quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

EUSÉBIO DE CESARÉIA, SOBRE OS RELATOS SOBRE JESUS CRISTO, SUA PREEXISTÊNCIA E OS FATOS QUE OCORRERAM APÓS SEU NASCIMENTO ATÉ A MORTE DO REI HERODES

 

       


          Todos os anos celebramos o Natal do Senhor. O Verbo que se fez carne e veio habitar entre nós (João1, 14).

        O Natal não é a comemoração do aniversário de Jesus Cristo, antes é a celebração da chegada do Salvador, nascido de uma mulher (Gálatas4,4), marcando o momento divinamente estabelecido para Deus enviar Seu Filho ao mundo, conforme descrito em Gálatas 4, 4 e Efésios 1, 10, cumprindo o plano de redenção e abrindo caminho para a adoção de filhos de Deus, um período oportuno (Kairós).

        Nesse cenário encontra-se a simbologia do Presépio: Maria, José, o Menino Jesus deitado na manjedoura, os pastores, os Magos [...] tudo representa aquele momento espetacular da história em que como diz a Sagrada Escritura: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho Unigênito para todos que nele creem não pereça, mas tenha a vida eterna” (João3, 16).

        É o Cordeiro de Deus anunciado pelo profeta João Batista, o Enviado do Pai veio para tirar os pecados do mundo (João1, 29).

        Não é o papai-Noel, festejado pelo comércio. É o nascimento de Jesus que celebramos e festejamos em nossas casas. É ele o Salvador.

Neste contexto trago aqui para reflexão os escritos do historiador do século IV (quarto), Eusébio de Cesaréia. Primeiro historiador da Igreja depois de Lucas.

Quem foi Eusébio?

Eusébio nasceu no ano 270 d.C e faleceu em 339 d.C. O local de seu nascimento é incerto, mas passou sua vida em Cesaréia, cidade romana da Palestina, foi bispo da Igreja de 313 a 315 em diante. Sua formação teológica foi baseada na obra de Orígenes. Escreveu várias obras dentre elas a “História Eclesiástica”.

Muitos celebram o Natal, até mesmo quem não é cristão, como uma festa posta oficialmente no calendário, se adornam as casas, comércios exploram a data para vender seus produtos. O modernismo está cada vez mais ofuscando o verdadeiro sentido do Natal. Importa para nós saber a importância de celebrá-lo não com comilanças e externamente, mas, somente o poderemos fazê-lo se realmente entendermos o seu verdadeiro significado e assim conhecermos de perto a pessoa de Cristo cujo é o esplendor de nossa vida.

O Natal é muito mais que uma comemoração, é um reavivamento, é de fato estar ligado ao mistério da encarnação do Verbo que se fez carne para a nossa salvação. É Deus que desce dos céus para se assemelhar a nós, para estar junto de nós. Ele destrona por um instante e se humilha em uma manjedoura até que por um grande amor se entrega na cruz. O autor da graça por excelência se faz pequeno e humilde por amor aos homens. Como expressa Zacarias: “Para dar ao seu povo conhecer a salvação pelo perdão dos pecados. Graças a ternura e misericórdia de nosso Deus que nos vai trazer do alto a visita do Sol nascente, que há de iluminar os que estão nas trevas e na sombra da morte e dirigir nossos passos no caminho da paz” (Lucas1, 77-79). 

Todos nós conhecemos Jesus, mas poucos sabem quem ele é de verdade. Para os cristãos ele é o Cristo, para os muçulmanos ele é apenas um profeta, para os espíritas ele é um espírito evoluído. Afinal quem é Jesus? 

O bispo Eusébio traz para nós a resposta com provas irrefutáveis, mostrando passo a passo que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Tudo foi feito por Ele, para Ele e n’Ele. Sua presença antes, durante e após a criação do mundo:        

 

Sobre a preexistência de Nosso Salvador e da atribuição de sua divindade:

 

“Sendo a índole de Cristo dupla: uma semelhante à cabeça do corpo, e por esta o reconhecemos como Deus, e outra, comparável aos pés, mediante a qual, e para a nossa Salvação ele se revestiu de homem, sujeito ao mesmo que nós, nossa exposição a seguir será perfeita se iniciarmos o discurso de toda sua história partindo dos pontos principais e dominantes. Deste modo, a antiguidade e o caráter divino dos cristãos ficará patente aos olhos de todos que pensam que [o cristianismo] é algo novo, estranho de ontem e não de antes.”

“Nenhum tratado poderia bastar para explicar em pormenores a própria substância e natureza de Cristo, por isso o Espírito divino diz: “Sua linhagem quem narrará?”; Pois na verdade ninguém conheceu o Pai senão o Filho, e ninguém conheceu alguma vez ao Filho, segundo a dignidade, se não o próprio Pai que o engendrou.”

“E quem a não ser o Pai, poderia conceber sem impureza a luz que é anterior ao mundo e a sabedoria inteligente e substancial que precedeu aos séculos, o Verbo vivente no Pai e que desde o princípio é Deus, o primeiro e único que Deus engendrou antes de toda a criação e de toda a produção de seres visíveis e invisíveis, o general do exército espiritual e imortal do céu, o anjo do grande conselho, o servidor do pensamento inefável do Pai, o fazedor de todas as coisas junto ao Pai, a causa segunda de tudo depois do Pai, o Filho de Deus, genuíno e único, o Senhor, o Deus e Rei de todos os seres, que recebeu do Pai a autoridade soberana e a força, junto com a divindade, o poder e a honra? Porque em verdade, segundo o que dizem d’Ele os misteriosos ensinamentos das Escrituras: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito (João1,1-3).”

“É isto mesmo que ensina o grande Moisés, como o mais antigo dos profetas, ao descrever, sob a inspiração do Espírito divino, a criação e a ordenação do universo: o Criador e fazedor do universo cedeu a Cristo e apenas a Cristo, seu divino e primogênito Verbo, o fazer os seres inferiores; e com Ele o vemos conversando acerca da formação do homem; disse também Deus: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênese1, 26)”.

“Fiador desta sentença é outro profeta, ao falar de Deus em certa passagem de hinos: “Pois ele falou, e foi feito; ele ordenou, e foi criado”, (Salmo 33,9). Introduz aqui o Pai e criador dispondo com gesto régio na qualidade de soberano absoluto, e o Verbo divino, não outro que o mesmo que nos foi anunciado, como segundo depois d’Ele e ministro executor das ordens paternas.”

“A este, já desde o alvorecer da humanidade, todos quantos nos foi dito que sobressaíram por sua retitude e sua religiosidade: os companheiros do grande servidor Moisés, e antes dele Abraão, o primeiro, assim como seus filhos e todos que mostraram justos e profetas, ao contemplá-lo com os olhos límpidos se sua inteligência, o reconhecem e renderam-lhe o culto devido como o Filho de Deus.

“E Ele mesmo, sem desviar em nada de sua piedade para com o Pai, tornou-se para todos o mestre do conhecimento do Pai. E assim lemos que o Senhor Deus foi visto por Abraão, que estava sentado no carvalhal de Manré, sob a forma de um homem comum. Abraão se prostra de pronto e, ainda que o olhe com seus olhos de homem, ainda assim o adora como Deus, suplica-lhe como Senhor e confessa saber de quem se tratava, ao dizer textualmente: ‘Senhor, tu que julgas toda a terra, não vais fazer justiça?’  (Gênese 18, 25)”

“Porque, se nenhuma razão pode admitir que a substância não criada e imutável de Deus todo-poderoso se transforme na forma de homem, nem que a aparência de homem  criado engane os olhos de quem vêem, nem que a Escritura forje enganosamente tais coisas, um Deus e Senhor que julga toda na terra e faz justiça, e que é visto sob a aparência de homem, nem se permitindo dizer de que se trata da causa primeira do universo, que outro poderia ser proclamado como tal, senão seu único e preexistente Verbo? Sobre ele também se diz nos salmos: “Mandou seu Verbo e os sanou e os livrou de sua corrupção” (Salmo107, 20).

“Moisés o proclama claramente segundo o Senhor depois do Pai quando diz: “Fez o Senhor chover enxofre e fogo, da parte do Senhor sobre Sodoma e Gomorra” (Gênese19, 24). Também a Sagrada Escritura o proclama Deus quando apareceu a Jacó ne figura de um homem e falou a ele dizendo: “Já não te chamarás Jacó, e sim, Israel, pois lutaste com Deus”, e então Jacó chamou aquele lugar “Visão de Deus”, dizendo: “Porque eu vi o Senhor face a face, e minha vida se salvou” (Gênese32, 28-30).

“E não se pode supor que estas aparições divinas mencionadas sejam de anjos inferiores e servidores de Deus, pois quando algum destes aparece aos homens, não se cala a Escritura, mas chama-os por seu nome, não Deus nem sequer Senhor, mas, anjos, como é fácil provar com incontáveis passagens.”

“E a este Verbo, Josué, sucessor de Moisés, depois de havê-lo contemplado não de outra maneira que em forma e figura de homem, chama-o príncipe do exército de Deus, como fazendo-o chefe dos anjos e arcanjos do céu e dos poderes superiores, e como sendo poder e sabedoria do Pai e a quem foi criado o segundo posto do reinado e do principado sobre todas as coisas.”

“Porque está escrito: “Estando Josué perto de Jericó, levantando os olhos, viu diante dele um homem que trazia na mão uma espada nua; chegou -se Josué a ele e disse-lhe: És tu dos nossos, ou dos nossos adversários? Respondeu ele: Eu sou o general do exército do Senhor; acabo de chegar. Então Josué prostrou sobre seu rosto na terra e disse-lhe: Que diz meu Senhor ao seu servo? Respondeu o general do exército do Senhor a Josué: Descalça as sandálias de teus pés, porque o lugar que estás é santo” (Josué5, 13-15).

“De onde, partindo das próprias palavras, observarás que este é o mesmo que se revelou a Moisés, pois efetivamente a Sagrada Escritura refere-se a ele nos mesmos termos: “Vendo o Senhor que ele se aproximava para ver, o Senhor, do meio da sarça, o chamou, e disse: Moisés, Moisés! Ele respondeu: Eis-me aqui. E disse o Senhor: Não te chegues para cá, tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa. E lhe disse: Eu sou o Deus de teu pai, Deus de Abraão, Deus de Isaque e de Jacó” (Êxodo 3, 4-6)

“E ao menos que há uma substância anterior ao mundo, viva e subsistente, que serviu de ajuda ao Pai e Deus do universo na criação de todos os seres, chamada Verbo de Deus e Sabedoria. Além das provas expostas, nos foi dado ouvi-lo da própria Sabedoria em pessoa que, pela boca de Salomão nos inicia claramente e seu próprio mistério: “Eu, a sabedoria, plantei minha tenda no conselho e invoquei o conhecimento e a inteligência; por meu intermédio reinam os reis, e os potentados administram justiça; por meu intermédio os grandes são engrandecidos; e por meu intermédio os soberanos dominam a terra” (Eclesiático24, 6-12; Provérbios8, 15-16).

  “Ao que se acrescenta: “O Senhor me criou como princípio de seus caminhos em suas obras, antes dos séculos assentou meus fundamentos. No princípio antes que fizesse o céu e a terra, antes que brotasse as fontes das águas, antes de firmar os montes e antes de todos os outeiros, engendrou a mim. Quando preparava os céus, eu estava com Ele; e quando tornava perenes os mananciais que estão sob o céu, eu estava com Ele a dirigir. Eu me sentava ali onde a cada dia Ele se agradava e me encantava estar diante d’Ele em toda ocasião, quando Ele se congratulava por ter terminado o universo”.

“Brevemente pois, está exposto que o Verbo divino existia antes de tudo, e também a quem apareceu, já que não o fez a todos.”

“Mas porque não foi isto ensinado antes, antigamente, a todos as nações, assim como é agora? Talvez possa explica-lo esta resposta: a vida primitiva dos homens era incapaz de encontrar um lugar para o ensinamento de Cristo, todo sabedoria e virtude.”

“De fato, logo no início, depois de seu primeiro tempo de vida feliz, o primeiro homem se afastou dos mandamentos divinos e lançou-se nesta vida mortal e perecível, trocando as delícias divinas do começo por essa terra maldita. E seus descendentes povoaram toda nossa terra, e com exceção de uns poucos aqui e ali, foram manifestadamente degenerando e chegaram a ter uma conduta própria de animais e uma vida intolerável.”

“Não lhes ocorria sequer pensar em cidades, nem em normas, nem em artes, nem ciências. De leis e juízos, assim como da virtude da filosofia não conheciam nem o nome. Como gente rude e selvagem, levavam vida nômade por lugares desertos. Com a excessiva maldade a que livremente se entregaram. Corrompiam o raciocínio natural e toda semente de inteligência e suavidade próprias da alma humana. E a tal ponto se entregavam sem reservas à toda iniquidade, que por vezes se corrompiam mutualmente, às vezes se matavam uns aos outros, ocasionalmente praticavam antropofagia, levaram sua ousadia até combater contra Deus e travar guerras de gigantes por todos conhecidas, e pensaram em fortificar a terra contra o céu e preparar-se, em seu louco desvario, para fazer guerra àquele que está sobre tudo”.

“Aos que levavam tal vida, Deus, que tudo controla, perseguiu com inundações e incêndios devastadores, como fossem uma floresta selvagem espalhada pela terra, e os abateu com fomes contínuas, com pestes e guerras, e ainda fulminando-os do alto, como se com estes remédios tão amargos tentasse eliminar uma espantosa e gravíssima enfermidade das almas.”

“Então, pois, quando estavam realmente ao ponto de chegar ao estupor da maldade, como de uma tremenda embriaguez que obscurecesse e afundasse em trevas as almas de quase todos os homens, a Sabedoria de Deus, sua primeira e primogênita criatura, o próprio Verbo preexistente, por um excesso de amor aos homens, se manifestou aos seres inferiores, algumas vezes por mio de visões de anjos e outras por si mesmo, como poder salvador de Deus, a alguns poucos varões amigos de Deus, e não de outra maneira que em forma de homem, a única que poderia aparecer para eles”.

“Mas uma vez que, por meio destes, a semente da religião se estendeu a uma multidão de homens, e surgiu dos primeiros hebreus da terra uma nação inteira que se apegou à religião, Deus, por meio do profeta Moisés, entregou a estes, como a homens que continuavam em seu antigo estilo de vida, imagens e símbolos de certo misterioso sábado e da circuncisão, e iniciou-os em outros preceitos espirituais, mas não lhes revelou o próprio mistério”.

“Mas a sua lei ficou famosa, e como a brisa perfumada difundiu-se entre os homens. Então, a partir deles, as mentes da maioria dos povos se foi suavizando por influência de legisladores e filósofos daqui e d’acolá, e a suavidade, ao ponto de chegarem a uma paz profunda, amizade e trato de uns para com os outros. Pois bem, assim é que finalmente, no início do império romano e por meio de um homem que em nada diferia de nossa natureza quanto à substâncias corporal, se manifestou a todos os homens e a todas as nações espalhadas pelo mundo considerando-os preparados e dispostos já a receber o conhecimento do Pai, aquele mesmo mestre de virtudes em pessoa, o colaborador do Pai em toda obra, o divino e celestial Verbo de Deus, e tão grandes coisas realizou e padeceu quantas  se achavam nas profecias; estas haviam proclamado de antemão que um homem e Deus ao mesmo tempo viria habitar nesta vida e realizaria maravilhas  e seria conhecido como mestre da religião do Pai para todas as nações; também haviam proclamado a maravilha de seu nascimento, a novidade de seus ensinamentos, suas obras admiráveis e, como se isto fosse pouco, a forma de sua morte, sua ressurreição de entre os mortos e sobretudo sua divina restauração nos céus.”

“Quando ao reinado final do Verbo, o profeta Daniel, contemplando-o sob influência do Espírito divino, sentiu-se divinamente inspirado e descreveu assim, bem no estilo humano sua visão: “Porque eu – disse – estava olhando até que foram colocados tronos, e um ancião de muitos dias se assentou. E sua roupa era alva como a neve, e seu cabelo como lã limpa; seu trono era uma chama de fogo, e suas rodas, fogo ardente. Um rio de fogo brotava diante d’Ele e milhares de milhares o serviam e miríades e miríades estavam diante d’Ele. Sentou-se no tribunal e se abriram os livros” (Daniel 7, 9-10).

“Após poucas linhas continua dizendo: “Eu estava olhando, e eis que vinha com as nuvens do céu um como um filho de homem que se dirigiu ao Ancião de muitos dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado o domínio e glória e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio eterno, não passará, e o seu reino não será destruído”.

“Pois bem, está claro que todas estas coisas não poderiam referir-se ao a outro que não fosse nosso Salvador, ao Deus-Verbo, que no princípio estava em Deus e que, por causa de sua encarnação nos últimos tempos foi chamado Filho do homem”.

“Mas fiquemos contentes com o que foi dito, para que a presente obra, pois em comentários especiais já reuni as profecias que tangem a Jesus Cristo, nosso Salvador, e em outros escritos dei uma melhor demonstração de tudo que expusemos acerca d’Ele”. 

 

De como os nomes de Jesus e de Cristo já eram conhecidos desde a antiguidade e honrados pelos profetas inspirados por Deus

[Das prefigurações do Antigo Testamento a respeito de Jesus Cristo]

 

“É chegado o momento de demonstrar que também entre os antigos profetas, amigos de Deus, já se honravam os nomes de Jesus e de Cristo”.

“Moisés mesmo foi o primeiro a conhecer o nome de Cristo cm o mais augusto e glorioso quando fez entrega de figuras, símbolos e imagens misteriosas das coisas do céu, conforme a voz que lhe dizia: “Vê, pois, farás todas as coisas segundo o modelo que te foi mostrado no monte”; e celebrando ao sumo sacerdote de Deus tanto quanto é possível a um homem, proclama-o Cristo. A esta dignidade do supremo sacerdócio, que para ele ultrapassa qualquer dignidade dos homens, sobre a honra e glória, adiciona o nome de Cristo. Portanto, ele conhecia o caráter divino de Cristo”.

“Mas o mesmo Moisés, por obra do Espírito divino, conhecia de antemão bem claramente também o nome de Jesus, considerando-o mesmo digno de um privilégio único. Na verdade, nunca havia pronunciado este nome entre os homens antes de ser conhecido por Moisés. Este aplica o nome de Jesus pela primeira e única vez àquele que, novamente conforme a figura e o símbolo, ele sabia que viria sucedê-lo depois de sua morte no comando supremo”.

“Nunca antes seu sucessor havia usado o nome de Jesus, mas era chamado de outro nome, Ausé, exatamente o que lhe haviam dado seus pais. Moisés deu-lhe o nome de Jesus como privilégio precioso, muito maior do que o de uma coroa real. Deu-lhe este nome porque, em realidade, o próprio Jesus, filho de Navé, era portador da imagem de nosso Salvador, o único que, depois de Moisés e depois de haver concluído o culto simbólico por ele transmitido, o sucederia no comando da verdadeira e sólida religião”.

“E desta maneira Moisés, dando-lhes a maior honra, aplicou o nome de Jesus Cristo nosso Salvador aos dois homens que, segundo ele, mais sobressaísse em virtude e glória sobre todo povo, a saber, o sumo sacerdote e aquele que haveria de sucedê-lo no comando”.

“Está claro também que os profetas posteriores anunciaram a Cristo por seu nome e deram testemunho adiantadamente, não apenas da conspiração do povo judeu que seria levantada contra Ele, mas também do chamamento que Ele faria a todas as nações. Uma vez será Jeremias, quando assim diz: “O espírito de nosso rosto, o Cristo Senhor, de quem havíamos dito: A sua sombra viveremos entre os povos, caiu o preso e suas armadilhas” (Lamentações4, 20). Outra vez será Davi, que exclama perplexo: “Por que se amotinaram as nações e os povos imaginaram planos vãos? Levantaram-se os reis da terra e os príncipes se uniram contra o Senhor e seu Cristo; e logo acrescenta, falando na própria pessoa de Cristo: “O Senhor me disse: Tu és meu filho, eu hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações em herança e os confins da terra em possessão”.

“Mas, deve-se saber que, entre os hebreus, o nome de Cristo não era ornamento apenas dos que estavam investidos do sumo sacerdócio eram ungidos simbolicamente com óleo preparado, mas também dos reis, que eram ungidos pelos profetas por inspiração divina e faziam deles imagens de Cristo, pois efetivamente estes reis já levavam em si mesmos a imagem do poder real e soberano do único e verdadeiro Cristo, Verbo divino, que reina sobre todas as coisas”.

“Além disso, a tradição nos faz saber igualmente que também alguns profetas foram convertidos em “Cristos”, figuradamente, por meio da unção com o óleo, de forma que todos estes fazem referência ao verdadeiro Cristo, o Verbo divino e celestial, único sumo Sacerdote do universo, único rei de toda criação e, entre os profetas, o único sumo Profeta do Pai”.

“Prova disto é que nenhum dos que antigamente foram ungidos simbolicamente; nem sacerdotes, nem reis, nem profetas, possuíram tão alto poder de virtude divina como está demonstrado que possuiu Jesus, nosso Salvador e Senhor, o único e verdadeiro Cristo”.

“Ao menos nenhum deles, por mais que brilhasse por sua dignidade e por sua honra entre os seus em tantas gerações, deu jamais o nome de cristãos aos seus súditos, aplicando-lhes figuradamente o nome de Cristo. Nem tampouco seus súditos renderam-lhes honra de culto, nem foi de nenhum deles a disposição de que após a sua morte estivessem preparados para morrer pelo mesmo a quem horavam. E por nenhum deles houve tamanha comoção de todas as nações do vasto mundo. E assim é, que a força do símbolo que havia neles era incapaz de operar como operou a presença da verdade demonstrada através de nosso Salvador”.

“Este não tomou de ninguém os símbolos e figuras do sumo sacerdócio, nem descendia, quanto à carne, de família sacerdotal, nem foi elevado à dignidade real por um corpo de guarda composto de homens; nem mesmo foi um profeta igual aos de antigamente nem obteve entre os judeus nenhuma precedência de honra ou de qualquer outro tipo; e, ainda assim, está adornado pelo Pai de todas estas prerrogativas, e não por figura, mas em verdade mesmo”.

“Assim, sem ter sido objeto de nada semelhante ao que descrevemos, está proclamado Cristo com mais razão que todos aqueles, e sendo Ele mesmo o único e verdadeiro Cristo de Deus, encheu o mundo inteiro de cristãos, isto é, de seu nome realmente venerável e sagrado. Já não são figuras e imagens o que Ele entrega a seus seguidores, mas as próprias virtudes em sua pureza e uma vida no céu com a própria doutrina da verdade”.

“E a unção que recebeu não foi preparada com substâncias materiais, mas algo divino pelo Espírito de Deus, por sua participação na divindade incriada do Pai. É justamente isto que ensinava Isaías quando clamava como se o fizesse com a própria voz de Cristo: “O espírito do Senhor está sobre mim, por isto me ungiu: e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, a apregoar os cativos à liberdade e aos cegos o ver de novo” (Isaías61,1).

“E não apenas Isaías. Também Davi dirige-se ao mesmo Cristo e lhe diz: “Teu trono é, ó Deus, eterno e para sempre; o cetro do teu reino, cetro de retidão. Amaste a justiça e odiaste a maldade, por isso ungiu Deus, o teu Deus, com óleo de alegria, mais que aos teus companheiros” (Salmo45, 6-7). Aqui, o primeiro versículo do texto o chama Deus; o segundo honra-o com o cetro real”.

“Em continuação, depois de seu poder divino e real, mostra o mesmo Cristo, em terceiro lugar, ungido não com óleo que procede de matéria física, mas com o óleo divino da alegria, representando sua excelência, sua superioridade e sua diferença em relação aos antigos, ungidos mais corporeamente e figuradamente”.

“Em outra passagem, o mesmo Davi revela coisas que referem a Cristo com estas palavras: “Disse o Senhor ao meu senhor: Senta-te à minha destra enquanto ponho teus inimigos sob teus pés” (Salmo110, 1). E também: “Do meu sei te criei antes do alvorecer. Jurou o Senhor e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Salmo110, 4).

“Pois bem, esse Melquisedeque aparece na Sagrada Escritura como sacerdote do Deus Altíssimo sem que fosse assinalado com algum óleo preparado e sem que fosse aparentado com o sacerdote hebreu por sucessão hereditária alguma. Por isso é que nosso Salvador é proclamado com juramento Cristo e Sacerdote segundo sua ordem e não segundo a de outros, que haviam recebido símbolos e figuras”.

“É por isso que a história tampouco nos transmitiu que Cristo tivesse sido ungido corporeamente entre os judeus, nem que tivesse nascido de uma tribo sacerdotal, pelo contrário, que recebeu seu ser de Deus mesmo antes do alvorecer, sito é, antes da criação do mundo, e que tomou posse de um sacerdócio imortal e duradouro pela eternidade sem fim”.

“Uma prova sólida e patente desta unção incorpórea e divina é que, de todos os homens de seu tempo, e dos que se seguiram até hoje, unicamente Ele, entre todos e no mundo inteiro, foi chamado e proclamado Cristo; somente a Ele reconhecem sob este nome, dão testemunho d’Ele e se recordam todos, tantos gregos, quanto bárbaros; e até hoje seus seguidores, espalhados por toda terra habitada, seguem dando-lhe honras de rei, honrando-o mais do que os profetas e glorificando-o como verdadeiro e único Sumo Sacerdote e nascido antes de todos os séculos, e por haver recebido do Pai as honras divinas, adoram-no como a Deus”.

“E o que é mais extraordinário: que aqueles que a Ele estamos consagrados não somente o horamos com voz e com palavras, mas também com a plena disposição da alma, ao ponto de estimar mais o martírio por Ele do que nossa própria vida”.

 

De quando Cristo se manifestou aos homens. 

 

“Bem, depois deste preâmbulo, necessário para a história eclesiástica a que me propus, só nos resta começar nossa espécie de viagem, partindo da manifestação de nosso Salvador em sua carne e depois de invocar a Deus, Pai do Verbo, ao mesmo Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor, Verbo celestial de Deus, como nossa ajuda e nosso colaborador na verdade da exposição”.

 

“Corria pois o ano 42 do reinado de Augusto, [nome completo: Caio Júlio César Otaviano Augusto (César Augusto)] e o vigésimo oitavo desde a submissão do Egito e da morte de Marco Antônio e Cleópatra (com o qual se extinguiu a dinastia egípcia dos Ptolomeus), quando nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Belém da Judeia, conforme as profecias a seu respeito, nos tempos do primeiro recenseamento, e sendo Quirino governador da Síria”.

“Este recenseamento de Quirino também é registrado pelo mais ilustre dos historiadores hebreus, Flavo Josefo, ao relatar outros feitos referente à seita dos galileus, surgida naquela ocasião, e a qual também é mencionada pelo nosso Lucas no livro dos Atos quando diz: “Depois deste levantou judas o galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo atrás de si. Também este pereceu, e todos os que o seguiram se dispersaram” (Atos5, 37). 

“A estas indicações o mencionado Josefo acrescenta literalmente no livro 18 de suas “Antiguidades” o seguinte: “Quirino, membro do senado, homem que havia desempenhado já outros cargos pelos quais passou, sem omitir um só, até chegar a cônsul e grande por sua dignidade em todos os demais, assumiu a Síria acompanhado por uns poucos, enviado por César como juiz da nação e censor dos bens”.

“E pouco depois diz: “Mas judas gaulanita – da cidade chamada Gaula –, tomando consigo a Sadoc, um fariseu, andava instigando à rebelião; dizia que o censo não conduziria outra coisa que não a escravidão declarada, e exortava o povo a aferrar-se à liberdade”.

“E sobre o mesmo escreve no livro 2 de suas “Histórias da guerra judaica”: “Por esse tempo certo galileu, chamado Judas, provocou a rebelião dos habitantes do país, reprovando-lhes a submissão ao pagamento do tributo aos romanos e ao submeter-se a amos mortais além de Deus”. Assim escreveu Josefo”. 

 

De como segundo as profecias, sem seus dias terminaram os reis por linha hereditária que regiam a nação judia e começou a reinar Herodes, o primeiro estrangeiro

 

“Foi nesse tempo que assumiu o reinado sobre o povo judeu, pela primeira vez, Herodes, de família estrangeira, e cumpriu-se a profecia feita por meio de Jeremias, que dizia: “Não faltará chefe saído de Judá nem governante nascido de sua carne até que chegue aquele para quem está reservado” (Jeremias33,17). E sinaliza-o como esperança das nações .”

    “Esta predição efetivamente não havia sido cumprida durante o tempo que ainda lhes era permitido viver sob governantes de sua própria nação, começando com o próprio Moisés e continuando até império de Augusto. Nos tempos deste é que pela primeira vez um estrangeiro, Herodes, se vê investido pelos romanos com o governo dos judeus: segundo nos informa Josefo, era um idumeu por parte de pai e árabe por parte de mãe. Mas, segundo Africanus – que não era mau historiador –, os que dão informação exata sobre Herodes dizem que Antípatro (este era seu pai) era filho de um certo Herodes de Ascalon, um dos chamados hieródulos, que servia no templo de Apolo.

“Este Antípatro, ainda criança, foi raptado por bandidos idumeus e viveu ele. Criado em meio a seus costumes, mais trade firmou amizade com Hircano, sumo sacerdote judeu. Dele nasceu Herodes dos tempos de nosso Salvador”.

“Tendo, pois, o reino judeu vindo às mãos de tal pessoa, a expectativa das nações, conforme a profecia, estava também à porta; havia desaparecido do reino os príncipes e mandatários descendentes por via de sucessão entre si do próprio Moisés”.

“Ao menos tinham reinado antes do cativeiro e da migração para a Babilônia, começando com Saul – o primeiro – e por Davi. E antes dos reis, foram governados por mandatários chamados de juízes, que tinham começado também depois de Moisés e de seu sucessor, Josué”.

“Pouco depois do regresso da Babilônia servira-se initerruptamente de um regime político de oligarquia aristocrática (eram os sacerdotes que estavam à frente dos assuntos), até que o general romano Pompeu atacou Jerusalém, assaltou à força e profanou os lugares santos entrando até a parte mais escondida do Templo. E aquele que até o momento havia mantido por sucessão hereditária, na qualidade de rei e de sumo sacerdote – chamava-se Aristóbulo – mandou acorrentado à Roma, junto com seus filhos, e entregou o sumo sacerdócio a seu irmão Hircano. A partir daquele momento o povo judeu inteiro tornou-se tributário dos romanos”.

“Desta forma, assim que Hircano, último a quem chegou à sucessão dos últimos sacerdotes, foi levado cativo pelos partos, o senado romano e o imperador Augusto colocaram a nação judia nas mãos de Herodes, o primeiro estrangeiro, como já foi dito”.

“Em seu tempo ocorreu visivelmente a vinda de Cristo e, segundo a profecia, seguiu-se a esperada salvação e vocação dos gentios. A partir deste tempo efetivamente, os príncipes e mandatários originários de Judá, quero dizer, os que vinham do povo judeu, desapareceram, e em seguida naturalmente viram perturbados também os assuntos do sumo sacerdócio, que então vinha sendo passado de modo estável de pais para filhos em cada geração”.

“Encontramos importante testemunho de tudo isso em Josefo, que explica como Herodes assim que os romanos lhe confiaram o reino, deixou de instituir sumos sacerdotes vindos da antiga linhagem, pelo contrário, distribuiu esta honra entre gente sem expressão. E diz ainda que a instituição dos sacerdotes Herodes foi imitado por seu filho Arquelau e depois dele pelos romanos, quando tomaram para si o governo dos judeus.”

“O mesmo Josefo explica como Herodes foi o primeiro a fechar sob seu próprio selo as vestimentas sagradas do sumo sacerdote, não permitindo mais aos sumos sacerdotes levá-las sobre si, e que o mesmo foi feito por seu sucessor Arquelau, e depois deste pelos romanos”.

“Tudo o que foi dito sirva como prova do cumprimento de outra profecia referente à manifestação de Jesus Cristo nosso Salvador. No livro de Daniel, a Escritura determina clara e expressamente um número de semanas até o Cristo príncipe – acerca do que fiz uma exposição detalhada em outras obras – e profetiza que, depois de cumprida estas semanas, seria extinta por completo a unção entre os judeus. Agora, pois demonstra-se claramente que isto se cumpriu com o nascimento de nosso Salvador Jesus Cristo. Sirva como exposição necessária para a verdade das datas”.

 

Explicação de Eusébio sobre a discrepância acerca da genealogia de Jesus Cristo, segundo os evangelistas Mateus e Lucas

 

“Posto que ao escrever seus evangelhos Mateus e Lucas nos transmitiram genealogias diferentes acerca de Cristo, que para muitos (até os nossos dias) parecem discrepantes, e como cada crente, por ignorância da verdade, se esforça por inventar sobre estas passagens, vamos adicionar considerações sobre este tema que chegaram a nós e que Africanus, mencionado a pouco, recorda em carta a Aristides. Acerca da concordância das genealogias nos evangelhos. Refuta as opiniões dos demais como forçadas e mentirosas, e expõe o parecer que recebem nestes mesmos termos: Porque efetivamente, em Israel os nomes das famílias se enumeram segundo a natureza e segundo a lei. Quando um morria sem filhos e seu irmão os engendrava para conservar o nome (a razão é que ainda não se havia dado uma esperança clara de ressurreição, e arremedavam a prometida ressurreição futura como uma ressurreição mortal, para que se perpetuasse o nome do falecido). Como queira, que os incluídos nesta genealogia uns se sucederam por via natural de pais a filhos, e os outros, ainda que gerados por uns, recebiam o nome de outros, de ambos os grupos se registra a memória: dos que foram gerados e dos que passaram por sê-lo”.

“Deste modo nenhum dos evangelhos engana: enumeram segundo a natureza e segundo a lei. De fato, duas famílias, que descendiam de Salomão e de Natã respectivamente, estavam mutuamente entrelaçadas por causa das ressurreições dos que haviam morrido sem filhos, das segundas núpcias e da ressurreição da descendência, de forma que é justo considerar os mesmos indivíduos em diferentes ocasiões filhos de diferentes pais, dos fictícios e dos verdadeiros, e também que ambas genealogias são estritamente verdadeiras e chegam até José por caminhos complicados, mas exatos”.

“Mas para que fique claro o que foi dito, vou explicar a transposição das linhagens. Que vai enumerando gerações a partir de Davi e através de Salomão encontra que o terceiro antes do final é Matã, o qual gerou Jacó, pai de José. Mas partindo de Natã, filho de Davi, segundo Lucas, também o terceiro para o final é Melqui, pois José era filho de Heli, filho de Melqui. Portanto, sendo José nosso ponto de atenção, deve-se demonstrar como nos é apresentado como seu pai um outro: Jacó, que traz sua linhagem de Salomão, e Heli, que descende de Natã; e de que modo, primeiramente os dois, Jacó e Reli, são irmãos; e ainda antes, como é que os pais deste Natã e Melqui, sendo de linhagens diferentes, aparecem como avós de José?”

“Assim é que Matã e Melqui se casaram sucessivamente com a mesma mulher e tiveram filhos, filhos de uma mesma mãe, pois a lei não impedia que uma mulher sem marido – porque este a houvesse repudiado ou porque houvesse morrido – se casasse com outro”.

“Pois bem, de Esta (pela tradição era assim que chamava a mulher), Matã, o descendente de Salomão foi o primeiro, gerando Jacó; tendo morrido Matã, causou-se a viúva com Melqui, cuja descendência remonta a Natã e que, sendo, como dissemos antes da mesma tribo, era de outra família. Este teve um filho: Heli”.

“E assim encontramos que, sendo de duas linhagens diferentes, Jacó e Heli são irmãos por parte de mãe. Morrendo Heli sem filhos, seu irmão Jacó casou-se com uma mulher, e dela teve um terceiro filho, José, o qual, segundo a natureza, era seu (e segundo o texto, pois por isso está escrito: ‘Jacó gerou a José’), mas, segundo a lei, era filho de Heli, já que Jacó, sendo seu irmão suscitou-lhe descendência”.

“Portanto, não se tirará autoridade a sua genealogia. Ao fazer tal enumeração o evangelista Mateus diz: ‘Jacó gerou a José; mas Lucas procede o contrário: O qual era segundo se cria (porque também acrescenta isso), filho de José que era filho de Heli, filho de Melqui. Não seria possível expressar mais corretamente o nascimento segundo a lei: vai remontando um a um até Adão, que foi de Deus, e até o final omite o “gerou”, para não o aplicar a este tipo de paternidade”. 

“E isto não está sem provas nem é improvado. Efetivamente, os parentes carnais do Salvador, por geração ou simplesmente pelo ensino, mas sendo verdadeiros em tudo, transmitiram também o que segue. Uns ladrões idumeus assaltaram Ascalon, cidade da Palestina; de um templo de Apolo, construído diante dos muros, levaram cativo, junto com os despojos, a Antípatro, filho de hieródulos chamado Herodes. Não podendo o sacerdote pagar o resgate por seu filho, Antípatro foi educado nos costumes idumeus, e mais tarde fez amizade com Hircano, o sumo sacerdote da Judéia”.

“Logo tornou-se embaixador junto a Pompeu em favor de Hircano, para quem conseguiu o reinol devastado por seu irmão Aristóbulo; e ele mesmo prosperou muito, pois logo conseguiu o título de epimeletés, da Palestina. A Antípatro, assassinado por inveja de sua grande fortuna, sucedeu seu filho Herodes, que mais tarde por decisão de Antônio e Augusto e por decreto senatorial, reinaria sobre os judeus. Este teve como filhos Herodes e os outros tetrarcas. Todos estes dados coincidem com as histórias dos gregos”.

“Além disso, estando escritas até então os arquivos as famílias hebreias, inclusive as que remontam aos prosélitos, como Aquior o amonita, Rute a moabita e os que saíram do Egito misturados aos hebreus, Herodes, por não ter nada com a raça dos israelitas e magoado pela consciência de seu baixo nascimento, fez queimar os registros de suas linhagens, acreditando que passaria por nobre, já outros também não poderiam remontar sua linhagem, apoiados em documentos públicos, aos patriarcas ou aos prosélitos ou aos chamados “geyoras”, os estrangeiros misturados”.

“Em realidade, uns poucos mais cuidadosos que tinham para si registros privados ou que se lembravam dos nomes ou haviam-nos copiado, se ufanavam se ter salvo a memória da nobreza. Ocorreu que entre estes estavam aqueles de que falamos antes, chamados despósinoi por causa de seu parentesco com a família do Salvador e que, desde as aldeias de Nazaré e Cocaba, visitaram o resto do país e explicaram a referida genealogia, começando pelo Livro dos Dias, até onde alcançaram”.

“Seja assim ou de outro modo, ninguém poderia encontrar uma explicação mais clara. Eu ao menos penso assim, e assim também todo aquele que tenha boa vontade. Ainda que não seja comprovada, ocupemo-nos dela, porque não é possível expor outra melhor e mais clara. Em todo caso, o Evangelho diz inteiramente a verdade”.

“E ao final desta mesma carta adiciona o seguinte: Matã, da linhagem de Salomão, gerou Jacó. Morto Matã, Melqui, o da linhagem de Natã gerou da mesma mulher a Heli. Portanto, Heli e Jacó são irmãos uterinos. Morto Heli sem filhos, Jacó dá-lhe uma descendência gerando a José, filho seu segundo a natureza, mas de Heli segundo a Lei. Assim é que José era filho de ambos”. Assim diz Africanus.

“Estabelecida desta maneira a genealogia de José, também Maria aparece junto a ele, obrigatoriamente, como sendo da mesma tribo, já que ao menos segundo a lei de Moisés, não era permitido misturar-se às outras tribos, pois é prescrita a união em matrimônio com um do mesmo povo e da mesma tribo, para que a herança familiar não rodasse de tribo em tribo. Que isso seja o bastante”.             

 

[Aqui Eusébio esclarece e afirma que não existe discrepância na narração das genealogias de Jesus Cristo escritas por Mateus e Lucas, apenas ambos seguiram linhas genealógicas diferentes, enquanto um descreve segundo a descendência por parte direta, ou seja, por natureza, o outro descreve a descendência de Cristo segundo a lei, conforme era comum entre a lei dos judeus.] 

 

O infanticídio cometido por Herodes e o seu fim catastrófico

 

“Nascido Cristo em Belém de Judá, conforme as profecias no tempo mencionado, Herodes, ante a pergunta doa magos vindos do Oriente que queriam saber onde se achava o nascido rei dos judeus – porque tinham visto sua estrela, e o motivo de sua viagem tão longa era seu empenho em adorar como Deus ao recém-nascido – , bastante perturbado pelo assunto, como se estivesse em perigo a soberania  - ao menos era o que ele realmente pensava –, depois de informar-se com os doutores da lei dentre o povo onde esperavam que haveria de nascer o Cristo, assim soube que a profecia de Miquéias indicava Belém, ordenou mediante um edito matar os meninos de peito de Belém e redondezas, de dois anos para baixo, segundo o tempo exato indicado pelos magos, pensando que também Jesus, como era natural, teria certamente a mesma sorte que os outros meninos de sua idade”.

“Mas o menino, levado para o Egito, adiantou-se ao plano: um anjo apareceu a seus pais indicando-lhe de antemão o que iria acontecer. Isto é, o que nos ensina a Sagrada Escritura do Evangelho”.

“Mas, além disso, é conveniente dar uma olhada na resposta pelo atrevimento de Herodes contra Cristo e os meninos de sua idade. Imediatamente depois, sem a menor demora, a justiça divina o perseguiu quando ainda transbordava de vida e lhe mostrou o prelúdio do que o aguardava para depois de sua saída desta vida”.

“Não é possível resumir as sucessivas calamidades domésticas com que se enevoou a suposta prosperidade de seu reino: os assassinatos de sua mulher, de seus filhos e pessoas muito próximas a sua família por parentesco ou por amizade. O que se pode supor a respeito disso deixa à sombra qualquer representação trágica. Josefo explica extensamente em seus relatos históricos”.

“Mas sobre um flagelo divino o arrebatou e ele começou a morrer já desde o momento em que conspirou contra nosso Salvador e contra os demais meninos, será bom escutar as palavras do próprio escritor, que no livro 12 de suas Antiguidades judaicas descreveu o final catastrófico da vida de Herodes como segue: A doença de Herodes fazia-se mais e mais virulenta. Deus vingava seus crimes”.

“Com efeito, era um fogo suave que não denunciava ao tato dos que apalpavam, um abrasamento como o que por dentro aumentava sua destruição; e logo uma vontade terrível de comer algo, sem que nada lhe servisse, ulcerações e dores atrozes nos intestinos, e sobretudo no ventre, com inchaço úmido e reluzente nos pés”.

“Em torno do baixo-ventre tinha uma infecção parecida; mais ainda, suas partes pudendas estavam podres e criavam vermes. Sua respiração era de uma rigidez aguda e extremamente desagradável pela carga de supuração e por sua forte asma; em todos os membros sofria espasmos de uma força insuportável”.

“Certo é que os adivinhos e os que tem sabedoria para predizer estas coisas diziam que Deus estava fazendo-se pagar pelas muitas impiedades do rei. Isto é o que o autor citado anota na mencionada obra”.

“E no livro segundo os relatos históricos nos dá uma tradição parecida acerca do mesmo assunto, escrevendo assim: Então a enfermidade de apoderou de todo seu corpo e foi destroçando-o com vários sofrimentos. A febre na verdade, era fraca, mas era insuportável a comichão em toda superfície do corpo, as dores contínuas no ventre, os edemas dos pés, como de um hidrópico, a inflamação do baixo-ventre e a podridão verminosa de suas partes pudendas, ao que deve acrescentar a asma, a dispneia e espasmos em todos seus membros, ao ponto de os adivinhos dizerem que estes sofrimentos eram castigos”.

“Mas, ele mesmo lutando com tais padecimentos, ainda aferrava à vida, e esperando salvar-se imaginava curas. Atravessou o Jordão e utilizou águas termais de Calirroe. Estas vão desaguar no mar do Asfalto, e como são doces são também potáveis”.

“Ali os médicos decidiram aquecer com azeite quente todo seu purulento corpo em banheira cheia de azeite; desmaiou e revirou os olhos, como se estivesse acabado. Armou-se grande alvoroço entre os criados, e como o ruído voltou a si. Renunciando desde então à cura, mandou distribuir a cada soldado 50 dracmas e muito dinheiro aos chefes e a seus amigos”.

“Regressou então e chegou à Jericó, já vítima da melancolia e ameaçado pela morte. Pôs-se a tramar uma ação criminosa. De fato, fez reunir notáveis de cada aldeia de toda Judeia e mandou encerrá-los no chamado hipódromo”.

“Chamando depois sua irmã Salomé e seu marido Alexandre disse: “Sei que os judeus estão festejando a minha morte, mas posso ainda ser pranteado por outros a ter funerais esplêndidos se vocês atenderem minhas ordens. Assim que eu expirar, fazei com que cada um dos homens aqui detidos seja imediatamente cercado de soldados e fazei com que os matem, para que a Judeia inteira e cada casa, ainda que à força chore por mim”.

E um pouco mais adiante diz: “Depois, torturado também pela falta de alimento e por uma tosse espasmódica e abatido pelas dores, tramava antecipar sua hora fatal. Pegou uma maçã e pediu uma faca, pois tinha o costume de cortá-la para comê-la. Depois, olhando em volta por medo de que houvesse alguém para impedi-lo, levantou sua mão direita com a intenção de ferir-se”.

“Além destes detalhes, o mesmo escritor refere que, antes de morrer de todo, mandou que matassem outro de seus filhos legítimos, terceiro que somou aos outros dois já assassinados anteriormente, e no mesmo momento. De repente e entre enormes dores, expirou”.

“Assim foi o final de Herodes (o grande), justo e merecido pelo infanticídio perpetrado em Belém por atentar contra nosso Salvador. Depois disto, um anjo se apresentou em sonhos a José, que vivia no Egito, e ordenou-lhe partir com o menino e sua mãe para a Judeia, explicando que estavam mortos o que buscavam a morte do menino, ao que acrescenta o evangelista: “Porém, vindo que Arquelau reinava no lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá, mas avisados em sonhos, retirou-se para a região da Galileia”.

Fonte: História Eclesiástica  de Eusébio de Cesaréia 

                                

 

                                   

 

           

                               

              

             

             

            

                                                 

                                                                                    

                            

      

      

     

               

                     

          

  

      

                                         

     

              

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