Quem foi São Gregório Mágno?
Papa Gregório I (em latim: Gregorius I;
originalmente Gregório Anício, em latim: Gregorius Anicius), conhecido
como Gregório Magno ou Gregório, o Grande foi Papa entre 3 de setembro de 590 e
sua morte, em 12 de março de 604.
É conhecido principalmente por
suas obras, mais numerosas que as de seus predecessores. Gregório é
também conhecido como Gregório, o Dialogador na Ortodoxia por causa de seus "Diálogos" e é
por isso que seu nome aparece em algumas obras listado como "Gregório
Dialogus". Foi o primeiro papa a ter sido monge antes
do pontificado.
Gregório é reconhecido como
um Doutor da Igreja e um dos Padres latinos. É também venerado como santo por católicos, ortodoxos, anglicanos e alguns luteranos. Foi canonizado assim que morreu, por aclamação popular, como
era o costume. O reformador protestante João Calvino admirava Gregório e declarou em seus "Institutos" que ele teria sido o "último
bom papa".
A data exata do nascimento de
Gregório é incerta, mas estima-se que tenha ocorrido por volta do ano 540 em Roma. Seus pais o batizaram Gregorius,
um nome que, segundo Elfrico de Abingdon (Ælfric) em sua "Uma Homilia sobre o Nascimento de São
Gregório" "...é grego e significa, na língua latina, 'vigilantius', que em inglês se
traduz como 'watchful' [vigilante em português] ...".
Autores medievais seguem também
esta mesma etimologia e
não hesitam em aplicar seu significado à vida de Gregório. Elfrico, por
exemplo, conta que "era muito diligente [em sua obediência]
aos mandamentos de Deus". Na realidade, o nome deriva de um termo do Novo Testamento, "grēgorein",
que significa um "aspecto presente e contínuo do ato ser vigilante em não
abandonar Cristo" e deriva de um termo mais antigo, "egrēgora",
que significa "despertado do sono", derivado por sua vez de "egeirein",
"acordar alguém"
Gregório nasceu numa rica
família patrícia romana
que tinha relações muito estreitas com a Igreja. Seu pai, Gordiano (Gordianus),
que já havia servido como senador e prefeito urbano, era um "regionarius" na Igreja, embora quase
nada se saiba sobre a função. Sua mãe, Sílvia, era bem nascida e tinha uma
irmã casada, Patéria, na Sicília. Ela e duas irmãs, tias de
Gregório, são veneradas como santas por católicos e ortodoxos.
O trisavô de Gregório também
havia sido papa, com o nome de Félix III, candidato do rei ostrogodo Teodorico, o Grande. A eleição de Gregório ao bispado de Roma transformou sua família na
mais distinta dinastia clerical de sua época.
A família morava numa villa suburbana no Monte Célio na mesma rua – atualmente
chamada de "Via di San Gregório" - onde estavam os
palácios dos imperadores
romanos, estes
do lado oposto, no Monte Palatino.
Ela ligava o Coliseu, no norte, ao Circo Máximo, no sul. Na época de Gregório,
os edifícios antigos estavam em ruínas e eram propriedades privadas; villas se
espalhavam por toda a região. A família de Gregório também tinha fazendas na
Sicília e nas vizinhanças de Roma Gregório posteriormente mandaria pintar
retratos da família na forma de afrescos em sua casa no Monte Célio e estes
foram descritos mais de 300 anos depois por João, o Diácono.
Gordiano era alto, de rosto
alongado, barbado e tinha olhos brilhantes. Sílvia era também alta, mas de
rosto redondo, olhos azuis e semblante alegre. Pela descrição, o casal tinha
também um outro filho do qual não sabemos sequer o nome.
O período em que Gregório nasceu
era de grandes reviravoltas na Itália. A partir de 542, a chamada "Praga de Justiniano" arrasou as províncias imperiais, provocando fome, pânico generalizado e, por
vezes, revoltas populares. Em algumas regiões, até um terço da população morreu,
provocando profundos traumas emocionais e espirituais nos sobreviventes.
Politicamente, embora o Império Romano do Ocidente já tivesse há muito desaparecido, durante a década de 540 toda a península itálica foi sendo gradualmente retomada pelo imperador bizantino Justiniano I de seus governantes godos. Como as batalhas ocorriam principalmente no norte, o jovem Gregório provavelmente nunca presenciou os horrores da guerra. Totila saqueou e depopulou Roma em 546, assassinando quase toda a população que ainda vivia ali, mas, três anos depois, convidou os poucos sobreviventes a retornarem para as ruas vazias e arruinadas da cidade. Pressupõe-se que a família de Gregório se refugiou em suas terras na Sicília durante este período e retornou quando Totila permitiu.
Politicamente, embora o Império Romano do Ocidente já tivesse há muito desaparecido, durante a década de 540 toda a península itálica foi sendo gradualmente retomada pelo imperador bizantino Justiniano I de seus governantes godos. Como as batalhas ocorriam principalmente no norte, o jovem Gregório provavelmente nunca presenciou os horrores da guerra. Totila saqueou e depopulou Roma em 546, assassinando quase toda a população que ainda vivia ali, mas, três anos depois, convidou os poucos sobreviventes a retornarem para as ruas vazias e arruinadas da cidade. Pressupõe-se que a família de Gregório se refugiou em suas terras na Sicília durante este período e retornou quando Totila permitiu.
A guerra contra os godos terminou em Roma em 552 e uma nova invasão,
desta vez pelos francos, foi
derrotada em 554. A partir daí, a paz se instaurou na Itália e uma restauração aparente
começou, com a diferença que, desta vez, o monarca vivia em Constantinopla.
Como a maioria dos jovens de
status similar na sociedade romana, Gregório recebeu uma excelente educação,
aprendendo gramática, retórica, as ciências clássicas, literatura e direito, destacando-se em todas.
Gregório de Tours relatou que "em gramática, dialética e retórica...não tinha rivais...".
Gregório conseguia escrever
o latim corretamente, mas não sabia ler e nem escrever o grego. Conhecia além disso as obras
dos principais autores latinos, história, matemática, música e tinha tamanha "fluência
no direito imperial" que é possível que sua educação
servisse "como preparação para uma carreira no serviço
público". E, de fato, Gregório logo tornou-se um funcionário do
governo e ascendeu rapidamente na hierarquia, tornando-se, como o pai, prefeito urbano de Roma, o mais alto posto civil na cidade, com apenas 33
anos de idade.
Os monges do Mosteiro de Santo André,
fundado nas terras da família de Gregório no Monte Célio, tinham um retrato de
Gregório feito logo depois de sua morte e que João, o Diácono, também viu no
século IX. Conta que era uma pintura de um homem ''um pouco careca" com
uma barba "amarelada" como a de seu pai e um rosto
que era de formato intermediário entre o de sua mãe e de seu pai. O cabelo nos
lados da cabeça eram longos e cuidadosamente cacheados. Seu nariz era "fino
e reto" e "levemente aquilino". "Sua
testa era alta" e tinha lábios grossos e "subdivididos",
um queixo "de graciosa proeminência" e "belas
mãos".
Vida monástica
Quando seu pai morreu, Gregório
converteu a villa da família num mosteiro dedicado a Santo André.
Posteriormente, depois de sua própria morte, o local seria rededicado e rebatizado
como San Gregório Magno al Celio.
Sobre a vida contemplativa, Gregório afirmava que "naquele silêncio do coração,
enquanto permanecemos vigilantes no interior através da contemplação, estamos
como que dormindo para tudo que está no exterior".
Porém, é possível que Gregório
nem sempre tenha sido tão complacente ou agradável em seus anos como monge.
Conta-se que, certa vez, um monge moribundo confessou ter roubado três moedas
de ouro. Gregório, implacável, obrigou-o a morrer sozinho e sem amigos e depois
atirou seu corpo, com as moedas, numa pilha de esterco para apodrecer,
amaldiçoando-o: "Leva teu dinheiro contigo para a perdição!"Gregório
acreditava que mesmo no leito de morte, a punição pelos pecados cometidos deve
ser severa, mas, seus atos tinham por objetivo ajudar o monge a se arrepender
de seus pecados.
A penitência de fato ajudou-o em seu
arrependimento e, depois do incidente, Gregório ofereceu 30 missas em sua
memória para ajudar sua alma antes do juízo final, como era o costume. O monge
depois apareceu para
seu irmão, afirmou ter sido libertado e que estava no céu. Em
algum momento neste período, o papa Pelágio II ordenou-o diácono e pediu sua ajuda para
tentar resolver a controvérsia dos Três Capítulos, que já provocara um cisma no norte da Itália, uma
tarefa que Gregório não conseguiu realizar com sucesso.
Gregório nutria um profundo
respeito pela vida monástica e entendia o monge como
estando numa "busca ardente pela visão de nosso Criador". Suas
três tias paternas eram freiras famosas por sua santidade.
Porém, depois que as duas mais velhas faleceram após terem tido uma visão
do papa Félix II, um
ancestral da família, a mais nova abandonou a vida religiosa e se casou com o
administrador de suas terras. Gregório lamentou o escândalo na família
afirmando que "muitos são chamados, mas poucos são
escolhidos".
Apocrisiário (579–585) Em 579, Pelágio II escolheu
Gregório como seu apocrisiário (embaixador papal na corte
imperial em Constantinopla –
equivalente à função moderna do núncio apostólico), posto que ocuparia até 586.
No ano anterior, Gregório havia participado da delegação romana
(composta por leigos e clérigos) que chegou à capital para pedir ajuda militar
contra os lombardos ao
imperador. Com o exército bizantino focado na guerra contra os sassânidas, a missão fracassou. Em 584, com
Gregório já morando em Constantinopla, Pelágio escreveu-lhe detalhando as
dificuldades pelas quais Roma passava sob o controle dos lombardos e pedindo
novamente ajuda ao imperador Maurício.
O imperador, porém, estava determinado a limitar seus esforços contra os
lombardos à intriga e à diplomacia,
conspirando para atirar os francos contra eles. Logo
ficou claro para Gregório que os imperadores bizantinos dificilmente enviariam
um exército para a Itália por causa dos problemas mais imediatos que
enfrentavam com os sassânidas no oriente e com os ávaros e eslavos nos Bálcãs.
De acordo com Ekonomou, "se
a principal missão de Gregório era defender a causa de Roma perante o
imperador, parecia haver muito pouco a ser feito uma vez que a política
imperial em relação à Itália era evidente. Representantes do papa que
pressionassem com excessivo vigor em prol de suas demandas corriam o risco de
subitamente serem excluídos completamente da companhia do imperador".
Gregório
já havia sido repreendido uma vez por suas extensas obras canônicas sobre a
legitimidade de João III Escolástico, que havia ocupado a função de patriarca de Constantinopla por doze anos até o retorno
de Eutíquio, que havia sido deposto por Justiniano. Gregório
passou então a criar laços com a elite bizantina da cidade e tornou-se
extremamente popular na classe mais alta, "especialmente entre as
mulheres da aristocracia"
Ekonomou conclui que "apesar
de Gregório possivelmente ter se tornado um pai espiritual para um grande e
importante segmento da aristocracia de Constantinopla, estas relações não
avançaram de forma significativa os interesses de Roma perante o
imperador". Embora as obras de João, o Diácono, alegarem que
Gregório "trabalhou diligentemente para a libertação da
Itália", não existem evidências de que ele tenha conseguido ajudar
Pelágio II em seus objetivos.
As disputas teológicas de
Gregório com o patriarca Eutíquio deixariam para sempre um "sabor
amargo em relação à especulação teológica do oriente" em Gregório
que continuaria a influenciá-lo por toda a vida.
De acordo com fontes
ocidentais, o debate público dos dois culminou numa discussão perante Tibério II na qual Gregório citou uma
passagem bíblica ("Palpate et videte, quia spiritus carnem et ossa non
habet, sicut me videtis habere" – «Apalpai-me e vede,
porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho.» (Lucas 24:39)) para defender sua posição de
que Cristo tinha um corpo palpável depois de sua ressurreição; por
causa disto, Tibério teria supostamente ordenado que as obras de Eutíquio fossem
queimadas Ekonomou acredita que esta discussão, apesar de exagerada nas
fontes ocidentais, foi "uma das conquistas de um 'apocrisiariado'
até então infrutífero".
A realidade é que Gregório
foi forçado a utilizar as Escrituras por que não era capaz de
ler as obras autoritativas sobre o tema, que ainda não haviam sido traduzidas
do grego para o latim.
Gregório deixou Constantinopla e
voltou para Roma em 585 para viver em seu mosteiro no Monte Célio. Em 590,
foi eleito por aclamação para suceder a Pelágio II, que morrera em mais
uma epidemia de peste que assolava a
cidade. Aprovado por um iussio imperial de Constantinopla (uma prática comum
durante o período chamado de "Papado Bizantino", o auge da influência
imperial sobre Roma) em setembro, ascendeu ao trono papal no mesmo ano.
Papado - 590–604
Apesar de decidido a passar o
resto da vida em contemplação num mosteiro, Gregório acabou sendo forçado a
retornar para o cenário político, algo que, embora amasse, não mais desejava
fazer. Em textos de todos os tipos, especialmente os escritos durante seu
primeiro ano como papa, reclamou do peso do cargo e lamentou a perda da vida de
oração, sem perturbações, que tinha como monge. Quando tornou-se papa,
entre seus primeiros atos estava o envio de uma série de cartas repudiando
qualquer ambição em relação ao trono de Pedro e elogiando a vida contemplativa
dos monges.
Na época, por diversas razões,
a sé de Roma não
exercia efetivamente a liderança eclesiástica no ocidente, uma situação que já
vinha desde o papado de Gelásio I no final do século V.
Os bispos da Gália estavam sob forte
influência das poderosas famílias proprietárias de terras na região e se
identificavam com elas: o âmbito paroquial do contemporâneo de Gregório, Gregório de Tours, pode ser considerado típico; na Espanha visigótica, os bispos tinham pouquíssimos contatos com Roma; na Itália, os
territórios que de fato estavam
sob administração papal estavam ameaçados pelos violentos duques lombardos e
pela rivalidade dos judeus no Exarcado de Ravenae no sul.
Credita-se a Gregório a
re-emergência da obra missionária da Igreja entre os
povos pagãos do norte da Europa. Uma das mais famosas, chamada
geralmente de "Missão Gregoriana", foi liderada por Agostinho de Cantuária, o prior do Mosteiro de Santo André
(e, possivelmente, o sucessor de Gregório na função), e tinha por objetivo
evangelizar os anglo-saxões das ilhas britânicas.
A missão teve grande sucesso e foi de lá que missionários depois
partiram para cristianizar os
territórios modernos dos Países Baixos e da Alemanha. A pregação da fé católica e a
eliminação de quaisquer desvios era um dos elementos-chave da visão de mundo de
Gregório e era parte importante das políticas permanentes de seu pontificado.
De acordo com a Enciclopédia Católica, ele foi declarado santo logo que morreu por
"aclamação popular".
Em seus documentos oficiais,
Gregório foi o primeiro a fazer uso frequente do termo "Servo dos Servos de Deus" (Servus Servorum Dei)
como título papal,
iniciando um costume que seria seguido por todos os seus sucessores.
Esmolas
Gregório é conhecido pela sua
administração das obras de caridade dedicadas aos pobres de Roma,
principalmente os refugiados tentando escapar das invasões dos lombardos. A filosofia que norteava o
trabalho era de que a riqueza da Igreja pertencia a eles e ela seria apenas a
zeladora. Ele recebeu vultosas doações das famílias mais ricas de Roma que,
seguindo seu exemplo, estavam ansiosas para expiar seus pecados perante Deus. Gregório
dava esmolas tanto individualmente
quanto para grupos inteiros; sobre isso, escreveu:
“Eu frequentemente encarreguei vocês... a agirem como meus
representantes... para aliviar o sofrimento dos pobres...”
“...Eu ocupo o oposto de zelador da propriedade dos pobres...”
A igreja recebia doações de
diversas maneiras diferentes: itens consumíveis, como roupas e alimentos;
edifícios e obras de arte; fontes de renda como os latifúndios sicilianos - tocados por escravos - doados por Gregório e sua família. A Igreja
já tinha um sistema implantado para circular os itens consumíveis: em
cada paróquia havia
um diaconium, o escritório do diácono, que se situava num edifício no
qual os pobres se candidatavam a receber ajuda
Objetos
utilizados por Gregório
O "triclínio dos pobres" (Triclinium
pauperum), supostamente a mesa que Gregório utilizava para cear com os
indigentes. Oratório de Santa Bárbara.
Quando Gregório tornou-se papa em
590, a Itália romana encontrava-se
em ruínas. Os lombardos já controlavam a maior parte da península e seus
constantes ataques praticamente paralisaram a economia. Naquele momento, eles
estavam acampados à frente dos portões de Roma e a cidade estava lotada com
refugiados de todos os tipos, vivendo nas ruas sem nenhuma condição de saúde ou
alimentação. A sede do governo, Constantinopla, estava muito distante e parecia
incapaz de aliviar o sofrimento da população local. Diversos papas enviaram
emissários pedindo ajuda, inclusive Gregório, mas sem resultado.
Recém-eleito, Gregório
redirecionou os recursos da Igreja para conseguir administrar as ações de
ajuda. Ao fazê-lo, demonstrou tanto seu talento quanto sua compreensão
intuitiva dos princípios de contabilidade, que só seria inventada séculos
depois. Ele passou a exigir agressivamente que seus clérigos fossem atrás de
pessoas precisando de ajuda e os repreendia quando percebia que não estavam
fazendo isso. Numa carta enviada a um subordinado na Sicília, ele escreveu:
“Eu lhe pedi acima de tudo que cuidasse dos pobres. E sr você sabia de
pessoas vivendo na pobreza, deveria ter avisado...”
“... É meu desejo que você dê à mulher, Pateria, quarenta soldos para
compra de calçados infantis e quarenta celemins de cereais...”
- Papa Gregório Magno -
Logo Gregório passou a substituir
administradores que não queriam cooperar e a contratar mais para cumprir o
plano que tinha em mente. Além disso, ele sabia bem que as despesas deveria ser
compensadas por um aumento de receita e, para pagá-las, liquidou diversos
investimentos da Igreja em terras, registrando todas as transações nos
registros eclesiásticos. O clero era pago quatro vezes por ano e todos
receberam uma moeda de ouro pelo esforço adicional.
Dinheiro, porém, não substituía
comida numa cidade que estava a beira de uma grande carestia. Até mesmo os ricos já sofriam
em suas villas. A igreja possuía na época entre 3 400 e
4 700 km2 de terras agricultáveis gerando receitas
divididas em grandes blocos chamados "patrimonia". Elas
produziam todo tipo de bens para serem vendidos, mas Gregório interveio e
ordenou que eles fossem todos enviados para Roma para serem distribuídos
às diaconias. Ordenou também que a produção
fosse aumentada, estabelecendo metas e criando uma estrutura administrativa
para garantir que seriam cumpridas. Cereais, vinho, queijo, carne, peixe e
azeite começaram a chegar a Roma em grandes quantidades e tudo era doado na
forma de esmolas.
A distribuição ocorria
mensalmente e, para atender aos que estavam doentes demais para receber sua parte,
Gregório criou um pequeno exército de voluntários, principalmente monges, que levavam comida quente a
eles diariamente. Contava-se que o próprio Gregório só jantava depois de
assegurar que todos os indigentes haviam sido alimentados. E, ainda assim,
dividia a mesa de sua família (que ele guardara e que ainda existe) com doze
indigentes convidados. Aos necessitados de famílias ricas, Gregório enviava
refeições que ele mesmo preparava na forma de presentes, preservando-os da
indignidade de receber caridade. Certa ocasião, ao saber da morte de um
indigente em sua casa, ficou deprimido por dias, e cogitou por um tempo a noção
de que teria, de alguma forma, fracassado em suas responsabilidades e seria,
por isso, um assassino.
Por conta disto tudo, Gregório
conquistou completamente as mentes e corações dos romanos, que agora viam no
papado uma forma de governo e passaram a ignorar a arrogância de
Constantinopla, que tinha apenas desrespeito a oferecer a Gregório, chamando-o
de tolo por seus contatos pacíficos com os lombardos. O cargo de prefeito urbano de Roma ficou por muito tempo sem candidatos e, da
época de Gregório até a ascensão do nacionalismo italiano, o papado permaneceu como o poder
mais influente na Itália.
Obras:
As Reformas:
Papa Gregório, o Grande.
João, o Diácono, escreveu que Gregório realizou
uma reforma geral da liturgia da missa pré-tridentina, "removendo muitas coisas, alterando umas poucas,
adicionando algumas". Em suas cartas, Gregório afirma ter movido
o Pater Noster ("Pai Nosso") para logo depois do Cânon Romano, imediatamente antes da Fração do pão, uma posição que ainda ocupa
atualmente na liturgia romana. A posição ocupada antes é evidente no rito ambrosiano, utilizado ainda por algumas
igrejas. Gregório acrescentou material ao Hanc Igitur do Cânon e criou os
nove Kyries (um resquício das
antigas litanias que eram
recitadas na missa na época) no começo da missa.
Finalmente, ele reduziu o papel dos diáconos na liturgia romana.
Sacramentários diretamente influenciados
pelas reformas gregorianas são chamados de "Sacrementaria
Gregoriana". Com o aparecimento deles, a liturgia ocidental passou a ter
características específicas que a distingue das tradições litúrgicas orientais.
Em contraste com os geralmente invariáveis textos litúrgicos orientais, os
romanos e outros ritos ocidentais desde a época de Gregório apresentam uma
série de orações que mudam para refletir a festa ou a época litúrgica.
Na Igreja Ortodoxa, credita-se a Gregório a
compilação da Divina Liturgia
dos Dons Pré-santificados.
Canto gregoriano
A principal forma de cantochão ocidental, padronizada no
final do século IX, é creditada ao papa Gregório Magno e, por isso,
recebeu o nome de "canto gregoriano". Esta atribuição remonta à hagiografia de Gregório escrita
por João, o Diácono, em 873, quase três séculos
depois de sua morte, segundo a qual o canto que leva seu nome "é o
resultado da fusão de elementos romanos e francos ocorrida durante o império
franco-germânico controlado por Pepino, Carlos Magno e seus sucessores".
Literatura
Manuscrito dos "Diálogos"
Das obras literárias de São Gregório encontramos também o Segundo Livro dos diálogos referente à
vida de São Bento de Nurcia.
Séc. XI ou XII. Preservado no Archivo Capitolare em Módena, Itália.
Gregório é geralmente citado como o fundador do papado medieval e, por
isso, muitos atribuem a ele o começo da espiritualidade medieval. Ele é o
único papa entre os séculos V e XI cuja correspondência sobreviveu em
quantidade suficiente para que se forme um corpus de seu
pensamento. Entre os textos de Gregório estão:
"Comentário sobre Jó", conhecido também por seu
título.
Latino, "Magna Moralia" ou
ainda como "Moralia de Jó", uma das mais longas
obras patrísticas;
possivelmente já estava terminada em 591. Baseia-se nas pregações de Gregório sobre
o Livro de Jóao seus
irmãos que o acompanharam a Constantinopla. A versão que conhecemos hoje é o
resultado da revisão de Gregório e foi completada logo depois de sua ascensão
ao trono papal.
"Liber regulae pastoralis" ("Livro da Regra
Pastoral"/"A Regra dos Pastores"), conhecido também
como "Regula Pastoralis", uma obra na qual Gregório
contrasta o papel dos bispos como pastores de seus rebanhos com a posição deles
como nobres da igreja: a afirmação definitiva do cargo episcopal. Esta obra
provavelmente iniciou antes de sua eleição como papa e terminou em 591.
"Diálogos", uma coleção de quatro
livros de milagres, sinais,
maravilhas e curas realizadas por homens santos, geralmente monges, da Itália
do século VI. O segundo livro é totalmente dedicado a São Bento.
"In Librum primum regum
expositio" ("Comentário
sobre I Reis")
Diversos sermões, incluindo:
22 Homilae in
Hiezechielem ("Homilias sobre Ezequiel"), que
tratam de Ezequiel 1:1 até Ezequiel 4:3 no livro 1 e Ezequiel 40:1-49 no livro 2. Eles foram
pregados entre 592 e 593 durante o cerco lombardo à cidade e contém alguns dos
mais profundos ensinamentos místicos de
Gregório. Ele próprio revisou a obra oito anos depois.
As Homilae xl in
Evangelia ("Quarenta Homilias sobre o Evangelho") para serem
utilizadas durante o ano litúrgico, pregadas entre 591 e 592, obra
que, aparentemente, estava concluída em 593.
Um fragmento de papiro deste códex sobreviveu e está
preservado no Museu Britânico, em Londres.
"Expositio in Canticis
Canticorum", sobre
o Cântico dos Cânticos. Apenas dois sermões sobreviveram, cobrindo o trecho até Cantares 1:9.
Cópias de 854 cartas sobreviveram
também. Durante a vida de Gregório, cópias de cartas papais eram regularmente
feitas por escribas e compiladas num registrum que, por sua
vez, era abrigado no scrinium. Sabe-se que, no século IX, quando
João, o Diácono, escreveu a "Vita"de Gregório, o registrum das
cartas de Gregório abrangia quatorze rolos de papiro (é muito difícil
estimar quantas cartas esta quantidade de rolos representa). Apesar de estes
rolos terem se perdido, as cartas sobreviveram em cópias posteriores, o maior
grupo, abrangendo 686 delas, copiado por ordem do Papa Adriano I (r. 772-795). A
maioria das cópias, datando dos séculos X ao XV, estão preservadas na Biblioteca do Vaticano.
Controvérsia com Eutíquio
Em Constantinopla, Gregório entrou numa grande discussão com o já
idoso patriarca Eutíquio, que havia publicado um tratado, hoje perdido,
sobre a ressurreição dos mortos. Nele, defendia que o corpo ressuscitado "será
mais sutil que o ar e não mais palpável".
Gregório discordava e contrapôs a
palpabilidade do próprio Cristo ressuscitado declarada em Lucas 24:39; Como a disputa não arrefecia,
o imperador bizantino Tibério II se
propôs a arbitrá-la e acabou decidindo pela palpabilidade, ordenando que a obra
de Eutíquio fosse queimada. Logo depois, ambos ficaram doentes e, enquanto
Gregório se recuperou, Eutíquio morreu em 5 de abril de 582, aos setenta anos.
Em seu leito de morte, Eutíquio renegou a impalpabilidade e Gregório abandonou
a controvérsia. Tibério morreu logo depois de Eutíquio.
Frases e situações famosas
"Non
Angli, sed angeli!" ("Não são anglos, são anjos!") teria exclamado Gregório
quando viu escravos anglos num
mercado. O evento inspirou-o a enviar a missão gregoriana, liderada por Santo Agostinho de Cantuária, para cristianizar a
Inglaterra.
Mosaico na Capela de São Gregório e Santo Agostinho na Catedral de Westminster, em Londres.
Mosaico na Capela de São Gregório e Santo Agostinho na Catedral de Westminster, em Londres.
"Non Angli, sed angeli" ("Não são anglos, mas anjos") - um aforismo que sumariza o que teria
dito Gregório, segundo os relatos de Beda, quando ele descobriu jovens
anglos de pele clara num mercado de escravos, o que estimulou-o a enviar Santo Agostinho de Cantuária para a Inglaterra para
converter os anglo-saxões, a famosa missão gregoriana. Ao saber que eram nativos de Deira, Gregório acrescentou ainda que
eles seriam resgatados "de ira" ("da ira"). Ao saber que seu rei
chamava-se Ela (Ælla),
exclamou "Aleluia"!
"Ecce locusta" ("Veja o gafanhoto!") - O próprio Gregório
desejava ir para a Inglaterra e iniciou a viagem. No quarto dia, durante a
parada para o almoço, um gafanhoto pousou na beira da Bíblia que Gregório
estava lendo e ele exclamou "Ecce locusta!". Porém, ao
refletir sobre o tema, viu no evento um sinal do céu por causa da similaridade
entre "loco sta" ("fique onde está") e
"locusta". Na mesma hora, um emissário do papa - na época seria
ou Bento I ou Pelágio II -
chegou para chamá-lo de volta.
"Pro cuius amore in eius
eloquio nec mihi parco" ("Pelo amor d'Ele não me poupo de Sua
palavra". O sentido é que como Deus havia lhe dado o poder da palavra
para que ele pudesse dar seu testemunho, que tipo de testemunha ele seria se
não o utilizasse?
"Non enim pro locis res, sed
pro bonis rebus loca amanda sunt" ("As coisas não devem ser amadas pelo
bem de um lugar, mas os lugares devem ser amados pelo bem de seus bons
frutos") - Quando Santo Agostinho de Cantuária perguntou se deveria
utilizar os costumes romanos ou gauleses para rezar a missa, Gregório disse, numa paráfrase, que que não era o lugar que
originava a bondade, mas as coisas boas que agraciavam o lugar e que era mais
importante ser agradável a Deus. Assim, Agostinho deveria selecionar o que
era "pia", "religiosa" e "recta" de
qualquer que fosse a igreja e estabelecer com isso o costume inglês.
"Compaixão deve ser
demonstrada primeiro para os fiéis e depois para os inimigos da igreja".
"Homens iletrados podem
contemplar nas linhas de uma figura o que não podem aprender através da palavra
escrita".
Análises
As opiniões sobre as obras de
Gregório variam. "Seu caráter nos surpreende como sendo ao mesmo
tempo ambíguo e enigmático", observou Cantor. "Por um lado, foi um
administrador hábil e determinado, um diplomata habilidoso e inteligente, um
líder da maior sofisticação e visão; mas, por outro, aparece em suas obras como
um monge supersticioso e crédulo, hostil à erudição, grosseiramente limitado
como teólogo e
excessivamente devotado a santos, milagres e relíquias".
Alguns, como Markus, acreditam
que suas cartas nos revelam "uma visão acurada de sua obra"; ao
passo que outros afirmam que "uma verdadeira apresentação
autobiográfica é quase impossível para Gregório. O desenvolvimento de sua mente
e sua personalidade ainda são puramente de natureza especulativa".
Identificação de três
personagens dos Evangelhos
Gregório estava entre os que
identificavam Maria Madalena com Maria de Betânia, que, segundo João 12:1-8, untou Jesus com
óleos preciosos, um evento que alguns interpretam como sendo o mesmo evento que
a unção realizada por uma mulher descrita por Lucas (o
único que o faz entre os evangelhos sinóticos) como pecadora ("Maria aos pés de Jesus" em Lucas 7:36-50). Pregando sobre esta passagem
de Lucas, Gregório afirmou: "Esta mulher, que Lucas chama de «pecadora» (Lucas 7:37) e João chama de «Maria» (João 12:3), eu acho que é a mesma Maria
citada por Marcos, «da qual havia expelido sete
demônios» (Marcos 16:9)."
Os modernos estudiosos bíblicos
distinguem as três mulheres, mas todas estão, no imaginário popular, ligadas.
Homenagens
Biografias
Na Grã-Bretanha,
Gregório continuou muito apreciado mesmo depois de morrer e recebeu o epíteto de "Gregorius
noster" ("nosso Gregório").
Foi ali também, na Abadia de Whitby, que a primeira "Vita" de Gregório foi escrita,
por volta de 713. Na Itália, a primeira foi escrita por João, o Diácono, no século IX.
Monumentos
A igreja de San Gregório al Celio (completamente reformadas com base nos edifícios
originais nos séculos XVII e XVIII) celebra suas obras e está localizada nas
terras que eram de sua família. Num dos três oratórios anexos acredita-se estar
enterrada a mãe de Gregório, Santa Sílvia.
Na Inglaterra, Gregório,
juntamente com Agostinho de Cantuária, é reverenciado como "apóstolo"
e um dos responsáveis pela cristianização do
país.
Iconografia
"Missa de São Gregório", um tema da arte cristã que abrange outro, muito
popular, conhecido como "Varão de Dores", a figura do Cristo morto
sobre o altar parte da visão de
Gregório.
1475-1500. Obra anônima da região de Brabante.
1475-1500. Obra anônima da região de Brabante.
Na arte, Gregório é geralmente
representado vestido como papa, com a tiara e a cruz dobrada, uma imagem sem relação alguma
com as roupas que ele vestia de fato. As mais antigas geralmente mostram-no com
a tonsura monástica e roupas mais
simples. Ícones ortodoxos
tradicionalmente mostram-no vestido como bispo segurando o Evangelho e abençoando com a mão
direita. Gregório teria permitido que seus retratos tivessem a auréola quadrada, reservada na época aos vivos considerados santos.
Uma pomba é o seu principal
atributo por conta de uma tradição originada numa história relatada por seu
amigo Pedro, o Diácono, segundo a qual, quando o
papa estava ditando suas "Homilias sobre Ezequiel", uma cortina se
estendia entre ele e seu secretário. Porém, como o papa por vezes ficava mudo
por longos períodos, o secretário fez um buraco na cortina e, olhando através
dele, viu uma pomba sentada na cabeça de Gregório com o bico entre seus lábios.
Quando ela tirava o bico, o papa falava e o secretário anotava suas palavras;
quando ele ficava mudo, o secretário novamente olhava pelo buraco e via que a
pomba novamente havia colocado o bico entre os lábios dele".
Esta cena é entendida como uma
versão do tradicional "retrato do evangelista" (no qual os símbolos dos evangelistas aparecem ditando) a partir
do século X. Um exemplo antigo é uma iluminura no manuscrito do século XI da "Moralia sobre
Jó", que mostra o escriba, Bebo, da Abadia de Seeon, presenteando o
manuscrito ao imperador do Sacro Império
Romano-Germânico Henrique II.
No canto superior esquerdo, o
Gregório aparece escrevendo o texto sob inspiração divina, provavelmente para dar maior clareza, a pomba aparece cochichando ao
invés de colocando o bico entre os lábios dele.
Um exemplo criativo e
anacronístico deste tipo de retrato é a obra do estúdio de Carlo Saraceni (ou um discípulo próximo)
de c. 1610, da coleção
Giustiniani, preservada na Galleria Nazionale d'Arte Antica em Roma.
Nela, o rosto de Gregório é
uma caricatura das
características descritas por João, o Diácono, mencionadas acima: careca,
queixo pronunciado e nariz bicudo ao invés da calvície parcial, um queixo
"graciosamente pronunciado" e um nariz "ligeiramente
aquilino".
O tema da Idade Média Tardia da "Missa de São Gregório" é uma versão de uma história do século VII
bastante elaborada em sua hagiografia posterior na qual Cristo, o "Varão de Dores", aparece no altar quando
durante uma missa celebrada por Gregório. Este tema foi bastante comum nos
séculos XV e XVI e refletia a crescente ênfase na presença real (de Cristo na Eucaristia) e, depois da Reforma Protestante, passou a ser uma afirmação desta doutrina na luta contra a teologia
protestante.
Festa
O atual Calendário
Hagiológico Católico Romano, revisto em 1969 por ordem do Concílio Vaticano II celebra São Gregório Magno em 3 de setembro. Antes disso, o Calendário Geral Romano determinava que sua festa
deveria ocorrer no dia 12 de março, aniversário da sua morte, uma data que
sempre cai durante a Quaresma, durante a qual não se celebra
nenhum memória obrigatória.
Este foi o principal motivo da mudança, que passou a festa para o aniversário
de sua consagração em
590.
A Igreja Ortodoxa e as Igrejas Católicas Orientais de rito bizantino continuam a comemorar São
Gregório em 12 de março, que ocorre durante a Grande Quaresma, a única época na qual é
utilizada a "Divina Liturgia
dos Dons Pré-santificados", que é creditada a Gregória.
Outras igrejas também celebram
São Gregório: a Igreja da Inglaterra e a Igreja Luterana - Sínodo de
Missouri em
3 de setembro; a Igreja Luterana
Evangélica na América e
a Igreja Episcopal nos Estados
Unidos, em 12
de março.
Num tempo conturbado da Igreja foi eleito um dos papas
mais importantes da história da Igreja, São Gregório I, Magno (590-604). Foi o
segundo Papa a receber o título de Magno. Foi o primeiro monge (beneditino) a
ser papa. Intitulou-se “Servus servorum Dei” – “Servo dos servos de Deus”. Ele
levou avante a educação dos bárbaros, como que completando o trabalho de S.
Leão Magno, alargando as fronteiras do Cristianismo.
Nasceu da família Aníscia, uma das mais importantes de
Roma em 540. Muito jovem foi prefeito de Roma. Dois anos depois exonerou-se do
cargo e transformou sua residência em um mosteiro beneditino. Destinou sua
grande propriedade, que se estendia até a Sicília à fundação de mosteiros.
Gregório soube administrar este “Patrimônio de São Pedro” cuja renda destinou
aos moradores de Roma empobrecidos pelos saques dos bárbaros lombardos e
outros. Administrou os bens públicos com firmeza, coibiu os abusos dos
funcionários imperiais; cuidou dos aquedutos; favoreceu o progresso dos colonos
eliminando todo o resíduo de escravidão da gleba.
No momento que a Cátedra de Pedro parecia mais
ameaçada, a restabeleceu definitivamente. Gregório lia muito Santo Agostinho, e
soube pôr em prática a “Cidade de Deus”: “trabalhar na cidade terrena de olhos
postos na Cidade divina”; trabalhar a história para a hora da manifestação do
Reino de Deus; esses foram os fundamentos da sua atividade. Com ele a Roma
imperial morta foi substituída pela Roma dos Papas.
No ano de 603, o Senado decadente se reuniu pela
última vez, e o Papa tornou-se na prática o herdeiro da autoridade imperial,
não por ambição política, mas por necessidade.
Com São Gregório Magno, “O Consul de Deus” (seu
epitáfio), a conversão dos bárbaros passou a ser obra de toda a Igreja; por
isso a cultura cristã salvou e modelou o Ocidente; que hoje, ingratamente, vira
as costas para a sua origem.
O Papa Pelágio II (579-590), o enviou como legado a
Constantinopla, onde permaneceu por seis anos, até 585, vivendo na corte
imperial com simplicidade monástica. Quando voltou para Roma tornou-se
conselheiro do Papa.
Gregório tinha qualidades de homem de governo. O
historiador protestante Harnack admira “a sua sabedoria, a justiça, a mansidão,
a força de iniciativa, a tolerância”. Bossuet considera-o “modelo perfeito de
como se governa a Igreja.”
A sua primeira série de “Homilias sobre o Evangelho”
foi lida por seu secretário, pois ele não conseguia manter-se em pé por causa
da fraca saúde.
Os primeiros bárbaros que São Gregório levou à
conversão com doçura e amor foram os temíveis lombardos. Aricelfo, seu chefe,
em 592, invadiu Roma, matando e decapitando as pessoas. Gregório organizou a
defesa de Roma ameaçada pelos lombardos, que desde 568 ameaçavam Roma. Passou a
ser amado pelos lombardos e romanos. Lentamente ele conquistou os lombardos,
ajudado pela princesa católica Teodolinda, bondosa e popular entre os
lombardos; e que construiu muitas igrejas. Por fim, no século VII o povo
lombardo veio para a Igreja.
Em seu pontificado o rei visigodo Recaredo, da
Espanha, converteu-se ao catolicismo em 589, o que gerou a conversão dos
suevos em seguida. Assim S. Gregório trabalhou pela conversão desse
mosaico de etnias, bárbaros, na Espanha, na Itália, na Gália, etc. A sua
conquista mais importante foi a Inglaterra. Ernest Lavisse escreveu que: “A
Roma de S. Pedro, começa as suas conquistas onde a Roma de Augusto acabou as
suas: na Bretanha e na Germânia” [Daniel Rops, vol II, p. 237].
Para lá S. Gregório mandou os seus amigos monges em
596, chefiados por S. Agostinho de Cantuária (†604), que era o prior do
mosteiro beneditino de S. André. Partiu de Roma com quarenta monges, em
difícil missão entre os temíveis anglos da “Angland”, que já haviam martirizado
muitos cristãos.
Chegaram a nós 848 cartas de São Gregório Magno e
muitas homilias ao povo. Em toda parte deixou sua marca, no campo litúrgico a
promoção do canto gregoriano, o cantochão. Sua familiaridade com a Sagrada
Escritura aparece nas “Homilias sobre Ezequiel” e 35 volumes de comentários
sobre o “Evangelho de São João”, que tornou-se o manual básico de teologia
moral da Idade Média, os “Moralia”, que atestam sua admiração por santo
Agostinho. Profunda influência exerceu juntamente com a Vida de São Bento, o
seu livro Regra pastoral. Reformou o clero, organizou a liturgia e reorganizou
as possessões da Igreja. Não se esqueceu dos pobres.
São Gregório soube fazer valer o Primado do Papa sobre
a Igreja. Antes dele, como vimos, o primado parecia ter-se transferido para o
Patriarca de Constantinopla, dominado pelo imperador, o basileu. Quando o
patriarca de Constantinopla adicionou-lhe o nome de “Patriarca Geral”, Gregório
lembrou-lhe a promessa de Cristo a Pedro (Mt 16,18).
Eram
interessantes as orientações de S. Gregório Magno para S. Agostinho de
Cantuária:
“Não
se devem destruir os templos dos pagãos, mas batizá-los com água benta e neles
erigir altares e colocar relíquias. Onde houver o costume de sacrificar aos
ídolos, seja permitido celebrar na mesma data festividades cristãs sob outra
forma.
Assim, no dia
da festa dos santos mártires, devem os fiéis erigir tendas de ramagens e
organizar ágapes. Permitindo-lhes as alegrias exteriores, adquirirão mais
facilmente as alegrias interiores. Desses corações terríveis não se pode
eliminar de uma só vez todo o passado. Não se escala uma montanha aos saltos,
mas a passos lentos!” [DR, vol II, p. 241].
Essa orientação é preciosa para a Igreja ainda
hoje. O papa João Paulo II disse na encíclica «Slavorum Apostoli» (1985,
nº 21), que a enculturação verdadeira é “a encarnação do Evangelho nas culturas
para purificá-las – e, por sua vez, a introdução destas na vida da Igreja”.
Christopher Dawson afirma que “o advento da nova
cultura anglo-saxônica é talvez o acontecimento mais importante entre a época
de Justiniano (séc. VI) e a de Carlos Magno (séc. IX)” [1991].
Fonte: Prof. Felipe Aquino
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