Os dados sobre Aristides de Atenas (Grécia) são raros; sabe-se que ele viveu
no Século II e talvez fosse filósofo.
Foi um dos primeiros apologistas cristãos; é mencionado por Eusébio da Cesaréia como autor desta apologia dirigida ao Imperador romano Adriano (117-138); a mais antiga que chegou até nós falando da vida dos cristãos.
Foi um dos primeiros apologistas cristãos; é mencionado por Eusébio da Cesaréia como autor desta apologia dirigida ao Imperador romano Adriano (117-138); a mais antiga que chegou até nós falando da vida dos cristãos.
Ficou perdida até 1878, quando foi publicado um fragmento de tradução
armênia, em 1889 foi descoberta, no mosteiro de Santa Catarina no monte Sinai,
uma tradução siríaca completa pelo americano Rendel Harris. Mais tarde, são também
publicados dois fragmentos gregos mais extensos, que demonstraram que a obra de
Aristides influíra na literatura medieval através da lenda "Vida de Barlaão
e Josafá", de autoria de São João Damasceno, que contém em seus capítulos
26 e 27 boa parte do texto grego, ainda que livremente retocado.
A Apologia ataca severamente as religiões politeístas dos caldeus,
gregos e egípcios, e, embora admita que os judeus cultuam o verdadeiro Deus,
acusa-os de terem desprezado a salvação do gênero humano, trazida por Jesus,
por não lhe reconhecê-lo como Salvador e Messias.
Desta forma, consequentemente, os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de Deus e podem ser distinguidos de todos os demais pela pureza de seus costumes.
Desta forma, consequentemente, os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de Deus e podem ser distinguidos de todos os demais pela pureza de seus costumes.
A apologia de Aristides visa a mostrar que os cristãos são os
únicos detentores da verdadeira noção de Deus, demonstrando as inconsistências
das concepções dos Caldeus, Gregos e Egípcios. Esses deuses corruptíveis, criados pelos homens com várias faces e falhas não podem ser levados a sério. Por outro lado temos o Javé o Deus verdadeiro cujo se revelou a Abraão, Isaac e Jacó, mas, que foi desprezado pelo seu povo depois de vários feitos em prol dele. Esse mesmo povo que desprezou o próprio Filho de Deus e o condenou à morte de cruz.
Demonstra, ainda, o caráter elevado da vida moral cristã em profundo contraste com as corruptas práticas pagãs. O tom é nobre e calmo e procura testemunhar a razoabilidade do cristianismo mais por um apelo aos fatos do que por subtis argumentações.
Demonstra, ainda, o caráter elevado da vida moral cristã em profundo contraste com as corruptas práticas pagãs. O tom é nobre e calmo e procura testemunhar a razoabilidade do cristianismo mais por um apelo aos fatos do que por subtis argumentações.
APOLOGIA - Aristides de Atenas
INTRODUÇÃO
I. Eu - ó Rei - por providência de Deus vim a este mundo e,
tendo contemplado o céu, a terra e o mar, o sol, a lua e todo o resto, fiquei
maravilhado por sua ordem. Porém, vendo que o mundo e tudo o que nele há se
move por necessidade, compreendi que Aquele que os move e os mantém [em
movimento] é mais que estes. Afirmo, pois, ser Deus que ordenou tudo e o mantém
fortemente assim. [Ele] não teve princípio e é eterno; imortal e sem necessidades;
acima de todas as paixões e defeitos, da ira, do esquecimento, da ignorância e
tudo o mais. Por Ele, todavia, subsiste tudo. Não precisa de sacrifício, nem libação,
nem de nada do que existe; porém, tudo necessita Dele.
II. Ditas estas coisas a respeito de Deus, da forma como consegui
falar sobre Ele, passemos também ao gênero humano, para saber quais dentre os
homens participam da verdade e quais [participam] do erro, pois, para nós – ó Rei
- é evidente que há três tipos de homens neste mundo: os adoradores daquilo que
vocês chamam "deuses"; os judeus; e os cristãos. Por sua vez, os que adoram
muitos deuses se subdividem em também em três gêneros: os caldeus, os gregos e
os egípcios, porque estes foram os guias e mestres das demais nações no culto e
adoração dos deuses de muitos homens.
OS FALSOS DEUSES DOS CALDEUS
III. Vejamos, pois, quais destes [homens] participam da verdade
e quais [participam] do erro. Os caldeus, com efeito, por não conhecerem a
Deus, se extraviaram por detrás dos astros e passaram a adorar as criaturas no lugar
d'Aquele que os havia criado; e fazendo daqueles [astros] certas
representações, passaram a clamar às imagens do céu e da terra, do sol, da lua
e dos demais astros ou luminares; e, confinando-os em templos, os adoram,
dando-lhes nome de deuses, guardando-os com toda a segurança, para que não
sejam roubados por ladrões, sem perceber que os que guardam são superiores aos
guardados, e os que constroem são superiores às suas próprias obras. Assim, se
os seus deuses são impotentes para sua própria salvação, como poderiam oferecer
a salvação aos outros? Logo, se extraviaram os caldeus, prestando culto a
imagens mortas e inúteis.
E fico maravilhado - ó Rei - como aqueles que são, entre eles,
chamados de "filósofos" não perceberam absolutamente que também esses
mesmos astros são corruptíveis. Sim, e se os astros são corruptíveis e dominados
pelas necessidades, como podem ser deuses?
E se os astros não são deuses, como poderiam ser [deuses] as
imagens feitas em honra deles?
IV. Passemos, portanto - ó Rei - aos próprios elementos, para
provar que não são deuses, mas sim corruptíveis e mutáveis desprovidos de tudo
por ordem do Deus verdadeiro, Aquele que é incorruptível, imutável e invisível.
Ele tudo vê, tudo muda e transforma como quer.
Que posso então dizer dos astros?
Os que creem que a terra é Deusa se enganam, pois a vemos
incomodada e dominada pelos homens, cavada e emporcalhada, tornando-se inútil,
porque se não a aduba, converte-se em infértil como uma telha, onde nada nasce.
Só que, se for regada em demasia, corrompe-se ela mesma bem
como os seus frutos. Ela também é pisada pelos homens e pelos animais; se
mancha com os sangue dos assassinatos; é cavada para receber os cadáveres e, assim,
se converte em depósito de mortos. Sendo assim, não é possível que a terra seja
deusa, mas obra de Deus, para utilidade dos homens.
V. Os que pensam que a água é Deus erram, pois também ela foi
feita para a utilidade dos homens e por eles é dominada; fica suja e se
corrompe; se altera quando é servida, muda de cor e congela com o frio; é levada
para lavar todas as imundícies... Por isso, é impossível que a água seja Deus,
mas é obra de Deus.
Os que creem que o fogo é Deus estão equivocados, pois o fogo
foi feito para a utilidade dos homens e por eles é dominado; é levado de um
lugar para outros para cozer e assar toda espécie de carnes e até mesmo para
cremar cadáveres. Além disso, se corrompe de várias maneiras ao ser apagado
pelos homens. Por isso, não é possível que o fogo seja Deus, mas obra de Deus. Os
que creem que o sopro dos ventos é Deus se equivocam, pois é óbvio que está a
serviço de outro e que foi preparado por Deus, em graça aos homens, para mover
os navios, transportando os alimentos, e atender às suas demais necessidades;
fora isso, aumenta ou cessa pela ordem de Deus. Portanto, não é possível pensar
que o vento seja Deus, mas obra de Deus.
VI. Os que creem que o sol é Deus se equivocam, pois vemos
que ele se move por necessidade, muda e altera de signo, pondo-se e nascendo
para desenvolver as plantas e ervas em utilidade aos homens; vemos também que possui
divisões com os demais astros, que é muito menor que o céu, que sofre eclipses
em sua luz e não goza de qualquer autonomia. Por isso, não é possível pensar
que o sol seja Deus, mas obra de Deus.
Os que pensam que a lua é Deusa se equivocam, pois vemos que
ela se move por necessidade e muda de fase, pondo-se e nascendo para a
utilidade dos homens; ela é menor que o sol, cresce, reduz e sofre eclipses.
Por isso, não é possível pensar que a lua seja deusa, mas obra de Deus.
VII. Os que crêem que o homem é Deus erram, pois vemos que
ele é concebido por necessidade, se alimenta e envelhece ainda contra a sua
vontade; às vezes está alegre, outras vezes está triste, e precisa de comida,
bebida e roupas; vemos, ainda, que ele guarda raiva, inveja e
ambição, muda seus propósitos e tem mil defeitos; corrompe-se também de muitos
modos em razão dos elementos, dos animais e da morte que lhe é imposta. Não é,
portanto, admissível que o homem seja Deus, mas obra de Deus.
Assim, os caldeus se extraviaram em suas concupiscências, pois
adoram os astros, elementos corruptíveis e às imagens mortas, sem compreenderem
o que divinizam.
OS FALSOS DEUSES DOS GREGOS
VIII. Vejamos agora também os gregos, para ver se possuem
alguma ideia sobre Deus. Os gregos, que dizem ser sábios, mostram-se mais
ignorantes que os caldeus, introduziram uma multidão de deuses que nasceram uns
do sexo masculino, outros do sexo feminino, escravos de todas as paixões e
sujeitos de toda espécie de iniquidades; são deuses que eles mesmos afirmam ter
sido adúlteros, assassinos, irados, invejosos, rancorosos, parricidas e fratricidas,
ladrões e assaltantes, coxos e importunos,
feiticeiros e loucos. Destes, uns morreram, outros foram fulminados,
outros serviram aos homens como escravos, outros viraram fugitivos, outros
sentiram dor e lamentaram, outros se transformaram em animais...
Daí se vê - ó Rei - quão ridículas, absurdas e ímpias palavras
introduziram os gregos ao dar o nome de deuses a esses seres que não são
[deuses]; assim fizeram seguindo os seus maus desejos, a fim de que, tendo aqueles
abrogado suas maldades, pudessem estes [também] entregar-se aos adultérios, ao
roubo, ao assassinato e toda a classe de vícios. Ora, se tudo isso fizeram os
deuses, por que também não poderiam fazer os homens que lhes prestam culto? Consequência,
pois, de todas estas obras do erro foi que os homens sofreram guerras
contínuas, matanças e cativeiros amargos.
IX. Mas se quisermos recorrer com nosso discurso a cada um de
seus deuses, veremos absurdos sem conta. Assim, introduzem, antes de mais nada,
um deus chamado Cronos e a estes lhe sacrificam seus próprios filhos; Cronos
teve muitos filhos de Rea e, finalmente, tornando-se louco, comeu os seus
próprios filhos. Dizem também que Zeus lhe cortou as partes viris e as atirou
no mar, donde se conta que nasceu Afrodite. Amarrando Zeus o próprio pai,
lançou-o no Tártaro.
Vês o desvio e a imprudência introduzidos contra o seu próprio
deus? Como é possível que um deus seja amarrado ou mutilado? Ó insensatez!
Quem, em seu são juízo, pode dizer tais coisas?
Depois introduziram Zeus, que dizem ser o rei de todos os seus
deuses e que toma a forma de animais para unir-se com mulheres mortais. Com
efeito, contam que se transformou em touro para Europa e Pasfae, em ouro para
Danae, em cisne para Leda, em sátiro para Antíope e em raio para Esmele; e que
destas nasceram-lhe muitos filhos: Dionísio, Zeto, Anfim, Héracles, Apolo e
Artemisa, Perseu, Castor, Helena e Plux, Minos, Radamante,
Sarpenden e as sete filhas chamadas "musas". Logo introduziram
igualmente a fábula de Ganímedes...
Aconteceu então - ó Rei - que os homens imitaram tudo isto e
se fizeram adúlteros e pervertidos, como seu deus, e cometeram toda a classe de
atos viciosos. Como é possível conceber que Deus seja adúltero, pervertido e
parricida?
X. Com isto, introduziram um certo Hefesto como deus, e este,
coxo e empunhando martelo e torquês, passou a ser ferreiro para ganhar a vida.
É necessitado? Isto é coisa inadmissível para Deus: ser coxo e necessitado dos homens.
Logo introduziram Hermes como deus; ele que é ambicioso,
ladrão, avaro, feiticeiro, estropiado e intérprete de discursos... Não se
concebe que Deus possa ser tais coisas.
Também introduziram Asclépio como deus; médico de profissão e
dedicado a preparar medicamentos, compondo emplastos para se sustentar (pois
estava necessitado), logo foi fulminado por Zeus por causa do filho do
lacedemônio Tindreo, e assim morreu. Mas se Asclépio, sendo deus, não pôde
ajudar a si mesmo, sendo fulminado, como poderá ajudar os outros?
Também introduziram Ares como deus; guerreiro, invejoso,
ambicioso por rebanhos e outras coisa, dizem que ele, mais tarde, cometeu
adultério com Afridite, e foi amarrado pelo menino Eros e também por Hefesto.
Como, pois, poderia Deus ser ambicioso, guerreiro, adúltero e prisioneiro?
Também introduziram Donísio como deus, ele que celebra festas
noturnas, é mestre em embriaguez e arrebata as mulheres alheias; mais tarde,
foi degolado pelos titãs. Se, pois, Dionísio foi degolado, não pôde ajudar-se a
si mesmo, mas era louco, bêbado e fugitivo; como poderia ser Deus?
Também introduziram Héracles, que contam ter-se embriagado e,
tornando-se louco, comeu seus próprios filhos, sendo após consumido pelo fogo,
assim morrendo.
Mas como pode Deus ser bêbado, matar seus filhos e ser devorado
pelo fogo? Como pode socorrer os outros se não pôde socorrer a si mesmo?
XI. Também introduziram Apolo como deus; ele era invejoso; às vezes empunhava o arco e a flecha, outras vezes a cítara e a flauta; dedicava-se à adivinhação em troca do dinheiro dos homens. Ele é necessitado? É impossível admitir que Deus esteja necessitado e seja invejoso, como citamos.
XI. Também introduziram Apolo como deus; ele era invejoso; às vezes empunhava o arco e a flecha, outras vezes a cítara e a flauta; dedicava-se à adivinhação em troca do dinheiro dos homens. Ele é necessitado? É impossível admitir que Deus esteja necessitado e seja invejoso, como citamos.
Depois introduziram Artemisa, sua irmã, caçadora por ofício,
que carrega o arco e a flecha, andando errante pelos montes, acompanhada
somente de seus cães, para caçar cervos e javalis. Como pode, pois, ser deusa
uma mulher que é caçadora e anda errante com seus cães?
Também dizem que Afrodite é deusa, que foi adúltera e que
como companheiros de adultério Ares, Anquises e Adônis (cuja morte chorou), e
sempre buscava amantes; até dizem que desceu ao Hades para resgatar Adônis de Persfone,
filha de Hades. Ó Rei: por acaso já viste insensatez maior que a de introduzir
uma deusa adúltera, que lamenta e chora?
Também introduziram Adônis como deus, caçador de ofício e
adúltero, que morreu violentamente ferido por um javali e não pôde ajudar-se em
sua desgraça. Como pode então preocupar-se com os homens aquele que era adúltero,
caçador e que morreu de forma violenta?
Tudo isto e muitas coisas mais, bem vergonhosas e piores, introduziram
os gregos - ó Rei - fantasiando sobre seus deuses coisas que absolutamente não
são lícitas de dizê-las ou trazê-las à memória. Assim, tomando os homens os exemplos
de seus próprios deuses, praticaram todo gênero de iniquidade, imprudência e
impiedade, manchando a terra e o ar com suas terríveis ações.
OS FALSOS DEUSES DOS EGÍPCIOS
XII. Quanto aos egípcios, que são mais torpes e mais néscios
que os gregos, erraram mais que todas as nações, pois não se contentaram com os
cultos dos caldeus e dos gregos, mas introduziram ainda como deuses animais irracionais,
tanto da terra como da água, bem como árvores e plantas, e mergulharam em toda
a loucura e imprudência pior que todas as nações existentes sobre a terra.
Eis que a princípio prestaram culto a Ísis, que tinha Osíris por
irmão e marido; este foi degolado por seu irmão Tifão.
Por esta razão, Ísis fugiu com seu filho Hórus para Bíblo, na
Síria, horando amargamente; quando Hórus cresceu, matou Tifão. Desta forma, nem
Ísis teve forças para ajudar seu irmão e marido, nem Osíris pôde ajudar-se a si
mesmo (já que foi degolado por Tifão), da mesma maneira que Tifão, fratricida,
morto por Hórus e Ísis, não conseguiu livrar-se a si próprio da morte. E,
reconhecidos por tais desgraças, foram tidos por deuses pelos insensatos egípcios,
os quais, não contentes com este e com os demais cultos trazidos por outras
nações, introduziram como deuses até mesmo os animais irracionais.
Eis que alguns deles adoram a ovelha; outros o cabrito; outros
o novilho e o porco; outros o corvo, o gavião, o abutre e a águia; outros o
crocodilo; outros o gato, o cão e o lobo, e também o macaco, a serpente e a
áspide; outros a cebola e o alho, os espinhos e as demais criaturas... E os desgraçados
não se dão conta que nenhuma dessas coisas possui poder algum, nem vendo que
seus deuses são comidos por outros homens, queimados e degolados, e se putrefazem...
Não compreendem que não são deuses!
CONCLUSÃO SOBRE A FALSA RELIGIÃO POLITEÍSTA
XIII. Assim, se extraviaram gravemente os egípcios, os caldeus
e os gregos, introduzindo tais deuses, fazendo imagens deles, e divinizando os
ídolos surdos e insensíveis.
E me admira como vendo seus deuses serrados, destruídos pelo
fogo, cortados pelos artífices, envelhecidos pelo tempo, dissolvidos e fundidos
não compreendam que não existem tais deuses pois, quando nenhuma força possuem
para sua própria salvação, como poderão ter providência pelos homens?
Mas seus poetas e filósofos, querendo com seus poemas e obras
glorificar os seus deuses, não têm feito outra coisa senão descobrir suas
vergonhas e torná-las desnudas para todos; pois, se o corpo do homem, ainda que
seja composto por muitas partes, não despreza nenhum de seus membros, mas,
conservando-os todos em irrompível unidade, mantendo-se sempre unidos, como poderia
ocorrer na natureza de Deus tamanha batalha e discórdia?
Ora, se a natureza dos deuses é uma, não deve um deus perseguir
outro deus, nem degolá-lo ou machucá-lo. E se os deuses têm perseguido uns aos
outros, e se degolaram, roubaram e foram fulminados, já não há uma só natureza,
mas pareceres divididos e todos maléficos, de forma que nenhum deles é Deus.
Portanto, é claro - ó Rei - que toda a teoria sobre a natureza desses deuses é
puro extravio.
E como não compreenderam os gregos sábios e eruditos que, ao
estabelecer leis, seus deuses são condenados por essas leis? Pois se as leis
são justas, são absolutamente injustos os seus deuses que fizeram coisas contra
a lei, como mortes mútuas, feitiçarias, adultérios, roubos e uniões contra a
natureza; e se tudo isto que fizeram foi bom, então as leis é que são injustas
porque vão contra os deuses. Porém não é isto que ocorre: as leis são boas e justas,
pois louvam o bom e proíbem o mau, e as obras dos deuses são ímpias. Ímpios
são, portanto, os seus deuses; todos são réus de morte; ímpios também são aqueles
que introduzem semelhantes deuses, porque se as histórias que são contadas são
mitos, então os deuses não são nada mais que palavras; e se são físicas, já não
são deuses os que tais coisas fizeram ou sofreram; e se são alegorias, são
estórias e nada mais.
Fique provado então - ó Rei - que todos estes cultos para muitos
deuses são obras que extraviam e levam à perdição, pois não se deve chamar
deuses às coisas visíveis que não veem, mas deve-se adorar ao Deus invisível
que tudo vê e criou.
O DEUS DOS JUDEUS E SEUS DESVIOS DA VERDADE
XIV. Abordemos também - ó Rei - os judeus, para ver o que
estes, por sua vez, pensam a respeito de Deus. Estes, sendo descendentes de
Abraão, Isaac e Jacó, viveram como forasteiro no Egito e dali Deus os retirou
com mão poderosa e braço excelso por meio de Moisés, legislador deles, e por
muitos prodígios e sinais lhes deu a conhecer o seu poder. Entretanto,
mostrando-se também eles desconhecidos e ingratos, muitas vezes serviram aos cultos
de outras nações e mataram os justos e profetas que lhes foram enviados.
Assim, quando o Filho de Deus veio sobre a terra, após o insultarem,
entregaram-no a Pôncio Pilatos, governador romano, e o condenaram à morte de
cruz, não respeitando os benefícios que ele lhes havia feito, nem as incontáveis
maravilhas que operara entre eles; desta forma, pereceram por sua própria iniquidade.
Com efeito, continuam ainda agora a adorar o único Deus onipotente, porém não
segundo o cabal conhecimento, já que negam a Cristo, Filho de Deus; são
semelhantes aos gentios, embora, de certo modo, pareçam cercar-se da verdade de
que, entretanto, se afastaram. Isto é o suficiente sobre os judeus...
O DEUS VIVO DOS CRISTÃOS E SEUS COMPORTAMENTOS
XV. Os cristãos, por sua parte, contam sua origem a partir do
Senhor Jesus Cristo; este é professado como sendo Filho do Deus Altíssimo no
Espírito Santo, descido do céu para a salvação dos homens. Foi gerado de uma
virgem santa, sem gérmen nem corrupção; fez-se carne e apareceu aos homens,
para afastá-los do erro da existência de muitos deuses. E, tendo cumprido sua admirável
missão, sofreu a morte da cruz por desígnio voluntário, segundo uma maravilhosa
economia, e, após três dias, ressuscitou e subiu aos céus. A glória de sua vinda
poderás - ó Rei - conhecê-la, se lerdes o que entre eles [=os cristão] se chama
Escritura Evangélica.
Este [Jesus] teve doze discípulos, os quais, após sua ascensão
aos céus, percorreram as províncias do Império e ensinaram a grandeza de
Cristo, de forma que um deles percorreu esta nossa região pregando a doutrina
da verdade. Daí que os que servem à justiça de sua pregação são chamados
"cristãos". E estes são os que tem falado a verdade em todas as
nações da terra, pois conhecem o Deus criador é artífice do universo em seu
Filho Unigênito e no Espírito Santo; eles não adoram outro Deus senão este.
Os mandamentos do mesmo Senhor Jesus Cristo trazem gravados
em seus corações e são praticados, esperando a ressurreição dos mortos e a vida
do século que há de vir. Não cometem adultério, não fornicam, não levantam
falso testemunho, não cobiçam os bens alheios, honram o pai e a mãe, amam aos
seus próximos e julgam com justiça. O que não querem que se lhes façam, não
fazem aos outros.
Aos que os ofendem, os exortam e tentam ser amigos; empenham-se
em fazer o bem aos seus inimigos, são mansos e modestos. Afastam-se de toda
união ilegítima e de toda impureza. Não desprezam a vida, não desamparam o
órfão. Os que têm compartilham abundantemente com os que não têm. Veem-se um forasteiro,
o acolhem sob seu teto e se alegram com ele como um verdadeiro irmão, pois não
se chamam irmãos segundo a carne, mas segundo a alma...
Estão dispostos a dar suas vidas por Cristo porque guardam
com firmeza os seus mandamentos, vivendo santa e justamente segundo o que lhes
ordenou o Senhor Deus. A Ele são dadas graças a todo o momento, por toda comida
e bebida, bem como pelos demais bens... Este é, portanto, verdadeiramente o
caminho para o reino eterno, prometido por Cristo para a vida vindoura.
E, para que saibas - ó Rei - que não digo estas coisas por minha
própria conta, inclina-te sobre as Escrituras dos cristãs e verificarás que não
digo nada além da verdade.
CONCLUSÃO
XVI. Assim, com toda razão compreendeu o teu filho e foi ensinado
a servir o Deus vivo, para salvar-se no século que está por vir. Eis que
grandes e maravilhosas são as coisas pregadas e operadas pelos cristãos, pois
não pregam palavras de homens, mas sim a de Deus. Pelo contrário, as demais
nações erram e a si mesmas se enganam, pois, andando nas trevas, se chocam uns
contra os outros como bêbados.
XVII. Até aqui - ó Rei - dirigi-te este meu discurso, cuja verdade
foi trazida à minha mente. Por isso, que os teus sábios insensatos parem
imediatamente de falar contra o Senhor, pois convém a todos vós venerar o Deus
Criador e oferecer tudo às suas palavras incorruptíveis a fim de que, escapando
do juízo e dos castigos, sejais declarados herdeiros da vida imperecível.
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