do que pelo nome do supremo
Imperador.
» CAPÍTULO XXIX
Esclareçamos, portanto,
antes de mais nada, se aqueles aos quais se oferecem sacrifícios estão aptos a
proteger seja o Imperador seja alguém mais, e assim nos julguem culpados de
traição; se anjos ou demônios, espíritos da pior natureza, podem realizar o
bem, se o perdido pode dar salvação, se o condenado pode dar liberdade, se o
morto (refiro-me a quem bem conheceis) pode defender o vivo...
Porque certamente a
primeira coisa de que cuidariam seria da proteção de suas estátuas, imagens e
templos, e aquilo a que antes de tudo deveriam sua segurança, ou seja, à
vigilância dos guardas do Imperador. Sim, penso, os próprios materiais de que
são feitos provêm das minas do Imperador, e não haveria um templo que não
dependesse da vontade do Imperador. Sim, e muitos deuses já sentiram o
desagrado do Imperador.
Meu argumento é que
eles são também participantes do favor imperial, quando o Imperador lhes
confere algum presente ou privilégio. Como podem eles - que assim estão sob o
poder do Imperador, que pertencem inteiramente ao Imperador - ter a proteção do
Imperador sob sua responsabilidade, do modo que possais imaginá-los aptos a dar
ao Imperador o que eles mais prontamente recebem do Imperador?
Esta é, pois, a base na
qual somos acusados de traição contra a majestade imperial, a saber, não
colocamos os imperadores submissos às suas próprias propriedades; porque não
oferecemos um simples arremedo de culto à crença nessas divindades, como não
acreditando que a segurança dos imperadores permaneça em mãos metálicas. Mas
sois ímpios a tal ponto que procurais a divindade onde não está, que a
procurais naqueles que não a possuem, passando por Aquele que a possui
inteiramente em Seu poder. Além disso, perseguis aqueles que sabem onde
procurá-La e que, sabendo onde procurá-La, são capazes de também gozar de Sua
segurança.
» CAPÍTULO XXX
Oferecemos preces pela
segurança de nossos líderes ao Eterno, ao Verdadeiro, ao Deus vivo, cujo
beneplácito, acima de todos os outros, eles próprios desejam. Eles sabem de
quem receberam seu poder. Sabem, já que são homens, de quem receberam a própria
vida. Estão convencidos de que Ele é o único Deus, de cujo único poder são
inteiramente dependentes, de quem são segundos, depois de Quem ocupam os mais
altos cargos, antes e acima de todas as divindades. Por que não são superiores
à morte, já que estão acima de todos os seres humanos, e vivendo como vivem?
Eles meditam sobre a
extensão de seu poder e assim vêm a compreender o Altíssimo. Reconhecem que
possuem todo seu poder recebido d'Ele contra o qual seu poder é nada.
Que o imperador faça
guerra ao céu, que leve o céu cativo em seu triunfo, que ponha guardas no céu,
que imponha taxas ao céu! Ele não pode! Exatamente porque ele é menor do que o
céu, ele é grande. Pois ele mesmo é d'Aquele ao qual o céu e todas as criaturas
pertencem. Ele obteve seu cetro quando lhe foi concedida sua humanidade. Seu
poder, quando recebeu o sopro da vida.
Para lá elevamos nossos
olhos, com as mãos abertas, porque livres do pecado, com a cabeça descoberta,
porque não temos nada de que nos envergonharmos, finalmente, sem um monitor
porque é de nosso coração que partem nossas preces.
Sem cessar, oferecemos
preces por todos os nossos líderes. Pedimos por uma vida longa, pela segurança
do Império, para a proteção da casa imperial, para os bravos exércitos, por um
senado fiel, por um povo virtuoso, e, enfim, por todo o mundo, seja quem for,
homem ou Imperador, como um imperador desejaria.
Essas coisas eu não
posso pedir senão a Deus, de quem sei que as obterei, seja porque somente Ele
as concede, seja porque Lhe peço sua dádiva, como sendo um servo Dele, rendendo
homenagem somente a Ele, perseguido por Sua doutrina, oferecendo a Ele, por Seu
própria recomendação, aquele custoso e nobre sacrifício de prece feito por um
corpo casto, uma alma pura, um espírito santificado, e não por alguns poucos
grãos de incenso que nada valem - extraído da árvore arábica - nem alguns
pingos de vinho, nem o sangue de alguma boi indigno para o qual a morte é um
destaque, e, em adição a outras ofensivas coisas, uma consciência poluída, de
tal modo que alguém se admira quando vossas vítimas são examinadas por aqueles
sacerdotes vis. Por que o exame é menor sobre o que sacrificam do que sobre os
que são sacrificados?
Com nossas mãos assim
abertas e levantadas para Deus, nos entregamos a vossas claves de ferro, somos
suspensos em cruzes, lançados às chamas, temos decepadas nossas cabeças pela
espada, somos entregues aos animais selvagens: a verdadeira atitude de prece de
um cristão é uma preparação para todos os castigos.
Que esses bons
administradores façam seu trabalho, arranquem-nos a alma, implorando a Deus
pelo bem estar do Imperador. Acima da verdade de Deus e da devoção a Seu nome,
ponde o estigma do crime.
» CAPÍTULO XXXI
Mas nós simplesmente,
vocês dizem, lisonjeamos o imperador e fingimos essas nossas orações para
escaparmos da perseguição. Obrigado por vosso engano, dando a nós a
oportunidade de provar nossas alegações. Aquele de vós que pensa que não nos
importamos com o bem-estar de César, investigue as revelações de Deus, examine
nossos livros sagrados, os quais nós não escondemos e que por muitas maneiras
acabam parando nas mãos daqueles que não são dos nossos. Aprenda através deles
que uma grande benevolência está sobre nós a ponto de suplicarmos a Deus por
nossos inimigos e desejarmos bênçãos a nossos perseguidores. Quem, portanto,
são os maiores perseguidores dos cristãos, senão as muitas festas com traições
as quais somos carregados. Além disso, muitas vezes e claramente a Escritura
diz: “Reze pelos reis, juízes e poderes, então tudo estará em paz com você”.
Pois quando há distúrbios no Império, se o tumulto é sentido por seus outros
membros, certamente nós também o sentimos, já que nós não somos dados à
desordem.
» CAPÍTULO XXXII
Há também uma outra e
grande necessidade para oferecermos orações em favor dos imperadores, e não
somente para a completa estabilidade do Império e em favor dos interesses dos
Romanos em geral. Pois nós sabemos que o iminente choque de poderes em toda a
terra é apenas retardado pela contínua existência do Império Romano. Nós não
temos desejo algum de sermos tomados por esses terríveis eventos e em nossas
orações, no desejo de que esses eventos demorem a acontecer, colocamos em
destaque nosso desejo de continuidade do Império Romano. Além disso, enquanto
nos recusamos jurar pelo gênio de César, nós juramos por sua segurança, a qual
é muito mais importante que todo seu gênio. São vocês ignorantes do fato de que
esses gênios são chamados “Daimones”, e que o diminutivo “Daimonia” é aplicado
a eles? Nós respeitamos na pessoa do imperador a ordem de Deus, que o pôs acima
das nações. Nós sabemos que há isso neles o qual Deus tem legado; e a quem Deus
legou essas coisas nós desejamos toda segurança, e nós consideramos um
juramento pela segurança do imperador um julgamento muito importante. Mas para
os demônios, isso é, seus gênios, nós temos o hábito de exorcizá-los, não
juramos por eles, evitando dar a eles a divina honra.
» CAPÍTULO XXXIII
Mas por que se estender
a respeito do sagrado respeito e reverência que os cristãos dão ao imperador, o
qual nós apenas podemos reconhece-lo chamado por Deus ao seu serviço? Portanto,
sob essas condições devo dizer que César pertence mais a nós do que a vocês,
pois nosso Deus o escolheu. Portanto, tendo essa possibilidade, eu faço mais
por seu bem-estar, não simplesmente porque eu peço isso para Aquele que pode
dar isso, ou porque eu peço isso como alguém que merece, mas por que, em se
tratando de manter o poder de César em seus devidos limites e pondo isso sob o
Excelso e tornando isso menor que o divino, eu muito o recomendo a Deidade, a
quem eu o faço o único inferior. Mas eu o coloco em uma posição inferior a quem
eu considero mais glorioso que o imperador. Nunca irei chamar o imperador de
Deus, e isso porque não está em mim ser culpado de falsidade; ou porque eu não
me atrevo a expô-lo ao ridículo; ou porque ele mesmo não desejará ter esse alto
nome a ele aplicado. Se ele é somente um homem, é do seu interesse como homem
dar a Deus seu alto posto. Deixemos que ele pense sobre isso o suficiente para
suportar o nome de imperador. Chamá-lo de Deus é usurpar seu título. Se ele não
é um homem, então não pode ser um imperador. Mesmo quando, em meio às honras de
um triunfo, ele está sentado no seu honroso carro de guerra, ele se recorda de
ser um homem. Uma voz em sua mente permanece suspirando em seus ouvidos: “Olhe
para sua condição, lembre-se de que você é apenas um homem.” E isso apenas
acrescenta as suas exaltações o fato de que ele brilha com uma luz que
ultrapassa os requerimentos de sua condição e que ele necessita de uma
reminiscência, para que ele não acredite ser de natureza divina.
» CAPÍTULO XXXIV
Augusto, o fundador do
Império, nunca recebeu o título de Senhor; este é, pois, o nome da Deidade. Da
minha parte, estou disposto a dar ao imperador essa designação, mas na
aceitação comum da palavra e quando sou forçado a chamá-lo assim no caso dele
estar sendo um representante de Deus. Mas minha relação com ele é apenas de
liberdade, pois tenho um só e verdadeiro Senhor, Deus onipotente e eterno, o
qual é senhor também do imperador. Como pode ele, o qual é realmente pai de seu
país, ser seu senhor? O nome da piedade é mais gratificante que o nome do poder;
então os chefes das famílias são chamados pais tanto mais que senhores. Longe
de nós o imperador receber o nome de Deus. Nós apenas podemos professar nossa
crença de que ele é o que é indignamente, ou mais que isso, por uma bajulação
fatal; isso é como se, tendo um imperador, você chamasse a outro pelo nome de
imperador, em qual caso você ofenderia aquele que atualmente reina. Dê toda a
reverência a Deus, se você deseja que o imperador seja propiciado por Deus. Dê
toda a adoração e acredite nEle, pôs nenhum outro é divino. Cessem também de
atribuir o nome sagrado àquele que necessita de Deus. Se essa adulação
mentirosa não é vergonhosa, chamando divino um homem, deixe que ele tenha pavor
pelo menos do mau presságio o qual ele suporta. É a invocação de um praga, para
dar a César o nome de deus antes de sua apoteose.
» CAPÍTULO XXXV
Esta é a razão, pois,
do porquê serem os cristãos considerados inimigos públicos: eles não são
vaidosos, falsos, nem imprudentes com relação à honra do imperador; como homens
que acreditam na verdadeira religião, eles preferem celebrar seus dias de festa
com boa consciência, ao invés de serem libertinos. É, verdadeiramente, uma
notável homenagem lançar fogos e camas ante o público, banqueteando de rua em
rua, tornando a cidade uma grande taverna, fazendo lama com vinho, realizando
atos violentos, vergonhosos e luxuriantes! Será honesto alegrar-se abertamente
da desgraça pública? Fazer coisas diferentes sendo outras vezes conveniente os
dias festivos dos príncipes? Aqueles que observam as regras das virtudes em
reverência a César, por causa dele se afastariam delas? Deve a piedade ser uma
licença para ações imorais, e deve a religião ser usada para fornecer a ocasião
para todo tipo de extravagâncias? Pobres de nós, dignos de condenação! Pois por
que nós mantemos os dias votivos e de alta alegria em honra de César com
castidade, sobriedade e virtude? Por que, nos dias de felicidade, nós nem
cobrimos as vigas de nossas portas com loureiros nem iniciamos o dia com
lâmpadas? É algo correto, nas ocasiões de festividade pública, vestir nossa
casa elegantemente como um novo bordel? Entretanto, na importância desta
homenagem a uma majestade menor, em referência a nós sermos acusados de um
pequeno sacrilégio, pois nós não celebramos com vocês os feriados de César de
uma maneira proibida pela modéstia, decência e pureza - de fato, eles têm sido
estabelecidos como que fornecendo oportunidades para dissoluções mais do que
qualquer outro motivo; nesta importância estou ansioso para ressaltar quão
fiéis e verdadeiros são vocês, para não acontecer que estes que não nos tem
como romanos, mas como inimigos dos chefes de Roma, sejam considerados piores
que nós, cristãos! Apelo aos próprios habitantes de Roma, à população das sete
colinas: por acaso os habitantes de Roma já dispensaram algum César? O Tibre e
as feras selvagens testemunham. Diga agora se a natureza cobriu nossos corações
com uma substância transparente através da qual a luz pode passar, os quais,
todos cortados, não podem deletar a cena de outro e outro César presidindo a
distribuição de um dom? E muitas vezes eles estão gritando: “Talvez Júpiter
pegue anos de nós e com eles alongue os de vocês” - palavras tão estranhas aos
lábios de um cristão quanto está fora de questão seu desejo de uma mudança de
imperador. Mas isto é o povinho, vocês dizem; mas, mesmo sendo a ralé, eles
ainda são romanos, e nada mais freqüente do que eles pedirem a morte dos
cristãos. É claro que as outras classes, como convém a suas altas posições, são
muito religiosas. Nem um único sinal de traição há no Senado, nas ordens
eqüestres, nos campos, no palácio. De que lugar, então, veio um Cássio, um
Negro, um Albino? De que lugar, eles que acossaram o César entre os dois
loureiros? De onde, eles que praticaram luta livre, na qual adquiriram a
habilidade necessária para estrangulá-lo? Eles, que entraram no palácio, cheios
de armas, mais audaciosos que todos os seus Tigerii e Parthenii. Se não estou
enganado, eles eram romanos; isto é, eles não eram cristãos. Ainda todos eles,
na véspera de suas traições, ofereceram sacrifícios pela vida do imperador, e
juraram por ele, uma coisa em profissão e outra em seus corações; e eles tinham
o hábito de denominar os cristãos de inimigos do Estado. Sim, e pessoas que
agora são trazidas diariamente à luz como confederados ou aprovadores desses
crimes e traições, as junções ainda restantes depois de uma colheita de
traidores, com loureiros novos e verdes eles enfeitaram suas portas; com nobres
e brilhantes lâmpadas, eles revestiram seus pórticos; com os mais requintados e
chamativos sofás eles dividiram o Fórum entre eles; não que eles devam celebrar
festas públicas, mas eles devem pegar uma amostra de suas seções votivas em
participação das festividades de outro, e inaugurar o modelo e imagem de suas
esperanças, mudando em suas mentes o nome do imperador. A mesma homenagem é
prestada, também respeitosamente, por aqueles que consultam astrólogos e magos,
sobre a vida de César - artes que, sendo feitas por anjos caídos e proibidas
por Deus, os cristãos não podem usá-las. Mas quem tem qualquer ocasião para
perguntar sobre a vida do imperador, se ele não tem algum desejo contra ela ou
alguma esperança e expectativas para depois dela? Pois consultas a astrólogos
não têm o mesmo motivo no caso de amigos como no caso dos soberanos. A
ansiedade de uma parenta é algo muito diferente da de um súdito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário, em breve será respondido.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.